Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 30, 2006

Imprensa, silêncio das oposições e Niemöller


O teólogo protestante Martin Niemöller: enquanto for possível protestar...
Como se vê abaixo, o ataque à mídia partiu, desta feita, de Tarso Genro, ministro das Relações Institucionais. Ele pretende ser a face civilizada do governo. Trata-se de uma escalada, que não reconhece como limites a intimidação ou mesmo o financiamento descarado de esbirros de um projeto autoritário. Vocês não precisam acreditar em mim ou em outros que pensam mais ou menos o que penso. Acreditem em Eugênio Bucci, presidente da Radiobras. E ele quem denuncia a pressão para que a empresa passe a ser mera correia de transmissão do governo e do partido. Não sei por que não se demite em caráter irrevogável.

Assim como o PT não se conforma com uma empresa de informação estatal, pública, mas não partidária, também não aceita que a mídia, gerida por empresas privadas, não lhe faça as vontades. Os procedimentos vigentes no jornalismo durante o governo Lula, nos seus aspectos virtuosos, não se distinguem daqueles adotados durante o governo FHC. O que há de novo — aí, sim — é a existência de veículos regiamente pagos para fazer as vontades do poder, para vocalizar os seus interesses, a sua visão de mundo. Lula inventou a imprensa do protesto a favor. Sempre a favor do governo.

A impressão de que pode haver mais dureza decorre do fato de que nunca se assistiu a tamanha escalada de escândalos. O apparatchik petista — na academia, na imprensa, nas ONGs — costuma dizer que isso é mentira. Conversa mole: o PT sempre buscou confundir, durante os oito anos do governo FHC, divergência ideológica com ilegalidade. Especializou-se, quando na oposição, em fazer denúncias vazias. E não aceita que o jornalismo revele as suas falcatruas. Em que consistiria o oposicionismo da mídia? Na denúncia do caso Waldomiro Diniz, do mensalão, da cartilha fantasma, dos sanguessugas, da República de Ribeirão Preto, do aparelhamento do Estado, do dossiê fajuto, da compra de uma imprensa áulica? É a isso que chamam “golpismo”, “oposicionismo sistemático”, “preconceito”?

Mais constrangedor é constatar o silêncio das oposições até agora. Em vez de a escalada contra a imprensa livre merecer palavras de protesto, o que vemos são salamaleques dirigidos ao lulismo, como se estivéssemos mesmo diante de um pacificador. Reparem: não passa dia sem que uma autoridade do governo se dedique à tarefa de criminalizar a opinião dos que não rezam segundo a cartilha do “petistamente correto”. Objetivamente, a quem favorece o silêncio?

Há um textinho famoso sobre o nazismo, que merece ser lembrado. Nove entre dez citadores o atribuem a autor indevido: Maiakovski, Bertolt Brecht ou o brasileiro Eduardo Alves da Costa (que escreveu, com efeito, coisa bem parecida):

“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”

Seu autor é o teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984). Ele teve uma trajetória curiosa. Chegou a flertar com o nazismo nos primeiros tempos. Quando, vamos dizer, já havia ficado claro quem era Hitler e o que queria, ainda ambicionou incutir-lhe um tanto de sensatez. Até que percebeu do que se tratava e migrou para a oposição aberta. Foi processado em 1938 e enviado para o campo de concentração de Dachau, onde permanece até o fim da guerra. Correto estava o Niemöller do texto acima, não o que sonhou com as mãos estendidas para o ditador facinoroso.

Certos setores da oposição estão fazendo de conta que a escalada petista contra a imprensa é notícia de uma guerra particular. Não é, não. Trata-se de mais uma batalha do PT contra as liberdades democráticas; trata-se de mais uma iniciativa para fazer com que o autoritarismo brote no seio da própria democracia, como já está se tornando comum no continente.

Os oposicionistas deveriam levar em conta a história de Niemöller. Enquanto ainda há quem se arrisque a reclamar...
Por Reinaldo Azevedo

Demétrio Magnoli Policiais do passado


Artigo - Demétrio Magnoli
O Estado de S. Paulo
30/11/2006

Deise Benedito, da ONG Fala Preta!, sintetizou, em artigo recente, um mito que já desempenha a função de ideologia oficial: "O sistema escravagista (...) provocou inúmeras fugas de africanos(as) escravizados(as) para as matas, de onde foram resgatados(as) e recepcionados(as) por bravos(as) guerreiros(as) indígenas que não se subordinaram às investidas de desbravamento e à ocupação de suas terras. (...) Protegidos(as) pelos espíritos das matas, de companheiros(as) de infortúnio, mesmo não dominando a mesma língua, estabeleceram um pacto a favor da sobrevivência, a favor da luta e resistência contra a opressão do colonizador cruel e desumano. (...) Surgiu, em Alagoas, o primeiro e mais complexo campo de resistência, o Quilombo dos Macacos, sede do Quilombo dos Palmares, estrategicamente posicionado. (...) Alicerçados(as) com o conhecimento da agricultura, da agropecuária, da metalurgia, bagagens trazidas do continente africano, aplicando novas formas de escoamento da produção, Palmares tornou-se o primeiro Estado Afro-Indígena das Américas. Os povos indígenas absorveram a nova forma de governo e foram estabelecidas, em parceria, estratégias de organização contra as invasões."

O Palmares edênico era uma sociedade isolada, em luta contra a opressão exterior. O Palmares histórico era um enclave rebelde que mantinha relações de comércio intensas com colonos portugueses e holandeses e núcleos indígenas circundantes. O Palmares edênico era uma sociedade igualitária. O Palmares histórico apresentava estratificação social interna e uma elite dirigente nitidamente definida. O Palmares edênico era o lugar da liberdade, cercado pelo oceano da escravidão. O Palmares histórico era um elemento dissonante, mas integrado ao sistema mercantil-escravista e, nos quilombos da Serra da Barriga, negros e índios capturados pelos rebeldes trabalhavam em regime de escravidão.

A usina da reinvenção de Palmares funciona há poucas décadas e já produziu duas versões do mito. Na primeira, o paraíso terreal de Alagoas era um Estado Africano puro, metáfora para a formulação original das políticas de cotas raciais. Nesta segunda, adaptada à atual proposta de cotas para negros e índios, ele emerge como Estado Afro-Indígena das Américas. Mas a muralha do mito continua a rejeitar a presença dos brancos, mulatos e cafuzos que, fugindo das autoridades coloniais, viveram no Palmares histórico.

A fabricação de Palmares como éden é uma dimensão do empreendimento político e simbólico de substituição, na História nacional, do 13 de maio, Dia da Abolição, pelo 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A dimensão complementar é a abolição da própria Abolição, por meio da sua difamação.

Na hora da Abolição, o Império do Brasil disfarçou a sua derrota atribuindo o fim da escravidão ao gesto magnânimo da princesa. Mas os historiadores reconstituíram a narrativa que se queria ocultar, lançando luz sobre a primeira grande luta social de caráter nacional no Brasil. Nessa luta, líderes de todas as cores, inclusive escravos forros, mobilizaram o povo em torno da exigência de igualdade perante a lei. Os jornais e clubes abolicionistas, que se multiplicaram no País, as fugas de escravos, auxiliados pelos ferroviários, a greve seletiva dos tipógrafos, que não imprimiam os manifestos escravistas, a recusa dos jangadeiros cearenses de transportar cativos derrotaram a escravidão e destruíram os alicerces do Império.

Na hora das cotas, a difamação da Abolição ergue um pesado manto sobre tudo isso, restaurando a narrativa mentirosa do Império e oferecendo-lhe como auréola a tese determinista segundo a qual o fim da escravidão decorreu de uma "conspiração das elites" para consolidar o capitalismo no País. A fim de produzir um Brasil dividido em raças oficiais, os usurpadores da História precisam apagar as pegadas que remetem à extraordinária luta abolicionista, de conteúdo não-racial e travada em nome da cidadania.

O mito edênico de Palmares e a difamação da Abolição têm a mesma origem. Os dois são produtos de uma usina de narrativas históricas que funciona à sombra do poder público e conta com generosos financiamentos internacionais. A aliança entre a Secretaria da Igualdade Racial (Seppir), um órgão com estatuto ministerial, e a Fundação Ford, uma instituição filantrópica americana, opera a "retificação" racial da História do Brasil. A usina de ideologias emprega pesquisadores universitários e ONGs, estreitamente articulados entre si, que produzem textos segundo um padrão uniforme e formam uma comunidade doutrinária militante. Aos integrantes da comunidade é oferecida uma carreira de sucesso, que inclui publicações de ensaios e livros, títulos acadêmicos e, eventualmente, cargos públicos.

A nova história racial do Brasil cumpre dupla finalidade. A primeira, mais imediata, é sustentar perante a opinião pública as leis raciais que tramitam no Congresso e ameaçam suprimir o princípio da igualdade política e jurídica dos cidadãos no acesso aos serviços públicos e no mercado de trabalho. A segunda, de cunho estrutural, é reformar os currículos escolares de modo a fazer desaparecer o conceito de nação e a "reeducar" as crianças e os jovens, incutindo-lhes identidades raciais fixas.

A ditadura militar implantou o ensino de Moral e Cívica com a finalidade de produzir a identificação indelével entre a autoridade e a pátria. Hoje, sob o argumento válido de que se deve valorizar o estudo das contribuições culturais africanas, pretende-se instituir, como disciplina escolar, uma História do Negro no Brasil. A idéia é substituir as lutas sociais por conflitos raciais, pela produção em série de narrativas ideológicas com selo oficial.

Os policiais do passado não admitirão nenhuma confusão de cores.

Eles almejam a pureza.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP

E-mail: magnoli@ajato.com.br

Poderes sem pudor fiscal



Artigo - Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo
30/11/2006

As críticas à expansão dos gastos públicos federais se concentram no Executivo, que responde pela maior parte da conta. Mas é no Legislativo, no Judiciário e no Ministério Público (MP) que vêm avançando com maior velocidade. Uma razão é que esses Poderes não compartilham as mesmas responsabilidades do Executivo pela condução da política econômica e pelos seus resultados, como os de inflação, crescimento do PIB, resultado orçamentário e dívida pública.

Assim, segundo Marcos Mendes, um dos organizadores do livro Gasto Público Eficiente, objeto de artigo meu neste espaço (16/11), enquanto no Executivo o aumento real dos gastos com funcionários foi de 12% entre 1995 e 2005, nesses outros Poderes os acréscimos foram de 63%, 133% e 114%, respectivamente.

Os diversos Poderes também se distinguem por sua motivação ao gastar. No Executivo, o objetivo central do governo Lula foi o de permanecer no poder. Assim, 2006 foi marcado por gastos eleitoreiros, em particular o forte aumento real do salário mínimo e a expansão do Bolsa-Família, num processo construído ao longo de quatro anos, alimentado pelo crescimento da carga tributária, e que teve outros ingredientes, como a ampliação dos empregos públicos e dos cargos não preenchidos por concurso.

