Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 13, 2007

A CPMF na República provisória

Roberto Macedo*


Foi Antonio Penteado Mendonça, também colaborador deste jornal, que me chamou a atenção para o provisório na Proclamação da República. De fato, consultando o decreto que a introduziu, o primeiro artigo está assim redigido, na grafia da época: "Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação brazileira - a República Federativa."

Embora centenária, nossa República não faz jus ao nome, no sentido moderno de um Estado efetivamente voltado para o interesse dos cidadãos e submetido à soberania do povo, por meio de representantes democraticamente eleitos. A falha principal é que o Estado e seus governantes são muito voltados para seus próprios interesses. Outra é que o sistema eleitoral tem as distorções da obrigatoriedade do voto, da proporcionalidade nas eleições de deputados e vereadores e de suplentes não votados de senadores.

As liberdades individuais e as eleições dão a sensação de democracia, mas estas últimas levam a governos pouco democráticos, em geral constituídos de mandões que se colocam acima do povo. Inclusive quando pegos em falcatruas, privilegiados que são no enfrentamento da Justiça, também falha por razões de sua própria incompetência.

Assim, embora esse texto do decreto assinado pelo marechal Deodoro pareça estranho, nossa República ainda merece ser vista como provisória, uma gambiarra republicana. A instalação definitiva está por vir.

Falar em provisório no âmbito do Estado também lembra as muitas medidas que o governo federal toma a esse título. E, em particular, a tal de CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, cuja prorrogação se discute no momento.

No uso comum, contribuição é algo voluntário, e a CPMF é de fato um imposto, travestido desse nome para que o governo federal não tenha de repartir a arrecadação com Estados e municípios. Incide sobre as movimentações de que fala, com exceções, como as envolvidas nas negociações de ações na Bolsa e nas transferências entre contas-correntes de mesma titularidade.

A CPMF teve como precursor um tributo semelhante, só que autenticamente chamado de imposto, o IPMF, nascido em julho de 1993, com alíquota de 0,25%, e efetivamente provisório, pois durou até a data prevista (31/12/94) na lei complementar que o instituiu. Na sua nova roupagem de "contribuição", o tributo ressurgiu em 1997 com a alíquota de 0,2%, que depois subiu para 0,38%, caiu para 0,3% e voltou a este penúltimo valor desde junho de 1999.

Como tributo, tem muitos defeitos, como os de que incide em cascata e se acrescenta ao chamado "custo Brasil", o que diminui a competitividade dos produtos e serviços brasileiros. Transferido aos preços, é pago até pelos mais pobres, que movimentam apenas dinheiro em espécie.

É também o sonho dos que iludem a si e a outros com o tal de "imposto único". Apesar do nome, ainda viria com alguns dos impostos atuais, mas com uma alíquota bem maior que 0,38% para substituir os demais. Se isso acontecesse, digamos, com uma taxa de 3,8%, seria um estímulo à sonegação mediante ampliação das transações em espécie, com grande expansão da indústria de carros-fortes e de malas de toda cor.

A manutenção da CPMF só se justificaria mediante alíquota simbólica, digamos, de 0,01%, para acompanhar transações financeiras em sua proporcionalidade com a base de incidência de impostos declaratórios, como o de Renda. E, ainda, dedutível do cálculo de um ou mais deles.

Diante da perspectiva de a CPMF se extinguir se não houver nova legislação em contrário, o governo federal vem atacando com a tradicional choradeira de que é indispensável o dinheiro que ela arrecada, e usa até o ministro da Saúde para conseguir apoio entre os mais emotivos.

Estou entre os economistas que vêem a carga tributária mais como resultante do crescimento das despesas públicas, como o decidido pela Constituição de 1988, do que um problema por si mesma. Assim, seria preciso ter "gastômetros" juntamente com "impostômetros", e conter os gastos para segurar a carga tributária. O governo federal, contudo, não a reduz, e ela continua aumentando pelos mais variados pretextos. E mais: ao ser vitorioso em vê-los acolhidos, ele turbina as alíquotas necessárias, acaba arrecadando mais, não gasta conforme as razões que argumentou e vem de novo arrancar mais dinheiro do "contribuinte".

Assim, a carga se expande porque os gastos crescem, mas estes também crescem porque a carga cobrada vai além dos objetivos para que foi aprovada, num círculo vicioso que acabou trazendo-a para um total que prejudica a economia.

Como o governo federal não vai conter gastos por vontade própria, os representantes do povo deveriam impor um efetivo aperto fiscal, acabando de vez com a CPMF. A redução da carga tributária já é um anseio nacional, e é preciso começar de algum ponto. Este seria o ponto final à CPMF, ficando só uma "CMFzinha" para o objetivo acima proposto.

Vislumbrando cenários em ordem decrescente de ruindade, em primeiro estaria a manutenção da CPMF na sua alíquota atual, com repartição do dinheiro também para Estados e municípios, gerando mais de 5 mil entes federativos definitivamente interessados em tirar o P de seu nome. Em segundo e terceiro, respectivamente, a manutenção ou redução progressiva sem essa repartição, sem ou com a "promessa" de extinção mais à frente.

O ponto final traria o melhor cenário, numa demonstração de que, apesar dos pesares, nossos legisladores de fato teriam honrado seu compromisso com o provisório com que batizaram a CPMF, e num passo a mais na direção de uma República mais autêntica e definitiva.

*Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap,foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

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