Assim como o PT não se conforma com uma empresa de informação estatal, pública, mas não partidária, também não aceita que a mídia, gerida por empresas privadas, não lhe faça as vontades. Os procedimentos vigentes no jornalismo durante o governo Lula, nos seus aspectos virtuosos, não se distinguem daqueles adotados durante o governo FHC. O que há de novo — aí, sim — é a existência de veículos regiamente pagos para fazer as vontades do poder, para vocalizar os seus interesses, a sua visão de mundo. Lula inventou a imprensa do protesto a favor. Sempre a favor do governo.
A impressão de que pode haver mais dureza decorre do fato de que nunca se assistiu a tamanha escalada de escândalos. O apparatchik petista — na academia, na imprensa, nas ONGs — costuma dizer que isso é mentira. Conversa mole: o PT sempre buscou confundir, durante os oito anos do governo FHC, divergência ideológica com ilegalidade. Especializou-se, quando na oposição, em fazer denúncias vazias. E não aceita que o jornalismo revele as suas falcatruas. Em que consistiria o oposicionismo da mídia? Na denúncia do caso Waldomiro Diniz, do mensalão, da cartilha fantasma, dos sanguessugas, da República de Ribeirão Preto, do aparelhamento do Estado, do dossiê fajuto, da compra de uma imprensa áulica? É a isso que chamam “golpismo”, “oposicionismo sistemático”, “preconceito”?
Mais constrangedor é constatar o silêncio das oposições até agora. Em vez de a escalada contra a imprensa livre merecer palavras de protesto, o que vemos são salamaleques dirigidos ao lulismo, como se estivéssemos mesmo diante de um pacificador. Reparem: não passa dia sem que uma autoridade do governo se dedique à tarefa de criminalizar a opinião dos que não rezam segundo a cartilha do “petistamente correto”. Objetivamente, a quem favorece o silêncio?
Há um textinho famoso sobre o nazismo, que merece ser lembrado. Nove entre dez citadores o atribuem a autor indevido: Maiakovski, Bertolt Brecht ou o brasileiro Eduardo Alves da Costa (que escreveu, com efeito, coisa bem parecida):
“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”
Seu autor é o teólogo protestante alemão Martin Niemöller (1892-1984). Ele teve uma trajetória curiosa. Chegou a flertar com o nazismo nos primeiros tempos. Quando, vamos dizer, já havia ficado claro quem era Hitler e o que queria, ainda ambicionou incutir-lhe um tanto de sensatez. Até que percebeu do que se tratava e migrou para a oposição aberta. Foi processado em 1938 e enviado para o campo de concentração de Dachau, onde permanece até o fim da guerra. Correto estava o Niemöller do texto acima, não o que sonhou com as mãos estendidas para o ditador facinoroso.
Certos setores da oposição estão fazendo de conta que a escalada petista contra a imprensa é notícia de uma guerra particular. Não é, não. Trata-se de mais uma batalha do PT contra as liberdades democráticas; trata-se de mais uma iniciativa para fazer com que o autoritarismo brote no seio da própria democracia, como já está se tornando comum no continente.
Os oposicionistas deveriam levar em conta a história de Niemöller. Enquanto ainda há quem se arrisque a reclamar...