No Legislativo, o objetivo de assegurar novo mandato se evidencia de forma mais arraigada, pois há muito tempo deputados e senadores aprovaram, com exclusividade para si, o permanente financiamento público da campanha seguinte. Isso ocorre mediante verbas para contratação de assessores que trabalham com esse objetivo, ao lado de outras benesses como franquia postal e telefônica.

Ao fim do mandato dos deputados e de parte dos senadores, como agora, sempre surge a discussão do reajuste salarial que vigorará no quadriênio seguinte, a incidir sobre a remuneração atual de R$ 12.700 por mês, também aguardado por deputados estaduais e vereadores, pois o decidido em Brasília repercute sobre suas remunerações.

Mais uma vez, alguns congressistas propuseram o absurdo de equiparar seus salários aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja remuneração, hoje de R$ 24.500 por mês, em tese é o teto do funcionalismo. Ora, os parlamentares não têm tarefas equivalentes às desses ministros. Em particular, muitos não exercem seus mandatos em tempo integral. Na realidade, essa proposta poderá servir como o bode daquela história na qual, depois de retirado da casa onde foi colocado, isso traz um grande alívio para quem vive nela, e coloca em segundo plano outros sérios problemas da habitação. Ou seja, trata-se de chocar o cidadão para que se indigne menos com um reajuste para, digamos, R$ 17.800.

Passando ao Judiciário e ao MP, sua cúpula não fica atrás na busca de novas vantagens. Disse acima que, em tese, a remuneração dos ministros do STF constitui o teto dos salários do funcionalismo, mas esse teto continua sendo desobedecido em escala nacional. Ainda ontem veio a notícia de que 2.978 juízes e outros servidores do Judiciário dos Estados ganham acima do seu teto específico, proporcional ao citado.

Por isso, quando em junho de 2005 surgiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a atribuição, entre outras, de adequar as remunerações do Judiciário ao teto "vigente", veio a esperança de que essas aspas desapareceriam. Recentemente, entretanto, membros do próprio CNJ propuseram receber jetom por suas duas reuniões mensais, na base de 10% de suas remunerações a cada reunião, o que faria com que o total recebido ultrapassasse o referido teto. Convenhamos que não fica bem aplicá-lo na base do "faça como eu digo, mas não como eu faço". Em particular, não se sustenta a argumentação da ministra Ellen Gracie, presidente do STF e do CNJ, de que a gratificação por presença em sessões é "prática em todos os conselhos que existem... em particular naqueles que eu conheço". Sugiro que alguma universidade pública, como a USP, por exemplo, convide a ministra para conhecer seus vários conselhos em que o jetom não é praticado. E, se lá conversasse com algum especialista no uso do tempo, quem sabe concluiria que a um eventual jetom nas reuniões do CNJ deveria corresponder um desconto de igual valor correspondente ao tempo não dedicado pelos membros às suas funções nos órgãos de origem.

A idéia do jetom surgiu noutro conselho, o Nacional do Ministério Público (CNMP), que conseguiu aprovar projeto no Congresso estabelecendo a prática, felizmente vetado na terça-feira, num excepcional e bem-vindo momento de lucidez fiscal do presidente Lula. Se a moda não parar por aí, há o risco de pegar, com conselhos já existentes reivindicando jetons, e de surgirem novos conselhos, como os do mesmo tipo no plano estadual.

Na segunda-feira, noutro elogiável movimento, o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo, retirou da pauta de votação o projeto de jetom para o CNJ, e outros que reajustavam os salários dos ministros do STF e criavam mais cargos nesse órgão. Isso, contudo, não exclui sua eventual votação no futuro.

Em retrospecto, nem essa providência, nem o referido veto presidencial garantem que o emprego e os salários do setor público passarão a ser objeto de uma política criteriosa. Com mais empregos, um aumento salarial aqui, uma equiparação ali, a folha salarial do governo federal nos seus vários Poderes continuará a crescer de modo permanente. Não há pudor fiscal, pois eles não mostram uma preocupação permanente com o contribuinte que paga a conta, com o uso alternativo que poderia ser dado ao dinheiro e com o dano que suas ações trazem às contas públicas e ao crescimento econômico do País.

Caso de polícia, não de ONG

Caso de polícia, não de ONG

Artigo - Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo
30/11/2006

Está no Código Penal: reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem “reduzir alguém à condição análoga à de escravo”. A pena é aumentada de metade se o crime é cometido contra criança ou adolescente. Quantas pessoas foram presas nos últimos dois anos pela prática desse crime? Quantas foram condenadas? Quantas estão sendo processadas? Não há resposta a essas perguntas no texto divulgado pelo Itamaraty, em seu site, sob o título Trabalho forçado no Brasil. Com essa nota, o governo brasileiro reagiu à “alegada intenção de congressistas norte-americanos de investigar denúncias de que parte do carvão vegetal proveniente da Amazônia, utilizado na fabricação do ferro-gusa (...), seria produzido com trabalho forçado”.

O reaparecimento do assunto, no Congresso americano, é conseqüência da vitória democrata nas últimas eleições. Tendo conquistado o controle do Congresso, eles darão destaque à sua conhecida agenda protecionista e para isso deverão recorrer a alegações de todos os tipos. É fácil acusar os brasileiros de usar trabalho escravo, de explorar mão-de-obra infantil e de promover a devastação de florestas. O Brasil é vulnerável a todas essas acusações, mesmo que a poluição promovida pelos americanos seja muito maior e que o trabalho forçado seja encontrável também nas economias mais desenvolvidas. Mas nenhum desses contra-argumentos pode justificar a mínima hesitação quando se trata de combater aqueles crimes.

A nota do Itamaraty admite o problema e cita o reconhecimento, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), do esforço do governo brasileiro para eliminar o trabalho forçado. Menciona, além disso, o lançamento, em 2005, do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, com a participação do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, da ONG Repórter Brasil e da própria OIT. O movimento inclui o compromisso das siderúrgicas de não comprar carvão vegetal produzido com mão-de-obra forçada. Nos últimos dois anos, segundo a nota, o Instituto Carvão Cidadão (ICC), criado pelo acordo, fiscalizou a produção de carvão e contribuiu para o descredenciamento de 945 fornecedores.

Tudo isso é muito bom, tudo isso é muito bonito, mas trabalho forçado, no Brasil, é crime. A polícia tem libertado trabalhadores escravos em várias partes do País, mas há pouca informação sobre prisões, processos e condenações. Jornais, tevês e rádios muito raramente noticiam as ações policiais e quase nunca se vê a cara de algum criminoso capturado pelas autoridades. Ou as prisões têm sido muito raras ou as autoridades consideram esses casos muito menos interessantes, para a opinião pública, do que as prisões de executivos acusados de sonegação ou de contrabando. Mas o Código Penal não deixa dúvida: trabalho forçado é crime bem mais grave que as fraudes fiscais atribuídas a dirigentes de lojas de luxo ou de indústrias de bebidas.

Só esses dirigentes, no entanto, são mostrados pelas tevês, algemados e escoltados por equipes policiais. A exibição, admita-se como hipótese, deve servir para mostrar a eficiência da repressão e desencorajar a prática do crime. Mas por que não dos crimes mais graves?

A nota do Itamaraty menciona um “tratamento ostensivo e consciente da questão pelo governo brasileiro”. Mas esse tratamento não é ostensivo. Além do mais, a cooperação de entidades privadas, embora desejável, não basta para resolver o problema. Reprimir o crime - e reprimi-lo com a aplicação de penas - é função primordial do Estado e responsabilidade intransferível. A fiscalização por uma entidade como o ICC e o compromisso dos empresários da siderurgia não podem substituir a intervenção vigorosa e eficiente do poder público.

O descredenciamento de 945 fornecedores de carvão não é resposta suficiente. Esse castigo não é mais severo que a cassação de registro de postos de gasolina por venda de combustível adulterado. Mas o delito é imensamente mais grave. Quantos foram presos?

Se o governo deseja mostrar seu empenho no combate ao trabalho forçado, tem de fazer muito mais para fornecer uma resposta convincente. Se há de fato uma ação repressiva, é preciso mostrá-la. Se não há repressão em grau suficiente, é indispensável intensificar o trabalho. Não tem sentido ficar na dependência da boa vontade de grupos privados. Um governo pode privatizar muita coisa, mas não a responsabilidade pelo combate ao crime.

A razão de ser da Radiobrás


Editorial
O Estado de S. Paulo
30/11/2006

Desde que se noticiou, há duas semanas, que o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, havia colocado o cargo à disposição do presidente da República por pressão de setores do PT interessados em tornar a mídia estatal dócil aos interesses do governo - o que ele nega, convincentemente -, o jornalista e estudioso do ofício não perde oportunidade de se manifestar sobre o que entende serem os objetivos e limites dos órgãos de comunicação vinculados ao Estado. Suas idéias não poderiam ser mais bem-vindas neste país em que os governantes de turno, com raras exceções, costumam achar que a mídia oficial existe para estar a seu serviço - e não da sociedade, que em última análise a sustenta.

Exemplo dessa preocupação foi a fala de Bucci na abertura do I Fórum Nacional de TVs Públicas, promovido pelo Ministério da Cultura. Ele tornou a expor a sua antiga convicção, decerto fortalecida por sua experiência no Planalto, de que "o sistema estatal de comunicação não precisa ser governista - e não deve ser". Contrariando a noção convencional que separa a mídia em estatal, pública e privada, permitindo deduzir que a primeira deve mesmo funcionar como correia de transmissão das verdades do oficialismo, Bucci insiste em que também o aparato de mídia ancorado no Estado precisa ficar "livre das contingências partidárias que naturalmente têm ensejo no núcleo de um governo".

Seria o ideal se essa fosse a característica da Radiobrás, criada pelo presidente Geisel em 1975 para operar as emissoras de rádio e TV do governo federal e que, em 1988, na administração Sarney, absorveu a Agência Nacional do getulismo. Conglomerado com duas agências noticiosas, cinco estações de rádio e duas de televisão, que se define como "empresa pública de comunicação", responde à Secretaria de Comunicação do Governo, cujo titular tem status de ministro e trabalha no Palácio do Planalto. Na gestão Bucci, a Radiobrás ressaltou que a sua razão de ser é veicular "com objetividade informações sobre Estado, governo e vida nacional".

A linha que distingue essas três categorias é tênue por definição. E tanto mais tênue será quanto menos nitidamente demarcada estiver a distinção entre as esferas pública e particular na cultura de um país - como ainda é, em larga medida, o caso brasileiro. Desse ângulo, a concepção defendida por Bucci representa um avanço mensurável pelas resistências que desperta. A julgar pelos comunicólogos do PT, para compensar a presumível hostilidade da "imprensa burguesa" ao governo Lula, a Radiobrás deveria divulgar os atos da administração, os (inesgotáveis) discursos de seu chefe e os fatos de interesse geral de forma a gerar, ampliar e consolidar o apoio popular ao esquema petista de poder. Ou seja, para todos os efeitos práticos, descarte-se a objetividade em favor do proselitismo.

