Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 13, 2007

Dora Kramer - A ficha não caiu




O Estado de S. Paulo
13/9/2007

O destino do presidente do Senado foi selado ontem no primeiro dos quatro processos que pesam contra ele por quebra do decoro parlamentar pelo voto da covardia.

Os seis senadores que se abstiveram poderiam ter decidido a favor da cassação, e assim dado um fim à agonia da Casa, ou poderiam ter ampliado o placar da absolvição e conferido mais legitimidade ao resultado e às condições de Renan Calheiros para continuar na presidência.

Do jeito como se apresentou o painel eletrônico, ninguém pode comemorar, a não ser o réu, pelo fato de continuar senador. Se sai dessa votação de pé quebrado, a ele pouco importa, como de resto não importou até agora nem exercer a presidência na berlinda nem levar junto consigo o Senado à desmoralização.

A maioria dos senadores contrariou a expectativa otimista segundo a qual a “ficha” da instituição havia finalmente caído e, portanto, o colegiado estava imbuído da convicção de que o momento era de decidir de frente e não de costas para o lado de fora do Congresso.

Decidiu “para dentro” e colheu algo que não se pode nem qualificar como uma vitória de Pirro. Não há ganhos a serem contabilizados. A própria reação tíbia, sem celebrações, dos aliados do senador Calheiros mostra alguma consciência a respeito do equívoco coletivo, cuja alegoria mais vistosa foram as seis abstenções.

Mais respeitáveis são os 40 senadores convictos em favor da absolvição do que os adeptos da pusilânime ausência de posição.

Configura-se uma inutilidade agora apontar responsáveis neste ou naquele partido. Particularmente no PT ou numa suposta pressão sub-reptícia exercida pelo Palácio do Planalto.

Se petistas e governistas cabalaram votos, ofereceram vantagens, propuseram barganhas ou fizeram ameaças, do outro lado encontraram receptividade, gente permeável a ofertas e disposta a ceder a pressões. Não adianta buscar culpados porque não é o caso. Cada um ali sabe de si.

O caso, em resumo é que a maioria do Senado não tem o menor compromisso com a ética, lixa-se para a opinião do público e não se dá ao respeito.

Precedente

O Supremo Tribunal Federal realmente tomou a si a tarefa de reatar as relações de confiança entre o Estado e a sociedade. Há 15 dias, impôs novas balizas ao conceito de foro privilegiado, quando aceitou a denúncia contra os 40 acusados do mensalão.

Ontem, com a decisão liminar em favor da presença de deputados na sessão secreta de julgamento do presidente do Senado, abriu precedente contra o sigilo dos atos parlamentares de um modo geral.

O STF julgou uma situação específica, mas invocou o preceito da publicidade a ser dada a qualquer ação originária do poder público e, com isso, se confirmar a decisão no julgamento do mérito, dificulta a realização de futuras sessões sigilosas.

Fora do tempo

Mais que um atentado ao princípio da publicidade invocado pelo STF para permitir a presença de deputados na votação do Senado, o instituto da sessão secreta é, sobretudo, um anacronismo.

Diante de todos os recursos de comunicação disponíveis nos dias de hoje, foi patética a cena dos seguranças do Senado fazendo uma “varredura” no plenário na noite anterior ao julgamento de Renan Calheiros, à caça de microfones e gravadores escondidos.

Grotesco também o fato de os senadores terem de se dirigir uns aos outros aos gritos, sem microfones, a fim de preservar o segredo de polichinelo sobre o que se passava dentro do plenário, enquanto parlamentares entravam e saíam, dando conta aos jornalistas do que se passava lá dentro.

A direção da Casa, com seus cuidados e recursos judiciais, assemelhou-se aí a celebridades que violam a própria intimidade em público e depois correm atrás de pedir à Justiça que proíba o impossível de proibir, que é a divulgação de fotos e filmes na internet.

O sigilo da sessão serviu para ressaltar o ridículo da regra contida no regimento do Senado e evidenciar a necessidade de adequar o funcionamento do Parlamento à modernidade, à democracia, ao nosso tempo, enfim.

Brancaleone

Fernando Gabeira, Raul Jungmann, Luciana Genro, Chico Alencar e Ivan Valente. O grupo está sempre na contramão do senso comum preponderante na Câmara e à frente dos gestos mais ousados do Parlamento, aqueles que aparentemente não surtirão efeito além de algum espetáculo, mas acabam produzindo resultados.

Fizeram assim a CPI dos Sanguessugas, atrapalharam assim a paz dos cemitérios reinante na última eleição para a presidência da Câmara, capitanearam assim o movimento contra o aumento de 91% nos subsídios dos parlamentares, conseguiram assim romper o tabu das sessões secretas. São poucos, barulhentos e absolutamente indispensáveis.


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