Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 06, 2007

Governo inflacionário Roberto Macedo *

Se tudo correu como esperado pelo mercado financeiro, o Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) deve ter anunciado ontem uma redução de 0,25 ponto porcentual na taxa básica anual de juros, deixando de lado as reduções de 0,50 ponto porcentual que marcaram as duas últimas reuniões. Na pior das hipóteses, teria optado por não reduzir a taxa.

E mais: o mesmo mercado passou a prever que o atual ciclo de reduções será interrompido antes do fim do ano. Anteriormente à semana passada, com a taxa em 11,5% ao ano, o mercado previa que ela chegaria a 10,75% no final de dezembro, mediante três reduções de 0,25 ponto porcentual. Desde a última semana, contudo, a previsão é de que ocorrerão apenas duas reduções dessa magnitude.

Foi o aumento da inflação que mudou as previsões, conforme revelado pelos principais índices que o BC leva em conta. São o IPCA, de preços ao consumidor, que é o índice-meta da sua política de juros, e as variantes do IGP, em que predominam preços no atacado. Até junho se estimava que esses dois índices terminariam 2007 com uma taxa anual de 3,5%. Desde então, a inflação subiu e as últimas previsões são de que o IPCA fechará o ano em 3,92%, o IGP-DI em 4,18% e o IGP-M em 4,3%. Aliás, a taxa de agosto deste último, de 0,98% no mês, divulgada na semana passada, assustou o mercado financeiro, que até a semana anterior previa 0,62%, já considerada muito alta. Isso também deve ter levantado as sobrancelhas dos membros do Copom.

As previsões desses índices ainda se situam abaixo do centro da meta da política do BC, que é de 4,5% ao ano. Mas este ano já caminha para o final e o que mais preocupa agora é a inflação de 2008. A inflação é um processo e suas causas atuais têm efeitos que se desdobram no futuro, o que recomenda antecipar ações corretivas para que sejam contidos.

Esse aumento da inflação tem componentes transitórios, como o de preços de alimentos que sobem na entressafra e de outros para os quais se espera um aumento de oferta só a médio prazo. Contudo o maior crescimento da economia, e dos rendimentos e do crédito de forma ainda mais acentuada, gera pressões mais permanentes da demanda sobre os preços. As crescentes importações a uma taxa de câmbio em queda, e que chegou a alcançar R$ 1,84 por dólar em 23 de julho último, vinham contribuindo para aliviar parte dessas pressões. Entretanto, recentemente essa taxa subiu para valores mais próximos de R$ 2 por força da crise internacional ligada aos financiamentos imobiliários de segunda linha nos EUA.

Temos, então, essas várias razões que sustentariam a maior cautela do Copom, diminuindo o ritmo de redução da taxa básica de juros ou mesmo interrompendo-o. E, quem sabe, até elevando-a mais à frente.

Mas não precisava ser assim. Todo o raciocínio acima não se aprofunda nas causas das causas, e o desenlace a que leva pressupõe que o problema da inflação é só da alçada do BC, e este só tem um remédio para enfrentá-la, a taxa de juros.

Ora, com sua política fiscal o governo federal vem persistentemente contribuindo para aquecer a demanda de bens e serviços, e para restringir sua contribuição à expansão da oferta, tendo claramente um papel inflacionário.

O que caracteriza uma política fiscal desse tipo? De um lado, com "contribuições" de todo tipo, ele arrecada cada vez mais, impondo uma carga tributária crescente, que inibe investimentos empresariais e contribui para menor crescimento da produção. De outro, privilegia os próprios gastos correntes e muito pouco destina a investimentos públicos, em particular àqueles em obras de infra-estrutura, também inibindo a atividade produtiva que as utiliza. Além disso, é pródigo ao realizar transferências em espécie a eleitores que já garantiram seu retorno em 2006, e nos quais investe cada vez mais para assegurar outro em 2014.

Assim, além dos vários aumentos que deu ao piso previdenciário acoplado ao salário mínimo, bem acima da inflação, da mesma forma ampliou os benefícios do Bolsa-Família e, agora, se prevê outra ampliação desse programa. Quanto aos demais gastos, privilegia a expansão da folha e já prevê a contratação, em 2008, de milhares de funcionários. No processo, até gastos em saúde são sacrificados no altar do assistencialismo eleitoreiro, como demonstra o noticiário recente.

Mais gastos em saúde e educação básica são defensáveis, em particular porque são também investimentos na infra-estrutura física e mental do ser humano. Também a assistência social se justifica, dadas as muitas e fortes carências da população brasileira. Mas tudo é uma questão de equilíbrio. Tampouco se pode negligenciar o futuro da economia, que sem mais investimentos continuará prejudicado, inclusive ampliando a população dependente de transferências do Estado. Ademais, essa expansão de gastos e de transferências governamentais, tão forte num prazo tão curto, gera pressões inflacionárias de que o BC agora deverá cuidar, por meio de doses menores de redução de juros, ou de apertos ainda maiores.

Sou daqueles que freqüentemente criticam o BC por sua visão estreita do processo inflacionário, por se achar todo-poderoso com relação à inflação, e por doses inadequadas de seu remédio. Razão lhe assiste, entretanto, quando o lado fiscal do governo que integra não o ajuda no seu trabalho.

Assim, mais uma vez o BC tentará apagar o fogo, enquanto o governo federal joga mais lenha na fornalha da inflação. Com juros que cairão menos, ou que não cairão, ou que poderão até subir, a economia pagará a conta da insensatez fiscal.

* Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap,foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Arquivo do blog