Na presidência da Radiobrás, Bucci tentou percorrer, nem sempre com êxito, como admite, o caminho oposto, para ao menos atenuar o seu caráter de "mídia chapa-branca". Em 2003, por exemplo, um protesto de 20 mil servidores contra a reforma da Previdência, em Brasília, acabou ignorado pela agência de notícias da estatal e convertido, na Voz do Brasil, em mera entrega de uma proposta ao governo para o setor. Foi o que o levou a iniciar uma reforma radical no programa. Aliás, ele considera um anacronismo injustificável numa democracia a existência de "uma cadeia nacional de uma hora todos os dias nesse formato, com transmissão obrigatória por força de lei", como reiterou semana passada em entrevista ao Observatório da Imprensa na TV.

Na mesma ocasião, cometeu a heresia de dizer que "a Radiobrás não tem atribuição legal de fazer serviço de porta-voz, de assessoria de imprensa, de propaganda de governo (porque) essas atribuições pertencem aos organismos da administração direta". Isso significa que o jornalismo praticado na estatal deve obedecer aos mesmos padrões de separação entre publicidade e noticiário, e entre informação e opinião, metas constitutivas da imprensa livre. Incidentalmente, Bucci é partidário da tese de que "só há um jeito de corrigir problemas da liberdade de imprensa: é com mais liberdade de imprensa". Permaneça ele ou não na Radiobrás, esse é o espírito que precisa deitar raízes na empresa - e no governo.

A raposa e o porco-espinho



Editorial
O Estado de S. Paulo
30/11/2006

Tomem-se duas passagens do discurso de terça-feira do presidente Lula na Confederação Nacional da Indústria (CNI) e dificilmente se conseguirá escapar de uma conclusão inquietante. Em dado momento de sua resposta ao duro pronunciamento do presidente da entidade, Armando Monteiro Neto, cobrando do governo um ataque frontal à questão fiscal para "ligar a ignição do crescimento", Lula mostrou ter a "determinação e clareza" que o orador dele exigia - mas em relação à integridade dos fundamentos da política econômica do primeiro mandato. Ele assegurou que não permitirá a volta do que denominou "vandalismo econômico" para se referir ao afrouxamento das diretrizes da austeridade, citando explicitamente as pressões pela renegociação das dívidas dos Estados. "Não me venham os governadores dizer que tem de mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Voltar à irresponsabilidade que esse país já teve nós não voltaremos."

Ainda nesse contexto, denunciou a leviandade dos congressistas que "fazem discursos dizendo que querem ser sérios", mas aprovaram a extensão do décimo terceiro salário aos beneficiados com o Bolsa-Família e aumento de quase 17% nas aposentadorias, "como se aquilo fosse apenas uma peça de campanha, sem a conseqüência do dia seguinte da irresponsabilidade". Na segunda passagem da sua fala para a qual se deve atentar, afirmou ser necessário "um bando de mágicos para que a gente tente encontrar uma saída para fazer esse país voltar a crescer". E, no mesmo diapasão, emendou: "Faz 20 dias que eu não faço outra coisa a não ser discutir como destravar esse país."

A conclusão inexorável da leitura dos dois trechos é que ao presidente se aplica a famosa máxima do filósofo grego Arquíloco (680-645 a.C.) sobre a raposa, que sabe muitas coisas, e o porco-espinho, que sabe perfeitamente bem uma só. Lula sabe perfeitamente bem e permanece rigorosamente fiel ao que aprendeu sobretudo com o responsável pelo seu programa de governo em 2002, depois ministro da Fazenda, Antonio Palocci: a disciplina fiscal é um princípio de condução dos negócios públicos que transcende ideologias e não pode ser transgredido, nem mesmo em nome da meta do desenvolvimento com justiça social, porque a transgressão é meio caminho andado para a derrocada desse objetivo no momento seguinte. Como diriam os seus companheiros, o presidente "se conscientizou" dessa verdade e indica que dela não arredará pé. Se realmente não arredar, o Brasil lhe será grato.

Inquietante, porém, é a evidência - mais nítida a cada manifestação presidencial - de que ninguém o ensinou a conjugar a obediência ao primado da responsabilidade fiscal, em sentido amplo, com a promoção do crescimento. Anteontem ele não se deu conta, aparentemente, da péssima nota que deu a seu próprio desempenho, na confissão sobre os últimos 20 dias dedicados metaforicamente em tempo integral à procura das ferramentas para destravar a economia. Luiz Inácio Lula da Silva completa hoje 1.430 dias no comando do País e permanece, como no dia da posse, incapaz de ir além, na esmagadora maioria das situações, do enunciado dos grandiosos objetivos a alcançar. Agora que é hora de capitalizar os ganhos razoáveis no controle da inflação e no ajuste fiscal - consolidando-os para avançar -, o presidente caminha para o segundo mandato vergado pela herança maldita do primeiro: a escassez de iniciativas favoráveis ao crescimento e o excesso de palavras a respeito.

Medidas que ele poderia e deveria ter posto em marcha desde que subiu ao Planalto, em janeiro de 2003, continuam no papel, como promessas - para não antes de fevereiro - destinadas a devolver ao governo a capacidade de investir e a conter a expansão dos seus gastos com pessoal, manutenção da máquina e programas sociais, as chamadas despesas correntes. Nos planos, mudanças na legislação ambiental, expansão dos Projetos Pilotos de Investimento (PPIs), imposição de um piso para a redução do gasto anual de até 0,2% do PIB, unificação dos parâmetros para reajuste do funcionalismo nos três Poderes e contingenciamento de verbas orçamentárias em bases anuais. Ao mesmo tempo, Lula descarta a reforma previdenciária que impediria o agravamento do déficit do INSS ao longo do tempo e daria um alento aos investidores. Pelo visto, falta alguém que o convença - entre outras coisas - de que a reforma não visa à próxima gestão, mas à próxima geração.

Celso Ming - No crédito, o juro não cai




O Estado de S. Paulo
30/11/2006

Como previsto, o Copom cortou os juros básicos (Selic) em mais meio ponto porcentual, para 13,25% ao ano. De setembro de 2004 até hoje foi uma queda de 6,5 pontos porcentuais ou, calculada de outra forma, de 32,9% no período.

Surpreendentemente ou não, na ponta do tomador de crédito os juros não caem no mesmo ritmo. A tabela ao lado mostra isso. Os números não incluem a queda da Selic ontem decidida e são levantados pelo Banco Central.

É inevitável concluir que o crédito é mau transmissor da política monetária. O impacto da política de juros é exercido quase somente sobre o volume de moeda que gira na economia. Isso tira eficácia da política monetária.

Essa tabela reflete algumas distorções. Começa pelo que ficou de fora dela, porque não é alcançado pelo crivo do Banco Central. Em muitos casos, o principal negócio do comércio varejista não é distribuição e venda de mercadorias, mas é o lucro no crédito informal. Quando você vai a uma loja e lá eles dizem que pode pagar uma compra com três ou quatro prestações "sem juros", fique sabendo que os juros já estão embutidos no preço à vista. Como em geral o lojista não aceita dar desconto para pagamento no ato, até quem paga à vista está pagando juros. O Banco Central não tem elementos para avaliar esse segmento que, nessas condições, está informalmente exercendo funções de instituição financeira não supervisionada.

Outra distorção refletida pela tabela é a de que o segmento do crédito coberto pelos bancos brasileiros é mínimo. Estudo do presidente do Unibanco, Pedro Moreira Salles, mostra que, em 2005, as operações de crédito no Brasil não passavam de 31% do PIB. Nos Estados Unidos atingiam 284%; na China, 157%; no Japão, 154%; na Europa do Euro, 148%; na Tailândia, 101%; no Chile, 67%. Uma das razões para esse raquitismo é a de que, ao menos nos últimos 20 anos, os bancos preferiram emprestar dinheiro para o governo (operações de tesouraria) e relegaram o crédito para produção e consumo a linhas secundárias de operação.

Como o retorno dos títulos públicos vem caindo, os bancos sentiram necessidade de retomar as operações de crédito e a competição começou a crescer. Os juros no crédito pessoal apontados na tabela são os que mostram maior queda (20,6%), porque o crédito consignado (descontado do salário ou da aposentadoria) atraiu o maior interesse dos bancos. Como os bancos ainda competem pouco, os juros no crédito não caíram o que poderiam cair.

O economista André Loes, diretor setorial de Economia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), dá três motivos para a baixa queda dos juros no crédito.

O primeiro é metodológico: o levantamento do Banco Central se concentra sobre o crédito às empresas de pequeno ou médio porte. As grandes (Petrobrás, Vale, Volkswagen, CSN, Embraer, etc.), que conseguem levantar recursos a custos baixos, são pouco representativas na tabela.

Um fator que reduz a velocidade da queda dos juros no crédito é o alongamento dos prazos dos empréstimos, tanto para empresas como para pessoas físicas, vantagem para o tomador que em parte é compensada com juros mais altos. Além disso, o crescimento do crédito consignado, segmento normalmente ocupado por clientes melhores, aumentou o risco de crédito para o segmento que se serve do cheque especial, o que levou os bancos a aumentar os juros nessa faixa.

São razões respeitáveis que, no entanto, não justificam o alto custo do crédito.

Dora Kramer - Por honra da firma




O Estado de S. Paulo
30/11/2006

O lançamento da candidatura do senador Agripino Maia à presidência do Senado pelo PFL é uma boa cena do jogo político, mas não passa de uma cena. Nem o PFL nem o PSDB têm a menor condição hoje de entrar na disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. A oposição pode influir e até contribuir para a vitória deste ou daquele, mas não tem condições numéricas e políticas de ambicionar a qualquer um dos dois cargos.

Tucanos e pefelistas só seriam competitivos se o cenário das divergências entre os governistas virasse uma balbúrdia completa. Esta hipótese, é claro, não está totalmente fora de cogitação e no momento é nela, na possibilidade de vir a assistir de camarote a uma guerra sem sobreviventes, que a oposição deposita uma tênue esperança.

O PFL lançou o nome do senador Agripino por honra da firma, para não ficar completamente de fora do jogo, pois elegeu a maior bancada no Senado. O problema é que sozinho não consegue ir a lugar algum e seu aliado preferencial, o PSDB, nutre nítida preferência pela reeleição do atual presidente, Renan Calheiros.

Ontem o candidato pefelista lançou um desafio aos tucanos, dizendo que cabe ao PSDB agora definir se "sua prioridade é a eleição de um companheiro a presidente da Casa" ou se prefere ter cargos na Mesa.

