Mais do que oportunismo, o plebiscito revela como a ideologia anticapitalista embrutece mentalmente certos indivíduos. Em artigo na Folha de S.Paulo (2/9/2007), um famoso advogado forneceu a justificativa teórica (e errada) para a consulta popular. O governo teria vendido a Vale "por um preço quase 30 vezes abaixo do valor patrimonial da empresa e sem apresentar nenhuma justificativa de interesse público".
O articulista invocou o Código Civil para afirmar que "são anuláveis por lesão os contratos em que uma das partes, sob premente necessidade ou por inexperiência, obriga-se a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta". Por aí, a venda teria sido feita por babacas engabelados por espertos compradores. Se fosse assim, babaca teria sido o grupo Votorantim, que não percebeu pechincha e caiu fora.
O autor recorreu ainda à vetusta lei de usura brasileira, assinalando que a privatização poderia configurar crime de usura real, pois a venda teria dado lucro patrimonial superior ao "quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida". Por isso, decretou: "A parte diretamente lesada foi o povo brasileiro".
A privatização ocorreu mediante leilão "inglês", que consiste em uma sucessão de crescentes ofertas até restar apenas um participante, o vencedor. O bem é vendido pelo seu valor máximo. O oposto é o leilão "holandês", no qual o vendedor oferece o bem a preços sucessivamente menores até que uma oferta é aceita ou se desiste. O leilão já era praticado 500 anos antes de Cristo.
A teoria econômica mostrou que o leilão é a melhor forma de estabelecer o valor de um bem que possui um preço indeterminado ou variável. No setor público, evita conluios e gera transparência.
O mesmo ocorre na venda decorrente de sentença judicial. Na hasta pública, o leiloamento deve observar um preço mínimo determinado pelo juiz. Não sendo este alcançado, recorre-se ao leilão.
O PT preferiu atacar o processo e não o método. Repetiu o argumento de ação popular, na qual inquinou o leilão de fraude e pleiteou sua anulação. Se isso procedesse, por que a Votorantim aceitou tranqüilamente o resultado do leilão? Mais uma babaquice ou cálculo empresarial (ainda que errado)?
Condena-se também a privatização por ter sido feita com recursos do BNDES. Outros países criaram incentivos semelhantes para atrair o interesse na venda das suas estatais. Os benefícios compensam eventuais custos desses incentivos, desde que a privatização se faça sob processos transparentes e competitivos. Não se provou o contrário no caso da Vale.
Nos meus tempos no governo, a Vale - que se destacava por sua eficiência e ousadia - era a prova de que o Estado podia bem administrar uma empresa. Suas incursões fora da mineração e a bem sucedida exploração do minério de ferro de Carajás eram tidas como demonstrações irrefutáveis dessa afirmação.
Depois da privatização, a Vale se tornou exponencialmente mais bem administrada. Segundo Suely Caldas, a empresa paga 23 vezes mais impostos à União, quintuplicou o número de empregados e triplicou as exportações. Em 54 anos como estatal, investiu o equivalente a US$ 24 bilhões, mas em apenas seis anos sob gestão privada seus investimentos alcançaram US$ 44,6 bilhões.
A Vale obteve esses resultados com os mesmos funcionários da época estatal. Alguns de seus diretores permaneceram. A diferença está precisamente na natureza privada de suas operações.
Se permanecesse estatal, a Vale por certo teria dirigentes escolhidos exclusivamente por indicação política. É o que se tem visto de forma inédita em estatais como a Petrobrás e o Banco do Brasil. Este abrigou entre seus diretores um dos réus do mensalão e um dos aloprados do dossiê contra os tucanos nas eleições para o governo de São Paulo.
Reestatizada, a Vale poderia dar outras contribuições e recompensas políticas. Seria esse o motivo do plebiscito? Aí, para o PT, nada teria de infeliz.