Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 07, 2007

Lya Luft


Os novos códigos

"Nem tudo o que é novo é positivo, nem
tudo o que é tradicional é melhor. Ou ainda
acenderíamos fogo esfregando pedrinhas,
no fundo obscuro de alguma caverna"

Linguagens são códigos, e com eles nos comunicamos. Vivemos segundo alguns, também, na vida diária. Segundo códigos de ética que no momento são objeto de verdadeira guerra entre nós. Se de um lado andamos de cabeça mais erguida nestes dias, porque ao menos um passo foi dado e temos quatro dezenas de réus em falcatruas variadas e graves, paira ainda certo receio de que tudo seja turvado por interesses políticos e artimanhas de compadres. Mas estamos mais esperançosos de que a verdade e a Justiça culpem os culpados e absolvam os inocentes.

Ilustração Atômica Studio


Isso dito, vamos ao código que aqui me interessa, o da linguagem. O da comunicação, que na verdade é múltiplo, é muitos. Linguagem de cegos, linguagem de surdos, linguagem de namorados, as linguagens das famílias – em que determinadas palavras evocam cenas hilariantes ou tristes. Linguagens técnicas, linguagens profissionais, o jargão dos médicos, dos advogados, que precisa eventualmente ser traduzido para o comum mortal. Sem falar na linguagem das siglas que dominam o mundo, para as quais até dicionários já existem. E a linguagem técnica ligada às mais variadas ciências e meandros do universo tecnológico, no vasto e interessantíssimo leque das nossas capacidades e curiosidades.

Agora, surge uma preocupação com a linguagem abreviada e de caráter fonético usada em mensagens de computador, como nos chats. Os catastrofistas, de cabelo em pé, empunham a vassoura da faxina crítica. O receio é que os jovens, usando desse recurso que tem a ver com velocidade e economia, haveriam de desaprender, ou nunca aprender direito, o código do próprio idioma escrito. Receio infundado: somos capazes de dominar, na fala e na escrita, várias linguagens ao mesmo tempo e transitar entre elas com habilidade e até elegância em certos casos. Na escrita, lembrem-se, não há perigo de sotaque. Se pudéssemos dominar apenas um sistema de sinais escritos, aquele que aprendesse taquigrafia haveria de cometer mais erros de ortografia. Longe disso. Ao contrário, acredito – e os lingüistas talvez confirmem – que, de quanto mais recursos dispomos, melhor os usamos em cada ocasião.

Linguagem é a roupa da mente: não falamos em casa como falamos num discurso em ocasião solene nem falamos numa entrevista para conseguir emprego como falamos brincando com nossa turma na escola. E não falamos com um bebê de 2 anos como falamos com o médico ao qual estamos expondo nossos males. Somos melhores do que se pensa, mais hábeis e mais capazes, embora em geral a gente não tenha nem dê essa impressão de nós mesmos. Escrever com abreviaturas, siglas, formas enigmáticas aos desavisados é apenas uma maneira divertida, rápida, inteligente, econômica, criativa e, sim, um pouco secreta de estabelecer e cultivar laços cibernéticos, que podem confirmar amizades já existentes (falo com amigos distantes mais freqüentemente do que com o que mora no mesmo edifício) ou abrir a porta para novas relações. Que nem sempre são o lobo mau, embora crianças devam ser controladas e alertadas para doenças como pedofilia e outros males nesta nossa enferma sociedade. Conheço casais felizes que se encontraram num chat, e casais extraordinariamente infelizes que conviveram desde a adolescência.

É preciso dar uma chance às novidades e inovações, em lugar de criticar de saída ou prevenir-se contra, como se tudo o que é novo fosse primariamente mau. É como se fora da língua culta, a língua-padrão que é e deve ser usada em momentos mais sérios, todas as demais formas de comunicação fossem espúrias. Não sejamos chatíssimos senhores com odor de naftalina, ou damas enfiadas no espartilho do preconceito: sem ginga, sem alegria, sem abertura para o novo e o bom, por isso mesmo sem discernimento para o verdadeiramente mau.

Além de tudo, a língua, como os costumes, a vida, a sociedade e as culturas, no bom e no negativo, segue uma evolução que independe de nós, dos moralistas, dos puristas, dos gramáticos, dos donos da verdade, dos que seguram o facho da razão numa das mãos e na outra o chicote da censura. Nem tudo o que é novo é positivo, nem tudo o que é tradicional é melhor. Ou ainda acenderíamos fogo esfregando pedrinhas, no fundo obscuro de alguma caverna.

Lya Luft é escritora

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