É uma pergunta de duas respostas. Oficialmente, pode ser até que o partido opte pelo "companheiro" na presidência da Casa, mas, realisticamente, prefere ocupar cargos na Mesa. Preferência, aliás, também de muita gente do PFL, notadamente dos que já ocupam esses postos e não estão dispostos a abrir mão deles.

O senador Agripino Maia sustentará a candidatura até o final, mas sabe que a força do governo aliada ao bom trânsito interno de Renan Calheiros, somados ao desinteresse do PSDB em ver o "companheiro" numa situação de tanto destaque, resultam numa equação absolutamente desfavorável.

Além disso, o PFL é oposição, mas não perdeu o pragmatismo. Se insistir numa candidatura sem chance à presidência, termina sem lugar de comando na Mesa, pois o partido que concorre não pode compor a chapa adversária. Para acabar sem nada, os pefelistas também não estão dispostos a bancar o faz-de-conta.

Na Câmara, PSDB e PFL tampouco têm chance de disputar como fizeram em 2005, quando se mantiveram competitivos até o final, com José Thomaz Nonô, a despeito de todo o empenho material do governo em favor de Aldo Rebelo.

Tanto é diferente a situação agora que o preferido da oposição é o próprio Rebelo. Além de terem ótimas relações com o presidente da Câmara, PSDB e PFL preferem mil vezes a reeleição dele que a eleição do PT ou do PMDB.

Mas estes, a não ser naquele cenário de confusão e guerra generalizadas, formam uma aliança quase intransponível, caso tenham a prudência e a habilidade que alegam ter agora para tocar o projeto.

De qualquer forma, na Câmara, para a oposição, o quadro de apoio ainda ficará indefinido até o Supremo Tribunal Federal decidir, no dia 7 de dezembro, se vale ou não a cláusula de barreira. Valendo, a candidatura Aldo Rebelo se esvazia e os oposicionistas terão de tomar um novo rumo.

E hoje não existe no horizonte nenhuma possibilidade de candidatura. Não há, na oposição, nomes, força política nem votos suficientes para sustentar um plano viável de conquista da presidência.

Causa imprópria

É discutível, mesmo improvável, que o problema do sistema partidário brasileiro se resolva com a redução do número de partidos ou com restrições ao exercício das funções legislativas de seus parlamentares. Neste aspecto, as pequenas legendas que não conseguiram cumprir a exigência legal de obter 5% dos votos válidos para deputado federal em todo o País têm razão de reclamar.

Agora, o ato realizado ontem em protesto contra a chamada cláusula de barreira é uma manifestação extemporânea, pois a regra foi aprovada há quase 10 anos pelo Parlamento e, nesse tempo todo até a sua entrada plena em vigor, não houve movimentação contrária de peso. Na certa no aguardo de que a lei não "pegasse".

Se erro houve, foi na origem. Mas a lei passou e só provocou reações quando se materializou o prejuízo.

Dentro de uma semana, o Supremo Tribunal Federal dirá se ela vale ou não. Se for revogada a cláusula, é de se pensar se não será no futuro esse também o destino de toda e qualquer modificação da reforma política que venha a contrariar o interesse deste ou daquele partido.

Conexão

A banda boa da CPI dos Sanguessugas não espera mais encontrar pistas sobre a origem do dinheiro para o dossiê Vedoin, mas mantém a esperança de que o Ministério Público possa fazê-lo.

Circula entre os investigadores do caso a suspeita da existência de uma ligação daquele R$ 1,75 milhão apreendido no hotel em São Paulo com os negócios fraudulentos do deputado eleito pelo PT de Minas Gerais e agora de volta à cadeia, Juvenil Alves.

Míriam Leitão - Erradicar o mal



Panorama Econômico
O Globo
30/11/2006

O Congresso americano acusou a siderurgia brasileira de trabalho escravo, e a defesa vem de onde não se esperava: a Organização Internacional do Trabalho atesta que a siderurgia brasileira está fazendo um trabalho importante e sério contra essa chaga. "Há setores sobre os quais não podemos dizer isso, mas a siderurgia tem combatido fortemente", diz Patricia Audi, coordenadora do grupo contra o trabalho escravo da OIT no Brasil.

Se for inocente quanto ao trabalho escravo, dificilmente a siderurgia brasileira se inocenta em outra acusação que sempre pesa contra ela: a de uso de madeira de desmatamento ilegal nos fornos das carvoarias que produzem a matéria-prima para os guseiros que fornecem para as laminadoras.

A denúncia de trabalho escravo apareceu nos jornais esta semana depois que, no Congresso americano, dois parlamentares disseram que fariam uma investigação para criar barreiras ao aço brasileiro. Ou seja, os erros do passado estão virando barreira comercial.

- Que isso sirva de alerta para outros setores brasileiros que têm sido bem menos rigorosos no combate ao problema - diz Patricia Audi.

Pelas contas da OIT, a maior parte dos flagrantes de trabalhadores em condição degradante, servidão por dívida ou condições desumanas é encontrada na produção de carne:

- Cerca de 80% são na pecuária de corte; 10% na produção de soja e algodão, 3% na cana-de-açúcar, 3% no café, 1% em pimenta e 3% em outras atividades em que pode haver algum caso ligado a siderúrgica, mas há alguns anos o setor iniciou um trabalho sério fiscalizado pelo Instituto Carvão Cidadão - comenta Patricia Audi.

Diante desse dramático assunto, é preciso registrar algumas coisas: primeiro, o problema, para a nossa vergonha, existe no Brasil, tanto que, nos últimos dez anos, 20 mil brasileiros foram libertados pelas equipes do Ministério do Trabalho e algumas pessoas notórias da sociedade brasileira eram donas das fazendas onde essa prática inaceitável era rotina; segundo, o Brasil tem sido considerado pela OIT exemplo de esforço para erradicar o mal, fato, inclusive, confirmado pelo diretor da OIT nos EUA Armand Pereira, mas ainda está longe da solução; terceiro, uma grande rede foi montada para investigar na cadeia produtiva brasileira os fornecedores que usam trabalho escravo e que lavam o crime ao longo das várias etapas de produção e comercialização. Na frente dessa rede, atuam a OIT, o Ministério do Trabalho, o Instituto Ethos e a ONG Repórter Brasil. Essa investigação mostrou que as principais redes de supermercados, grandes indústrias e estatais estavam no final da ponta, mesmo sem saber.

O primeiro acordo para acabar com o crime ocorreu, conta Patricia, na Associação das Siderúrgicas de Carajás, que já fez 945 fiscalizações nas carvoarias que acabaram cancelando 253 contratos de fornecimento de carvão por não cumprirem a legislação trabalhista.

André Câncio, que dirige o Carvão Cidadão, conta que o instituto tem feito um trabalho de fiscalização, em condições difíceis, de quatro mil fornecedores no Pará e no Maranhão. O trabalho está muito mais adiantado no Maranhão, onde 90% dos trabalhadores do setor têm carteira assinada, segundo ele. Muito mais difícil é o Pará.

- Em dois anos, o instituto auditou em torno de 50% das áreas, que no total são 2 milhões de quilômetros quadrados - conta Câncio.

Por aí se vê que é muito difícil garantir que não há irregularidade, mas é reconfortante saber que os empresários estão determinados a erradicar a prática criminosa.

As equipes têm fiscal, médico, auditor; levam questionários para serem preenchidos; tiram fotos para garantir que não haja trabalho degradante ou qualquer tipo de proibição de que o trabalhador saia do local. Mesmo assim, há o risco de quem for descredenciado acabar vendendo para um que está regularizado. Para evitar isso, eles passarão a olhar também a capacidade de produção de cada fornecedor.

- O que a gente vê é que nem sempre a preocupação com a cadeia produtiva está no primeiro plano das empresas. Essas siderúrgicas do instituto correspondem a 50% da produção de ferro-gusa que é exportada pelo país - diz Câncio.

Por outro lado, eles mesmos reconhecem que as carvoarias são móveis, vão mudando, conforme a "fronteira agrícola", um eufemismo para área de desmatamento; em geral, ilegal e em terra grilada. Algumas das siderúrgicas têm floresta própria, mas nem todas, explica. Quando a pergunta é sobre desmatamento ilegal, Câncio diz:

- O instituto Carvão Cidadão não abrange o meio ambiente, não entra neste aspecto, não está na nossa esfera. Estamos concentrados na questão trabalhista.

O problema é que os crimes sempre andaram juntos. A siderurgia brasileira terá de provar nos Estados Unidos que não usa trabalho escravo e que até o combate, sendo aliada da OIT. Dificilmente terá capacidade de provar, no entanto, que não usa madeira de desmatamento. Como são crimes que andam juntos, combatendo-se um pode coibir o outro. Mesmo assim, é hora da mobilização para um pacto antidesmatamento da mesma forma e abrangência com que se organizou o pacto antitrabalho escravo.

Eliane Cantanhede - Narrativa própria e apropriada




Folha de S. Paulo
30/11/2006

"A imprensa tem de discutir o governo, mas não o contrário." A frase é de uma clareza e de uma importância enormes num momento em que Lula, ministros, dirigentes petistas e afins metem o sarrafo na imprensa publicamente e, internamente, discutem sabe-se lá que barbaridades sobre como tratar "esse problema".
Quem a pronunciou, em entrevista à Folha, não é político nem partidário. É jornalista, doutor em comunicação pela USP: o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, que tenta resistir, corajosamente no conteúdo e suavemente na forma, a essa onda antiimprensa.
Entre outras coisas, ele nadou contra a maré e tentou ensinar aos colegas de governo que a Radiobrás é um veículo do Estado para prestar informação aos cidadãos. Não é, como muitos gostariam, inclusive outros professores de jornalismo, um órgão a serviço do governo, qualquer que seja o governo.
Segundo ele, não cabe à empresa ser porta-voz nem fazer propaganda desse governo -que, por ser do PT e se julgar melhor do que todos os demais do planeta, quer tudo e todos a seu próprio serviço, desde o Banco do Brasil, passando pela Petrobras e chegando à Radiobrás.
A fala de Bucci é um rasgo de bom senso republicano numa costura cada vez mais visível para calar ou driblar as críticas que a imprensa faz ao atual governo, como fazia aos anteriores. Pergunte a Sarney, a Collor, a Itamar, a FHC se eles gostavam. Não. Nem por isso discutiam como impedir ou como usar dinheiro público para financiar "órgãos independentes" -aliás, outra ficção desmascarada por Bucci.
Ele mostrou que é possível ser simpatizante ou membro do PT, votar há 500 anos em Lula, ter cargo em Brasília e não ser cooptado por ímpetos autoritários, na base do "somos melhores do que todo mundo" e "os fins justificam os meios". Agora, é esperar.
Será que ele fica? Ou melhor: vão deixar que fique?

elianec@uol.com.br

Procurador-geral não vê uma ligação de Lula com mensalão

Antonio Fernando de Souza não vai incluir presidente na denúncia criminal ao STF

Chefe do Ministério Público minimiza as acusações de Roberto Jefferson e diz que até agora não apareceu a participação do petista

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, reafirmou ontem que não vê indícios de participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no esquema do mensalão e descartou a possibilidade de incluí-lo na investigação que poderá resultar na segunda denúncia criminal ao STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o caso.
Antonio Fernando minimizou a importância das declarações feitas pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson -cassado pela Câmara em 2005- sobre o envolvimento do presidente Lula, dizendo que elas foram feitas "no contexto de rompimento político" dele com o governo federal.
"Até agora, não apareceu a participação dele. Não quero dizer que não possa aparecer. Nós estamos apurando os fatos", declarou o procurador. "Só posso fazer acusações se eu puder apresentar elementos concretos. Se eu não fizer denúncia consistente, o STF não vai recebê-la", acrescentou Antonio Fernando.
O procurador-geral confirmou que jantou recentemente com o presidente Lula, mas disse que foi um encontro informal, marcado por um amigo comum. Afirmou que também estavam presentes os ex-procuradores-gerais da República Claudio Fonteles e Aristides Junqueira e o deputado federal Sigmaringa Seixas (PT-DF).

