Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 07, 2007

Haiti A vida da tropa brasileira no país caribenho

Paz, sombra e água fresca

Os militares brasileiros pacificaram o Haiti
– e o Haiti deu-lhes uma grande oportunidade


Victor De Martino, do Haiti

Fotos Victor de Martino
Acima, o ministro Nelson Jobim em sua visita a Porto Príncipe. Abaixo, a base com os contêineres italianos que servem de alojamento: segundo a ONU, 78% dos haitianos aprovam o trabalho do Brasil

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As tropas brasileiras encontraram um país totalmente conflagrado quando chegaram ao Haiti, em junho de 2004, com mandato da Organização das Nações Unidas (ONU). Os tiroteios ocorriam à luz do dia. À noite, nas regiões mais violentas, vigorava o toque de recolher imposto por milícias clandestinas. Em áreas como a de Cité Soleil, a cidade mais convulsionada, os militares não se aventuravam a entrar nem em tanques de guerra. VEJA esteve no Haiti pouco antes da visita feita pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, aos 1.200 soldados brasileiros lá baseados. Encontrou uma nação pacificada. No início deste ano, o Exército e a Marinha do Brasil desbarataram as últimas gangues que permaneciam em ação. Hoje, patrulham a Cité Soleil à noite e a pé. Os haitianos, que se trancavam em casa ao pôr-do-sol, agora assistem nas ruas à passagem dos soldados. Uma pesquisa feita pela ONU mostra que 78% da população local aprova a missão de paz levada a cabo pelos brasileiros. Trata-se de um índice de aprovação jamais atingido pelas quatro missões anteriores, comandadas por americanos, canadenses e franceses. "Se tivemos êxito, ele se deve à relação de confiança que os brasileiros estabeleceram com a população", diz o diplomata Edmond Mulet, que chefiou a missão por catorze meses.

As milícias foram desmanteladas, mas os militares brasileiros continuam enfrentando rotinas pesadas de patrulhas, serviços de guarda na base e tarefas administrativas. No Brasil, um soldado trabalha, em média, 44 horas por semana. Lá, os expedientes semanais ultrapassam sessenta horas. Apesar disso, ser escalado para trabalhar no Haiti equivale a receber um prêmio. Em alguns casos, o soldo é quadruplicado. Um soldado, que no Brasil ganha 618 reais por mês, embolsa mais 972 dólares pagos pela ONU. Um capitão, que normalmente recebe 3 600 reais, tem o salário aumentado em 3 250 dólares. A maioria economiza o dinheiro extra para comprar um carro ou dar entrada em uma casa. Além disso, quem vai para o Haiti tem prioridade nas promoções.

A base em Porto Príncipe, a capital do país, é também muito mais confortável do que os quartéis nacionais. Os militares dispõem de internet, telefone, cineminha, academia de musculação e quadras esportivas. Dormem em contêineres italianos fabricados especialmente para fins de alojamento, equipados com ar-condicionado e frigobar. Muitos têm televisão, aparelho de DVD e videogame. Os soldados têm uma folga por semana e, a cada mês, fazem jus a uma licença de três dias. A maioria aproveita esses dias em Kaliko, uma praia a duas horas de Porto Príncipe. A permanência no Haiti dura no máximo seis meses – prazo que inclui vinte dias de férias. O soldado goiano Eraldo Neto, que nunca tinha visto o mar, aproveitou para descansar num resort da vizinha República Dominicana. Os oficiais, que ganham mais, costumam passar esse período no Brasil. O capitão Rodrigo Silveira deverá vir em outubro, para escolher o nome de seu primeiro filho. "Enquanto isso, acompanho a gravidez da Leriane, que já está com cinco meses, pela webcam", diz ele.

O governo já gastou 430 milhões de reais na missão e, em 2008, despenderá mais 134 milhões. É o caso de perguntar se, apesar de toda a contribuição para a paz no Haiti, não teria sido melhor gastar esse dinheiro para reequipar a polícia brasileira. Outra pergunta: se foram tão competentes para pacificar o país caribenho, os militares não poderiam fazer o mesmo nas metrópoles nacionais atormentadas pelo crime? "Se o Exército fizer nas favelas cariocas o que fez no Haiti, as gangues acabam", diz o coronel Geraldo Cavagnari, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Estadual de Campinas. O Exército, no entanto, abomina a idéia, porque sabe que, numa operação desse tipo, baixas civis são inevitáveis. Ou seja, isto aqui continuará sendo um Haiti. Já o Haiti, quanta diferença...

QUARTEL CINCO-ESTRELAS

Os soldados dispõem de dormitórios com ar-condicionado e frigobar, sala de musculação, internet, DVD e até mesmo um cineminha...

...para agüentar as longas patrulhas nas favelas haitianas e as horas de guarda na base militar de Porto Príncipe

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