Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 12, 2006

Roberto Pompeu de Toledo Lendo os números ao contrário



VEJA


Se há 300 picaretas no Congresso, isso quer
dizer que há 294 honestos. Um assombro!

Oitenta por cento dos israelenses apóiam a guerra no Líbano. É uma lástima que parcela tão grande da população endosse uma ação que, no mínimo, iguala Israel, em termos morais, aos fanáticos islâmicos que o querem destruir. Mas se 80% apóiam é porque 20% desaprovam, ou fazem restrições, ou estão em dúvida – e eis então uma razoável parcela de gente que se recusa a achar graça no espetáculo de morticínio e destruição encenado pelo Exército de seu país. Saudemos os 20% de pessoas conscientes de que o pior mal que Israel está fazendo é a si próprio, jogando seu prestígio no mundo ao nível mais baixo, ao mesmo tempo em que se lança numa aventura bélica tão sem saída quanto a dos patronos americanos no Iraque.

Ler os números ao contrário é um bom exercício para acreditar que nem tudo está perdido. Setenta e dois parlamentares foram denunciados na semana passada pelo relator da CPI dos Sanguessugas como implicados no escândalo. É um espanto: o número equivale a 12% dos 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores) que constituem o Congresso Nacional. Mas, se 12% estão implicados, isso significa que 88% não estão – um espanto ainda maior para os padrões de comportamento com que o Congresso Nacional nos acostumou. A ficar por aqui, temos um Congresso em que as pessoas honradas superam em muito as desonradas.

O.k., não é certo ficar por aqui. Aos 72 sanguessugas devem se acrescentar os treze deputados denunciados pelo procurador-geral da República no escândalo do mensalão. Temos então 85 parlamentares envolvidos nos dois mais vistosos escândalos recentes. Para sermos precisos, desse total devemos subtrair um, pois um deputado, Pedro Henry, é ao mesmo tempo mensaleiro e sanguessuga. Temos então um total de 84 – 14% do Congresso. O espanto cresce. Mas, se os congressistas são 594, temos que 510 não estão envolvidos nesses escândalos. Quinhentos e dez parlamentares honestos?! No Brasil?! Nem dá para acreditar.

Não é mesmo para acreditar. Os implicados listados, tanto no caso dos sanguessugas quanto no dos mensaleiros, são aqueles contra os quais as evidências são incontestáveis. A própria CPI dos Sanguessugas trabalhou até a véspera do relatório com um total de noventa envolvidos. Acresce que por enquanto só foi investigado o caso das ambulâncias. Há ainda o dos ônibus com que se dariam aulas itinerantes de computação e que também teriam sido vendidos a preços superfaturados, para financiar a propina de parlamentares. Digamos que os sanguessugas sejam o dobro dos 72 apontados pelo relator – 144. No caso do mensalão, tantas foram as pressões sofridas pela CPI correspondente que dá para afirmar com segurança que o total de treze denunciados ficou barato. Foram investigados chefes partidários que pegavam o grosso do dinheiro, mas não os membros das bancadas entre os quais o dinheiro era distribuído. Digamos, numa estimativa conservadora, que os mensaleiros sejam três vezes mais do que os treze denunciados – 39. Somados esses 39 aos 144 presumíveis sanguessugas, temos 183 congressistas implicados nos dois escândalos. O espanto continua a crescer – 30% do Congresso! Mas, se esse porcentual for lido ao contrário, resulta que 70% do Congresso é inocente nos dois escândalos – espanto no mínimo igual.

Ainda não dá para acreditar? Não dá mesmo. Os escândalos do mensalão e dos sanguessugas não são tudo, na rica atividade que se desenvolve nos subterrâneos do Poder Legislativo nacional. Há notórios trambiqueiros, inclusive em altas posições nas duas Casas, não envolvidos em nenhum dos dois escândalos. Há até gente acusada de utilização de trabalho escravo. Pulemos dos 183 para 300, num chute alto, mas verossímil, para abranger a massa dos que, mesmo sem ser mensaleiros nem sanguessugas, ainda assim têm alguma culpa no cartório. Com isso chegamos ao total em que um dia o homem que hoje ocupa a Presidência estimou o número de picaretas no Congresso Nacional. Ainda assim, sobram 294 que não são picaretas. Quase a metade! E isso no Brasil! Nem tudo está perdido. Dá até para esperar que essa metade, hoje paralisada pelo desânimo, pela omissão ou pela pusilanimidade, um dia venha a se impor à outra.

Caso extremo de contaminação de uma casa legislativa é o de Rondônia. Vinte e três dos 24 deputados da Assembléia local estão implicados nas falcatruas descobertas pela Operação Dominó da Polícia Federal, além de autoridades do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público. É um espanto. Mas espanto maior é ter sobrado um, entre os 24 – um solitário baluarte da honestidade. Dá para imaginar os colegas aos cochichos, nas costas dele, para que não ouvisse suas negociações. Ou interrompendo as conversas quando ele irrompia no recinto. E ele firme, uma ilha no mar de lama. Provavelmente o chamavam de babaquara. E comentavam, com desdém: "Ele pensa que é Jesus Cristo". Neri Firigolo é o seu nome. Um deputado que não roubou, numa Assembléia em que todos os outros roubavam. E isso no Brasil! Um assombro.

Arquivo do blog