Duda Mendonça
Uma decisão de ontem do plenário do STF obrigará a Nassau Branch of BankBoston a informar ao tribunal se o publicitário Duda Mendonça e a sua sócia Zilmar Fernandes receberam no exterior dinheiro enviado por meio de conta CC5 da instituição e quem foi responsável pelas remessas.
A pedido de Antonio Fernando, o relator do inquérito, ministro Joaquim Barbosa, tinha determinado a quebra do sigilo da conta CC5, mas a instituição recorreu afirmando que essa medida implicaria a violação do sigilo de centenas de pessoas que usaram essa mesma conta para remeter legalmente dinheiro para o exterior.

Decisão
Em resposta, os ministros do Supremo decidiram ontem que o Nassau deverá informar apenas os registros individuais da movimentação de Duda e Zilmar na conta CC5.
O procurador-geral disse que, se o Supremo Tribunal Federal confirmar o desmembramento do inquérito do mensalão, a sua expectativa é que, dos 40 denunciados, somente Duda e Zilmar sejam processados na primeira instância.
(SILVANA DE FREITAS)

Boa gestão na velha Radiobrás VINICIUS MOTA

SÃO PAULO - Eugênio Bucci enxerga bem -e se refestela na terra de cegos em que se transformou o petismo neste pedaço de tempo perdido entre Lula 1 e 2. Não se acuse de oportunista o presidente da Radiobrás, que entregou o cargo, mas não sabe se vai deixar o posto.
Se ele prega aos quatro ventos contra os arroubos pela "democratização" companheira da mídia, não o faz em nome da recolocação profissional -ou não apenas sob essa motivação. Quem for conferir o que Bucci fez, disse e escreveu ao longo desses quatro anos notará uma coerência admirável. Desde o início, pôs-se em cruzada contra o "chapa-branquismo" e a partidarização da mídia estatal federal.
Na Radiobrás, implantou diversos protocolos de procedimento inspirados nas melhores práticas jornalísticas. Ajudou a arejar, enfim, um rincão embolorado da máquina de comunicação federal. Trata-se de um avanço importante (sujeito a retrocesso em Lula 2). A agenda, porém, é limitada demais.
É triste acompanhar um quadro do nível de Eugênio Bucci a gastar energias comemorando o novo enfoque "cidadão" da "Voz do Brasil" ou defendendo a flexibilização do horário de sua transmissão. São questiúnculas do século passado, quando o sistema público de TV ou definha -caso das TVEs- ou se expande na chatice corporativa -canais do Senado, da Câmara, do Executivo, do Judiciário etc.
Somem-se os recursos mobilizados no sistema Radiobrás e em publicidade estatal socialmente irrelevante e se conclui que patrimônio, profissionais e verbas que poderiam constituir no Brasil uma TV pública moderna, forte e autônoma em relação a governos e partidos estão sendo drenados pela lógica predatória de grupelhos.
Faltam lideranças para combater essa irracionalidade -óbvia para quem, como Bucci, vislumbra o todo e tem como parâmetro o interesse público difuso. Mas, a esgrimir pelo futuro, ele preferiu ser um bom presidente da velha Radiobrás.

gora é Tarso Genro quem ataca a imprensa

Para Tarso, mídia busca tirar interesse popular pela política

Petista diz que, neste ano, veículos de comunicação tentaram criar um falso duelo entre "maus e corruptos" e "bons e técnicos'

Em discurso a movimentos sociais, ministro também afirma que a visão petista de democracia é a "mais avançada" que existe

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) disse ontem que, nas últimas eleições, a mídia nacional buscou "despolitizar" a população com o objetivo "espontâneo" de propor uma disputa entre "maus e corruptos" e "bons e técnicos".
As críticas de Tarso à mídia ocorreram no momento em que discursava a integrantes de movimentos sociais sobre a falta de interesse político das pessoas em todo o mundo.
"No Brasil, durante dois anos do governo do presidente Lula, foi construída matematicamente pela mídia uma rejeição plena das pessoas à esfera da política. Não é um coisa feita somente contra o presidente Lula. É para dizer que os políticos não prestam, que as instituições não prestam e que a corrupção absorve todos os partidos e todas as pessoas."
Passadas as eleições, tornou-se comum dirigentes petistas acusarem a imprensa por um suposto apoio à candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) na disputa contra Lula. Tarso e o presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia, têm repetido essa tese. O ministro voltou a insinuá-la ontem.
"O trabalho informativo [da mídia, durante as eleições] foi feito para desencampar as pessoas da política e abrir espaço para o choque de gestão e abrir espaço, em última análise, para a limpeza técnica, tirando as relações políticas, as crises, as deformações que as pessoas têm e os erros dos partidos políticos em emergência a alguém supostamente limpo, supostamente impoluto para levar o país através da técnica, para levar o país através do choque de gestão ao infinito de felicidade e de bonança."
Ciente da presença de jornalistas no local, Tarso tentou amenizar a colocação. Primeiro, disse que não fazia ali uma "acusação" a jornalistas e veículos em particular. A seguir, porém, afirmou que a atuação da imprensa não é uma "conspiração", mas um "movimento espontâneo para despolitizar" as eleições e transformá-la num duelo entre "corruptos e os maus" e "bons e técnicos".
Após falar sobre a mídia, Tarso voltou ao tema da importância dos movimentos sociais no auxílio ao Executivo. Acerca disso, disse que o modelo de democracia petista é o mais "avançado".
"Nós, do governo federal, e nós, do PT, [não] somos donos da verdade. E não temos desprezo a nenhum partido político democrático. Temos divergências em relação às reformas e às crises e temos uma visão de democracia que é mais avançada, que é a visão que combina a democracia representativa com a participação direta da cidadania para promover decisões públicas cada vez mais democráticas, inteiradas aos interesses da população."

OPOSIÇÃO AJUDOU A FAZER A PIZZA


Estadão

Muito mais cedo do que se supunha, os partidos de oposição - PSDB e PFL - passaram a merecer a imputação que lhes faziam os governistas, de desfraldar uma bandeira moralista e fingir a convicção em princípios éticos arraigados, julgando aí encontrar o caminho da vitória nas urnas. Como isso não ocorreu - nem na eleição presidencial, nem na parlamentar -, parece que a máscara ética cedeu lugar a uma espécie de pragmatismo ou política de resultados, onde ressalta a acomodação e a leniência em relação a tudo o que, antes, lhes escandalizava. O comportamento de seus representantes na parte conclusiva das investigações em curso - no Congresso, no Ministério Público, na Polícia Federal - sobre o dossiê Vedoin, os sanguessugas, os abusos de poder econômico, corrupção, fraudes e crimes suscetíveis de provocar a impugnação de candidatos eleitos revela, para dizer o menos, um langoroso alheamento, ou a disposição de participar da assadura de uma portentosa pizza.
Não se assistiu à reação alguma de tucanos e pefelistas aos depoimentos patéticos, inverossímeis - verdadeiro deboche à inteligência alheia -, dos envolvidos no affaire Vedoin, prestados na CPI dos Sanguessugas. O depoimento do policial federal aposentado Gedimar Passos - que foi preso junto com o petista Valdebran Padilha com R$ 1,75 milhão em reais e dólares, destinados à compra do dossiê supostamente comprometedor dos candidatos tucanos - beirou o surrealismo, ao recusar-se a dizer quem lhe deu o dinheiro - 'já estou com a corda no pescoço e não posso simplesmente puxar a corda' -, apesar de laudo da Polícia Federal ter apontado que foi Hamilton Lacerda, assessor do senador e então candidato a governador Aloizio Mercadante, que lhe levou a dinheirama. Por sua vez, o indigitado Hamilton Lacerda, com todo o pranto esbanjado ao depor, tampouco conseguiu convencer quem quer que fosse que seu único propósito era 'cavar espaço para um furo de reportagem'. A falta de reação oposicionista a essa verdadeira palhaçada faz crer que seus representantes apenas aguardam a hora de se encerrar o cansativo inquérito - do qual não podem mais auferir vantagens político-eleitorais.

Pior ainda foi, no caso da máfia das ambulâncias, a complacência com que, no Conselho de Ética do Senado, tucanos e pefelistas - com a honrosa exceção do senador Demóstenes Torres - desprezaram o consistente relatório do senador Jefferson Peres, apontando a quebra de decoro do senador Ney Suassuna, para apoiar o voto em separado do senador Wellington Salgado, que acabou reduzindo a punição de seu colega peemedebista a simples advertência verbal (quando o criterioso relator pedia cassação de mandato, por falta de decoro). A displicência oposicionista foi tamanha que levou o senador Heráclito Fortes, que chegou atrasado à sessão, a votar no que nem sabia o que fosse - com isso arrancando amenas risadas de seus colegas. Afinal de contas, os pizzaiolos não precisam trabalhar com sisudez...

Também os processos contra os senadores Magno Malta (PR-ES) e Serys Slhessarenko (PT-MT) foram arquivados por orientação dos relatores Demostenes Torres e Paulo Otavio, ambos do PFL.

E o que dizer de os oposicionistas não terem feito sequer um comentário sobre o fato de um deputado eleito do PT, Juvenil Alves, ter sido preso pela Polícia Federal sob a acusação - corroborada pelo Ministério Público - de chefiar uma organização especializada em crimes financeiros, que já deu prejuízo ao Erário de cerca de R$ 1 bilhão? E o que teriam a considerar os tucanos e pefelistas sobre o parágrafo 10º do artigo 14 da Constituição, que reza: 'O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude'? Estarão eles tomando providências - já que ainda não houve a diplomação - para que os que conspurcaram o sistema eleitoral, por meio de práticas abusivas ou fraudulentas, não iniciem um novo mandato, desfrutando a mais doce (e revoltante) impunidade?


quarta-feira, novembro 29, 2006

BRASIL VARONIL Dora Kramer

BRASIL VARONIL
Dora Kramer

A oposição tem se empenhado fortemente para confirmar as acusações que lhe eram feitas pelos governistas, segundo as quais seu furor moral guardava relação com a campanha eleitoral e nada mais.

