Carlos Alberto Di Franco
Autoproclamado o brasileiro "mais ético" entre todos os cidadãos brasileiros, o presidente Lula exaltou a ética do partido e a defesa dos companheiros: "Ninguém neste país tem mais autoridade moral e ética do que nosso partido."
E, num arrebatamento de humildade coletiva, completou: "Admitimos que tem gente igual a nós, mas não admitimos que tenha melhor." Impressionante!
Com seu comício partidário, chocante, mas estudado, o presidente da República acabou dando uma bofetada no STF, uma cotovelada na verdade e, de quebra, reacendeu a velha tese da conspiração das elites. Tal teoria, lançada pelo ex-ministro José Dirceu, tem inspirações nitidamente venezuelanas. Ela já vinha sendo elaborada há algum tempo nos laboratórios petistas. Documento divulgado em 2005 por 43 movimentos sociais, como a CUT e o MST, definiam a estratégia. "As elites iniciaram, através dos meios de comunicação, uma campanha para desmoralizar o governo", dizia o texto. Tratava-se, então e também agora, de um documento previsível no tabuleiro da crise. Com o governo acuado e as provas de corrupção entrando nos tribunais (magnífico o trabalho da Procuradoria-Geral da República), o recurso à teoria conspiratória é só o primeiro passo.
O segundo, na expressão de Dirceu, será, dependendo do andamento da carruagem, a mobilização dos movimentos sociais contra as "forças políticas, sociais e conservadoras da direita". O argumento petista é infundado e injusto. Não resiste a dois segundos de análise séria. Se houve uma conspiração elitista nos bastidores, ela visou, ao contrário, a preservar o presidente da República da crise que ameaçou tragá-lo. Na verdade, as elites econômicas (basta pensar nos bancos), felizes com as políticas adotadas pelo governo Lula, querem tudo menos o fantasma da desestabilização.
Todos nós, que compartilhamos responsabilidades no nosso sofrido Brasil, não nos alegramos com o aumento da temperatura política, muito menos com a possibilidade da irrupção de uma crise. O que está acontecendo, talvez em proporções inimagináveis, é o resultado final de um silogismo com premissas ideológicas bem concretas. O PT, que sempre agitou a bandeira da ética, na verdade cresceu sob a sombra da práxis de inspiração marxista, isto é, o que importa é o poder a qualquer preço. O fim justifica os meios. A ética é uma bandeira de marketing, mas não é o fundamento da ação. Daí a boa convivência com os inimigos do passado. Daí o vale-tudo em nome de um projeto de perpetuação no poder. Por isso, hoje eles encarnam o que sempre criticaram. O pragmatismo mandou às favas a consciência e a coerência.
Tais comportamentos, no entanto, estão com seus dias contados. Não se trata de um arrebato de otimismo. Estou convencido de que o Brasil está passando por uma lenta, mas profunda mudança cultural. Iludem-se os que imaginam que tudo terminará em pizza. A corrupção, infelizmente, sempre existirá. A decadência moral de todas as utopias humanas é a mais evidente constatação de que o pecado original tem comprovação empírica. Mas uma coisa é a miséria humana; outra, totalmente diferente, a holding da corrupção. Esta deve e pode ser combatida com os instrumentos de uma sociedade civilizada. E a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ancorada no brilhante relatório do ministro Joaquim Barbosa, é, talvez, o primeiro sinal da virada. A sociedade brasileira não suporta mais a hipocrisia, à direita ou à esquerda, de pretensos intocáveis.
O País, queiram ou não os seus políticos, vai virar uma página da sua História. A corrupção, independentemente do seu colorido ideológico, é o verdadeiro câncer que corrói o organismo nacional. E é ela que alimenta a fome que o presidente da República pretendeu, certamente com boa intenção, combater na alvorada idealista do seu governo. É ela que abandona os idosos que são maltratados nas filas de uma instituição que tem sido historicamente dominada pela incompetência e pelo banditismo.
A imprensa, sem as mordaças que alguns defendem e livre de quaisquer tentativas de cooptação, tem um papel decisivo no processo de recuperação da ética. Não somos antinada. Nosso compromisso é com a verdade e com a liberdade. Nosso cliente não é o poder. É você, leitor e cidadão. A democracia é o melhor antídoto contra o veneno do autoritarismo. É um longo aprendizado. Mas funciona. O eleitor, inicialmente ingênuo e fascinado com o brilho do populismo, vai ganhando discernimento. A mídia, numa rigorosa prestação de serviço, será, agora e sempre, a memória da cidadania. O ostracismo das urnas já é um grande passo, mas não basta. A conseqüência do crime, independentemente do status do delinqüente, deve ser a cadeia. É isso, e nada mais, o que a sociedade espera da ação de um Judiciário independente e íntegro.
A democracia brasileira, não obstante os ataques dos autoritários de sempre, é sólida. Ela tem os anticorpos suficientes para combater o vírus aético e devolver aos brasileiros, sobretudo aos jovens, a alegria e a esperança.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia E-mail: difranco@ceu.org.br