De dossiê Vedoin, PSDB e PFL não podem mais falar, dado o corpo mole de ambos os partidos na CPI dos Sanguessugas, em franca adesão a uma operação compasso de espera para o fim oficial dos trabalhos.

De máfia das ambulâncias tampouco podem tratar com desenvoltura. Ontem, mansíssimos na reunião do Conselho de Ética do Senado, tucanos e pefelistas - com a única exceção do senador Demóstenes Torres - deixaram de lado o consistente relatório do senador Jefferson Peres, apontando quebra de decoro do senador Ney Suassuna, e aprovaram o voto em separado do senador Wellington Salgado, pedindo uma censura verbal.
Tão serelepe estava a oposição que o senador Heráclito Fortes chegou atrasado, mas deu seu voto 'sim' à censura verbal sem saber o que se passava, por indicação risonha dos companheiros de plenário. Todos acharam muito engraçado o gesto.

De impugnação dos mandatos de deputados eleitos e sobre os quais pesam provas de envolvimento em abuso de poder econômico, corrupção ou fraude - assunto muito ventilado durante a campanha - também não se ouve mais falar.

Nenhuma palavra, nem mesmo sobre o caso do deputado eleito Juvenil Alves, preso pela Polícia Federal sob a acusação, sustentada pelo Ministério Público, de chefiar uma organização criminosa especializada em crimes financeiros. A quadrilha, segundo a PF e os procuradores, deu prejuízo de R$ 1 bilhão ao erário.

O artigo 14 da Constituição reza que os mandatos podem ser impugnados até 15 dias a contar da data da diplomação (ainda não ocorrida), mediante ação junto à Justiça Eleitoral.

Do jeito que a coisa vai, restará comprovada a limitação do ímpeto ético a períodos pré-eleitorais e a situações que envolvam exclusivamente gente do PT ou do baixo clero governista.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN Selic a 10% não é inflacionária?

Ainda que o juro a 10% não impactasse tanto o câmbio, contas correntes positivas não são garantia contra a inflação

MEU AMIGO Paulo Tenani escreveu recentemente um artigo em que defendia a tese de que a Selic a 10% não seria inflacionária. A tese pode até ser verdadeira (torço para que sim; acho que não, pelo menos nas atuais circunstâncias), mas não pelos motivos que Paulo apontou no seu artigo.
São dois os argumentos. O primeiro parte de uma noção de arbitragem entre custos de captação do Brasil no exterior e a taxa Selic, que Paulo chama de "aritmética de convergência dos juros". Como o custo de captação caiu para algo em torno de 6,7%, a Selic poderia cair para níveis inferiores aos atuais sem causar pressão no câmbio.
Esse argumento é verdadeiro, mas ataca o alvo errado. Se o objetivo da política monetária fosse manter a taxa de câmbio num dado patamar, a taxa Selic poderia de fato cair. Isso faria sentido num regime de câmbio administrado, em que a taxa doméstica de juros fosse determinada pela taxa de captação externa mais algum prêmio para compensar a desvalorização esperada e riscos de investimento no mercado doméstico, refletindo um fato conhecido há tempos pelos estudiosos de finanças internacionais: nesse regime, a política monetária deixa de ser autônoma, pois deve sustentar a taxa de câmbio.
Num regime de câmbio flexível, porém, é a moeda quem reage às taxas de juros. A política monetária passa a ter autonomia (não confundir com autonomia do BC) para perseguir objetivos domésticos, tipicamente a taxa de inflação, e o câmbio flutua ao sabor de diferentes variáveis. Buscar, dentro do regime flutuante, a paridade com os custos de captação externa pode até estabilizar o câmbio ao redor de certos níveis (desde que as demais variáveis não mudem muito), mas dificilmente seria compatível com o equilíbrio doméstico, entendido como uma taxa de inflação oscilando ao redor da meta. Mesmo que o câmbio não se depreciasse, ainda poderíamos ter pressões inflacionárias se originando da reação da demanda agregada à queda das taxas de juros.
Claro que Paulo sabe desse constrangimento e seu segundo argumento busca exatamente refutar a noção de que uma queda adicional de juros de 3,75 pontos percentuais causaria excesso de demanda. Segundo ele, isso talvez (e Paulo sublinha o "talvez") ocorresse porque o país -ao contrário do observado em seu passado hiperinflacionário- apresenta superávit em conta corrente, um sinal de demanda agregada abaixo da oferta agregada.
Mesmo deixando de lado o fato de o Brasil ter apresentado superávits (não déficits) em conta corrente em média nos anos imediatamente anteriores ao Plano Real, esse argumento não fecha. Superávit em conta corrente implica demanda doméstica inferior à oferta agregada, mas a demanda agregada engloba também a demanda externa (ou seja, o próprio superávit em conta corrente). Vale dizer: superávit em conta corrente não é o mesmo que uma oferta excedente de 1,6% do PIB.
Paulo sustenta ainda que demanda externa forte se materializa em moeda forte, não em estreitamento do hiato, o que não é necessariamente verdade, pois depende precisamente da política monetária. A esse respeito, sugiro observarmos o que vem ocorrendo com a Argentina, país que enfrenta condições internacionais semelhantes à brasileira, inclusive no que diz respeito à demanda por suas exportações, e que segue política monetária similar à sugerida por Paulo. Lá, o superávit em conta corrente está em 1% do PIB, mas o câmbio nominal não sai do nível de 3 pesos por dólar e o hiato de produto tem se estreitado de tal forma que a inflação, mesmo com controles de preços, está em mais de 10%, enquanto os preços de serviços privados têm subido 18%. O fortalecimento do câmbio real argentino, que é a resposta ao crescimento da demanda externa, vem se dando pela aceleração da inflação, alimentada pela redução do hiato de produto, ou seja, demanda agregada crescendo mais que a oferta agregada.
Resumindo, ainda que a queda da Selic para 10% não causasse grande depreciação do câmbio, superávits em conta corrente não são garantia contra excesso de demanda e aceleração da inflação. Isso não quer dizer que devamos perder a esperança de ver taxas mais baixas no Brasil; apenas que os motivos apontados como razão para que uma queda brusca hoje não causasse inflação não resistem a um exame mais detalhado.

FERNANDO RODRIGUES Publicidade estatal

BRASÍLIA - O caso da publicidade estatal federal para a produtora de TV de um filho do presidente da República reabre um debate nunca enfrentado pelo governo petista.
A pergunta é: o Planalto considera apropriado a administração federal gastar cerca de R$ 1,5 bilhão por ano com publicidade e patrocínios? Trata-se de uma deformidade profunda do capitalismo "à brasileira". Metade dos jornais, rádios e TVs no país iriam à falência no dia seguinte se fosse proibido aceitar propaganda estatal -seja federal, estadual ou municipal.
Fora do governo, o PT era contra esse tipo de despesa. Instalado no Palácio do Planalto, aderiu com gosto à gastança para lustrar a própria imagem. O dirigente petista Valter Pomar fez uma confissão involuntária a respeito numa carta à Folha criticando o jornal (perdão pelo pleonasmo): "Todas as decisões de governo são, por definição, decisões políticas. Isso é particularmente válido quando estamos tratando de publicidade de instituições públicas". No passado, a história era outra.
Em 8 de outubro de 1996, o então deputado federal Luiz Gushiken (PT-SP) enviou um ofício ao Planalto. Em tom crítico, escreveu: "A administração federal irá lançar no fim deste ano uma campanha publicitária cujo objetivo será melhorar a imagem do presidente". Em seguida, pedia o "valor previsto" e o "planejamento de mídia [veículos que receberiam as verbas]".
FHC nunca respondeu. Gushiken virou ministro da propaganda de Lula e imitou FHC.
Há dez anos, Gushiken estava certo. Atazanava o governo para saber detalhes dos gastos publicitários estatais. Hoje, quando alguém tenta fazer o mesmo, logo surgem petistas em posição de sentido dizendo enxergar a elite tentando um golpe contra Lula. Tenham dó.

O imperativo das usinas nucleares Rubens Vaz da Costa

22 de Novembro de 2006

Passadas as eleições impõe-se a necessidade de uma decisão sobre a adoção de um programa de construção de usinas nucleares em nosso País para geração de eletricidade. Em 1970, o governo brasileiro abriu uma concorrência "turn key" para a construção de uma usina nuclear. Foi vencida pela empresa americana Westinghouse. Os trabalhos foram iniciados em 1971 e a geração em 1982. Em 1975, o governo decidiu que o Brasil deveria tornar-se auto-suficiente em tecnologia nuclear e assinou um acordo com a Alemanha para a construção de 8 usinas nucleares de 1300 mWe em 15 anos. A construção das 2 primeiras unidades foi iniciada imediatamente para a instalação do equipamento fornecido pela Siemens-KWU. O equipamento das 6 usinas restantes deveria ser fabricado no Brasil em conformidade com as cláusulas de transferência de tecnologia do Acordo. Angra 2 foi construída e começou a gerar no ano 2000. Angra 3 continua inacabada embora 90% do equipamento tenham sido recebidos.

Após o acidente de Chernobyl em 1986, a maioria dos países abandonou a opção núcleo elétrica e retornou ao uso de outras fontes de energia, basicamente fósseis. Na atualidade, em conseqüência do efeito estufa sobre o clima planetário e aos avanços nas medidas de segurança nos 442 reatores em operação e no desenho de novas unidades, a opção núcleo elétrica voltou a ser preferida por muitos países. Hoje há 28 reatores em construção, 62 planejados e 160 propostos. O consumo de urânio eleva-se este ano a 65 mil toneladas.

Como o Brasil tem vasto potencial hidrelétrico e de outras fontes renováveis de energia, apesar de ser medíocre seu potencial de fontes fósseis (carvão, petróleo e gás) tem uma da reserva de urânio estimada em 143.000 mil toneladas, a quarta do mundo e, alem disso, dominamos a tecnologia do ciclo combustível nuclear. Assim, cabe examinar em profundidade a conveniência de reiniciarmos o programa nuclear com a conclusão de Angra 3 e a construção de outras usinas. Há várias maneiras de avaliar tal conveniência, mas vou considerar apenas a posição do Brasil em relação aos países com o maior potencial hidrelétrico, tendo em vista o argumento de que o país que tem amplos recursos renováveis pode dispensar o uso do átomo para gerar eletricidade. A matriz de energia elétrica brasileira, levantada pela Aneel mostra a seguinte participação dos energéticos: 82% renováveis e 18% não renováveis inclusive os 2% nucleares.

Os nove países dotados do maior potencial hidráulico são: Canadá, Estados Unidos, Brasil, China, Rússia, Noruega, Japão, Índia e França. A Noruega dá exclusividade à geração hidrelétrica, é exportadora de eletricidade e tem o mais alto consumo per capita do mundo, quase o dobro dos Estados Unidos. Na França, o nono potencial hidráulico mundial, a geração nuclear responde por 80% da produção de eletricidade, tendo exportado 80 bilhões de kWh em 2002. Em 2005, a participação da geração nuclear foi 15% no Canadá, 19% nos Estados Unidos, 2%, no Brasil e 29% no Japão. No mundo a geração de eletricidade (em 2003) foi 66% fóssil, 16% hídrica, 16% nuclear e 2% dos demais energéticos.

Dos nove países com maior potencial hidráulico, cinco são do primeiro mundo e os restantes formam o BRIC - Brasil, Rússia, Índia e China – ditos emergentes e candidatos a um lugar no primeiro mundo. A Rússia, Índia e China abraçaram a energia nuclear. Na Rússia, o átomo gera 16% da eletricidade, nos 31 reatores em operação. Tem 3 em construção, 8 planejados e 18 propostos. Na China o átomo gera 2%, em 10 reatores em operação. Tem 5 em construção, 13 planejados e 50 propostos. Na Índia, o átomo gera 15,7% em 16 reatores em operação. Tem 7 em construção, 4 planejados e 20 propostos. No Brasil o átomo gera 2% em 2 reatores em operação e tem um com a construção paralisada.

No Seminário Franco-Brasileiro de geração nuclear recentemente realizado no Recife, técnicos brasileiros e franceses examinaram detidamente a opção nuclear. O Brasil esteve representado pela cúpula do sistema elétrico e das entidades relacionadas com a energia nuclear e das grandes empreiteiras nacionais. Demonstraram competência e revelaram os planos existentes a nível técnico. O problema agora é de natureza política sobre a decisão de retomarmos ou não um programa de geração nuclear. Estão prontos para a partida.

Aos que estranharam a ausência de dados sobre o futuro da energia nuclear nos Estados Unidos, sugiro que visitem a página da Casa Branca (www.whitehouse.gov) e acessem na "State of the Union Address" – a mensagem que o presidente Bush enviou ao Congresso em janeiro. O plano energético apresentado inclui com alta prioridade a energia nuclear. O relatório final do Seminário Franco-Brasileiro contem uma riqueza de informações. Está disponível no site www.apef.com.br


Celso Ming - Dia de Copom



O Estado de S. Paulo
29/11/2006

O risco de alguma surpresa de última hora é mínimo. Na última reunião do Copom da primeira administração Lula, a ser realizada hoje à tarde, os juros básicos (Selic) deverão cair mais meio ponto porcentual, para 13,25% ao ano.

Se isso se confirmar, será um corte acumulado de 6,5 pontos porcentuais desde setembro de 2004, quando começou a atual fase de afrouxamento monetário. Se forem tomados os quatro anos do atual governo Lula, terá sido um total de 12,25 pontos de recuo, uma vez que, em janeiro de 2003, os juros estavam a 25,5% ao ano.

Como a inflação brasileira deverá fechar o ano ao redor dos 3%, juros de 13,25% ao ano apontam para juros reais (descontada a inflação) em torno dos 10%, os mais baixos desde 2002.

Apesar disso, convém não tirar o pé do chão firme. Esses juros básicos de 13,25% ao ano continuam muito elevados. Entre os países emergentes, só perdem para os vigentes na Turquia, hoje nos 19,50% ao ano.

Em conseqüência dessa enormidade, as críticas contra 'os juros escorchantes' vão continuar por um bom tempo. Apesar disso, a tendência continua sendo de queda porque o único critério que o Banco Central utiliza para definir o tamanho dos juros é a meta de inflação. E a inflação não só está enquadrada com folga dentro da meta, como enfrenta outros fatores que a empurram para baixo, provavelmente com mais força do que os juros.

O primeiro desses fatores é o dólar barato. Não fosse a agressiva atuação do Banco Central na ponta de compra, a cotação do dólar em reais estaria ainda mais baixa. O outro é o aumento da participação das importações no suprimento do consumo interno, elemento que precisa de mais análise.

Há alguns anos, produto importado no Brasil quase sempre era sinônimo de mercadoria mais cara. Agora acontece o contrário. O dólar bem mais barato e, mais do que isso, os preços em dólares das mercadorias importadas da Ásia substancialmente mais baixos estão aumentando a competição no mercado interno e, assim, obrigando indústria e comércio a conterem os preços. Em princípio, essa situação deve persistir aqui e no mundo.

O que poderia perturbar esse equilíbrio seria a eventual necessidade que os bancos centrais dos países ricos teriam de aumentar os juros de maneira a combater a inflação. Ainda ontem, Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos), partilhou com o público suas preocupações com uma inflação mais alta do que a que pode admitir.

Ele observou que o núcleo da inflação americana continua alto demais, o que poderia sugerir necessidade de reforço nos juros. (Apenas para os iniciantes, o núcleo é a inflação expurgada dos preços dos alimentos e da energia, que, em princípio, não reagem ao mecanismo dos juros.) O mercado financeiro suspeita de que movimento equivalente possa ser feito pelo Banco Central Europeu.

No entanto, mesmo que haja novo aumento dos juros externos, é improvável que reduzisse significativamente a atual abundância de recursos externos a ponto de provocar uma reviravolta nas cotações do dólar aqui no Brasil e, nessas condições, de aumentar a inflação, que, por sua vez, pudesse exigir nova carga dos juros.

De todo modo, já não dá para sustentar que o crescimento econômico esteja emperrado apenas (ou principalmente) por causa desses juros. O PIB já avançou mais do que está avançando quando o preço do dinheiro estava bem mais alto do que esse aí. Durante muito tempo, os juros serviram como bode expiatório de tudo quanto de ruim havia na economia. Hoje, já não se repete a chamada TPC (tensão pré-Copom) de há alguns meses. E é o presidente Lula quem está advertindo que há bloqueios mais importantes a remover.

Dora Kramer - Corrida de fundo




O Estado de S. Paulo
29/11/2006

Quanto mais o PT fala na possibilidade de abrir mão da presidência da Câmara, mais firme parece ser o projeto do partido de eleger o presidente da Câmara. O que os petistas não querem agora é repetir o açodamento e a prepotência que por duas vezes - na eleição e depois na sucessão de Severino Cavalcanti - tiraram deles a chance de reassumir o posto conquistado em 2003 e que esperavam manter por todo o período de Luiz Inácio da Silva na Presidência da República.

O projeto, o partido já chegou à conclusão, não requer força nem estridência, mas jeito e muita malemolência. O próprio líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia, candidato assumido à presidência, deu uma freada na campanha e tem sido mais discreto depois que recebeu um recado do Planalto de que deveria ir mais devagar com a louça ou, então, deixar a liderança para se dedicar só à campanha.

Outros postulantes, estes não assumidos, como Walter Pinheiro e José Eduardo Cardozo, também se mantêm algo recolhidos, trabalhando na construção da unidade da bancada - a idéia é apresentar só um candidato - e da quebra de resistências na oposição, principalmente no PFL.

A imagem usada internamente é que se trata de uma corrida de fundo, ao molde das maratonas, e não das disputas rápidas de 100 metros. Observam com cuidado os movimentos do presidente Lula, para eles ainda um tanto obscuros, mas já suficientes para lhes dar a percepção de que, em ambiente de confusão e divisão, Lula baterá mesmo o martelo em favor da reeleição de Aldo Rebelo.

A despeito das aparências, a reeleição de Rebelo não seria o cenário mais desejável, embora seja o mais confortável para o governo neste momento de intensas e tensas disputas por espaço na montagem do jogo para o segundo mandato.

Há obstáculos sérios a serem enfrentados. O primeiro, a condição legal do atual presidente para se apresentar a um novo período. No dia 7 de dezembro o Supremo Tribunal Federal vai julgar uma ação de inconstitucionalidade da cláusula de desempenho eleitoral e, se decidir pela legalidade da norma, Rebelo não teria como exercer funções legislativas, pois seu partido, o PC do B, não atingiu nacionalmente a votação mínima exigida.

O segundo, a determinação do PT, hoje bastante disfarçada por uma estudada prudência, e a ambição do PMDB. Este tem quase assegurada a reeleição de Renan Calheiros na presidência do Senado e não vai pôr isso em risco por causa de um posto para o qual só pode eleger uma pessoa quando, abrindo caminho para o PT, pode obter ministérios onde abriga muito mais gente.

Se a Justiça barrar a reeleição de Aldo Rebelo, as coisas se precipitam. Se não, o banho-maria será mantido até a virada de 2007, para quando, então, está previsto o movimento decisivo de agradecimentos a ele pelos grandes serviços prestados à causa num momento difícil e o anúncio de que chegou a hora de o PT reconquistar, com o aval de Lula, o lugar de onde considera nunca deveria ter saído.

Brasil varonil

A oposição tem se empenhado fortemente para confirmar as acusações que lhe eram feitas pelos governistas, segundo as quais seu furor moral guardava relação com a campanha eleitoral e nada mais.

De dossiê Vedoin, PSDB e PFL não podem mais falar, dado o corpo mole de ambos os partidos na CPI dos Sanguessugas, em franca adesão a uma operação compasso de espera para o fim oficial dos trabalhos.

De máfia das ambulâncias tampouco podem tratar com desenvoltura. Ontem, mansíssimos na reunião do Conselho de Ética do Senado, tucanos e pefelistas - com a única exceção do senador Demóstenes Torres - deixaram de lado o consistente relatório do senador Jefferson Peres, apontando quebra de decoro do senador Ney Suassuna, e aprovaram o voto em separado do senador Wellington Salgado, pedindo uma censura verbal.

Tão serelepe estava a oposição que o senador Heráclito Fortes chegou atrasado, mas deu seu voto 'sim' à censura verbal sem saber o que se passava, por indicação risonha dos companheiros de plenário. Todos acharam muito engraçado o gesto.

De impugnação dos mandatos de deputados eleitos e sobre os quais pesam provas de envolvimento em abuso de poder econômico, corrupção ou fraude - assunto muito ventilado durante a campanha - também não se ouve mais falar.

Nenhuma palavra, nem mesmo sobre o caso do deputado eleito Juvenil Alves, preso pela Polícia Federal sob a acusação, sustentada pelo Ministério Público, de chefiar uma organização criminosa especializada em crimes financeiros. A quadrilha, segundo a PF e os procuradores, deu prejuízo de R$ 1 bilhão ao erário.

O artigo 14 da Constituição reza que os mandatos podem ser impugnados até 15 dias a contar da data da diplomação (ainda não ocorrida), mediante ação junto à Justiça Eleitoral.

Do jeito que a coisa vai, restará comprovada a limitação do ímpeto ético a períodos pré-eleitorais e a situações que envolvam exclusivamente gente do PT ou do baixo clero governista.

Miriam Leitão Forno de pizza

Jack Abramoff, o lobista que esteve no centro de um momentoso escândalo político em Washington, começou a cumprir pena de cinco anos e dez meses de prisão. Ele ainda responde a outros processos por fraude, evasão fiscal e tentativa de suborno de funcionários públicos, mesmo tendo cooperado com a Justiça na elucidação de uma rede de crimes.

Nesses novos casos, pelos quais ainda está sendo julgado, ele pode ser condenado a penas maiores, de até dez anos, mas terá sorte se a Justiça acatar o pedido de que cumpra a pena menor por ter cooperado. O caso Abramoff, que envolve diversos ilícitos, inclusive financiamento ilegal de campanha, tem sido considerado emblemático e um dos responsáveis pela derrota republicana nas últimas eleições.

Ao todo, oito pessoas foram condenadas ou consideradas culpadas no seu esquema de corrupção, incluindo aí o ex-deputado republicado por Ohio Robert Ney e dois assessores de Abramoff. Outro indiciado foi o ex-líder do governo na Câmara, o ex-deputado republicano por Texas, Tom DeLay. O conselheiro político do presidente George Bush, Karl Rove, disse em entrevistas que calcula que, das 28 cadeiras perdidas por republicanos, dez foram perdidas por envolvimento em escândalos e seis outros foram derrotados por não reagirem rapidamente a esta questão, quando ela surgiu na campanha.

O Brasil se distancia de países em que há corrupção não pelas denúncias registradas, mas porque não há punição. Houve um tempo em que o Brasil se diferenciava do mundo pela taxa de inflação. O mundo inteiro com taxas baixas e o Brasil com aqueles percentuais extravagantes.

Ainda se diferencia do mundo nos juros, mas eles estão declinando, e chegará o momento em que, na economia, o Brasil será como qualquer país. Mas o que está subindo aqui, em direção contrária à de outros países, é a taxa de cinismo dos envolvidos em denúncias de corrupção.

É o que pensa o deputado Raul Jungmann, vice-presidente da CPI dos Sanguessugas.

A CPI, que trabalhou tão bem, pode ser encerrada antes que tenha chegado a qualquer esclarecimento sobre seu caso mais espantoso: o da descoberta de um grupo de funcionários graduados do escritório de campanha envolvidos com a compra de um dossiê contra o partido adversário.

— Pelo regimento do Senado, não pode haver prorrogação do funcionamento para o período do recesso; pelo regimento da Câmara, pode. Como é uma comissão mista, quem vai decidir é a mesa do Senado — diz Jungmann.

Na semana passada, alguns dos envolvidos no caso do dossiê foram depor e só desconversaram. Jorge Lorenzetti, que montou a equipe de “inteligência” com quem foi apanhado o dinheiro, disse na CPI que tinha proibido qualquer transação em dinheiro. Valdebran Padilha afirmou que só estava ali por amizade. Osvaldo Bargas disse que estava envolvido nisso apenas para assegurar que os documentos fossem entregues à Justiça. A propósito, ele foi recrutado para ir para o escritório de campanha para fazer o programa do partido na área trabalhista, mas estava trabalhando na tal “inteligência”.

Expedito Veloso, ex-diretor do Banco do Brasil, disse na CPI que só estava lá para atestar, como especialista bancário, que tudo estava sendo feito corretamente.

Todas as desculpas têm uma característica comum: partem do pressuposto de que a CPI e o distinto público são idiotas. Sobre o dinheiro, ninguém tem nada a dizer.

Ontem, Gedimar Passos, que na semana passada alegou doença para não comparecer, ficou na cômoda posição de não esclarecer a origem do dinheiro. Desde o começo da apuração, diz que recebeu o dinheiro num estacionamento de um tal André, que ele nunca tinha visto, nem sabe quem é. Terá sido certamente a única pessoa no mundo que recebe R$ 1,7 milhão de uma pessoa que não conhece, num estacionamento.

Hamilton Lacerda, que chegou ao hotel com a mala, tem dito que ela continha apenas recibos de campanha e que — coincidência! — justamente naquele dia estava lá no hotel para entregar os recibos.

Não é só no Brasil que acontecem casos de corrupção, mas certamente é só aqui que os envolvidos de forma tão inegável combinam uma versão tão inverossímil e a repetem diante de uma comissão do Congresso.

Ontem, mais um exemplo eloqüente da pizza: mais três absolvições no Conselho de Ética.

Tudo o que a CPI já sabe é que está diante de uma rede de crimes: — A ordem de “siga o dinheiro” nos levou a uma rede sofistica e pulverizada de contribuintes, o que torna difícil o rastreamento. O dinheiro veio de várias fontes: corretoras, jogo do bicho.

Está claro que o esquema era paulista, mas nacional ao mesmo tempo. Fica claro que há uma organização criminosa — afirma Jungmann.

O deputado explica que atualmente, inexplicavelmente, tanto o PT quanto o PSDB contribuem para que a comissão não tenha quórum.

— Ficamos Gabeira, Heloísa Helena e eu tentando esclarecer os fatos — diz.

Conta também outro absurdo: até hoje, a Polícia Federal não enviou à CPI as cópias das fitas de vídeo da segurança do hotel Ibis, que poderia trazer informações preciosas para desvendar os fatos.

Por muito menos, no Peru, caiu o governo Fujimori; eminência parda do governo, Vladimir Montesinos foi preso, além de outras 120 pessoas, depois que uma fita em que Montesinos pagava a um deputado para entrar na base do governo foi divulgada. Aqui, fatos estarrecedores são simplesmente esquecidos; envolvidos dão versões inaceitáveis diante do Congresso brasileiro; e a opinião pública é tratada com desrespeito.

O nó de marinheiro do Brasil Roberto DaMatta



Artigo -
O Globo
29/11/2006

Ao fazer um discurso de vencedor, na primeira reunião do PT para o público externo, no sábado, dia 25, o presidente Lula disse aos companheiros que era preciso desfazer o "nó de marinheiro" que tinham dado no desenvolvimento do Brasil.

Discursos de presidente são sempre informativos, mas, deste presidente, são reveladores. Reveladores porque quase sempre ultrapassam a notificação trivial, a má notícia recorrente e a desculpa esfarrapada, e mostram o fio desencapado dos subtextos que levam diretamente ao inconsciente. Aos fantasmas presos na alma ou alojados no coração. Outro dia, por exemplo, Lula falou que o seu governo havia sido "pego de calça curta" pelos transtornos do setor agrícola.

Agora ele apresenta ao seu partido o pacote-purgativo de um governo de coalizão, algo que para os petistas ortodoxos soa certamente como um machadiano "ao vencedor, as batatas!" ou, o que dá no mesmo mas é mais direto, ser "pego com as calças arriadas", algo coerente com a segunda etapa da autocrítica contida no estar vestindo calças curtas, mas que ninguém gosta de ouvir. Coalizão que dói tanto no partido que os ministros mais ciosos do poder já a qualificam de "coalizão programática", uma contradição em termos tão gritante quanto "morto-vivo" ou, com as honrosas e devidas exceções que lamentavelmente confirmam a regra, "honestidade e sinceridade política"...

Como um autêntico tucano, Lula ficou naquele fio de navalha que separa a admoestação do pôr o PT no seu devido lugar, depois da "encalacrada que nós saímos"; do tal "governo de coalizão" que, para um partido de radicais que não ia errar ou roubar, soa como um incompatível prêmio de consolação. Sobretudo para o PT avesso à flexibilidade obrigatória de um mercado globalizado e formado pelo vezo ideológico ancorado na certeza de uma missão histórica irretocável. E por isso mesmo incompatível com a divisão do poder com anti ou não companheiros, sobretudo os do PMDB como um todo - o partido das raposas velhas e dos notórios indiciados numa ciranda de crimes contra as instituições públicas.

Se o discurso tem um lado moderno, dito democrático (nós precisamos ser cobrados, a oposição é formalmente básica etc.), altruísta (vamos governar com todas as correntes de boa-fé etc.), ele tem também o claro ar de purgatório, quando diz com quase todas as letras que é preciso pagar pela ambição do poder a longo prazo, realizando um duro, embora saltitante, exercício de tardia autocrítica.

Estou certo de que esse discurso ficará como um texto decisivo na história do PT e, por extensão, da vida política brasileira. Digo isso porque ele exprime vivamente o "nó de marinheiro" que vivemos quando consolidamos com eleições impecáveis um conjunto de cargos executivos chaves, inclusive o mais decisivo de todos - o de presidente da República -, mas, paralelamente, reacendemos a chama do poder pessoal como o ponto decisivo da dinâmica política nacional. Ou seja, quando um Lula triunfante pode repreender e dizer com todas as letras aos seus companheiros de PT que ele é mesmo maior do que o PT e que o povo perdoou o partido por sua causa, motivado pela sua história de vida e pelo seu carisma, desfazem-se todos os sonhos utópicos de ter no Brasil partidos ideológicos, porque imunes de personalismos, populismos ou lulismos ligados à máscara dos seus líderes.

"Nem tanto ao mar nem tanto à terra", diria um velho marinheiro conhecedor dos nós que têm amarrado o Brasil.

Depois de décadas lutando arregimentadamente contra a ditadura militar que governava com pessoas, mas institucionalmente, chegamos ao nó de marinheiro. Ao ponto no qual temos que redesenhar os partidos políticos, tirando deles as certezas das ingenuidades ideológicas para que possam atuar melhor junto não apenas do "povo", mas de "eleitores" que são tão vítimas da desordem social causada pela falta de coragem de nada decidir ou mudar quanto os "pobres" o são da fome e da miséria. Para tanto, é preciso reavaliar o peso das pessoas dentro de partidos e - sejamos acacianos - dos partidos com seus programas e valores, dentro das pessoas.

Neste sentido, o "nó de marinheiro" que teriam dado no Brasil é uma metáfora reveladora do trabalho que temos pela frente. No governo, o de experimentar dividir autenticamente o poder. Ou seja: administrar os bens públicos sem cair no ideologismo exclusivista e paralisante ou sucumbir ao discurso oportunista dos oprimidos de ocasião. Na oposição, trata-se de aprender a distinguir estratégia eleitoral legítima e fiscalização daquilo que é de interesse do Brasil, da doença juvenil da adesão para sobreviver com lucros.

E para governo e oposição resta a imensa, a real e urgente tarefa de exercer o poder sem cair no pragmatismo oportunista e amoral. Pois ao contrário dos que pensam que entendem de política em regimes democráticos, o chamado "poder" está tanto no governo quanto na oposição que, no liberalismo, conta tanto quanto o comando ao qual ela, divergindo com convicção e transparência, legitima e consagra.

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