Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 02, 2006

O Brasil e o Gás Natural da Bolívia




Artigo - José A. Altahyde Hage
Gazeta Mercantil
2/5/2006

A diplomacia brasileira pode por em teste de fogo o empresariado nacional neste delicado momento em que o governo boliviano, de Evo Morales, decide mostrar os instrumentos, reais ou não, de um país que quer fazer valer a figura da soberania e do poder político. Sabemos que a Petrobras está na linha de frente daqueles que podem sofrer os maiores agravos por causa das medidas de nacionalização dos hidrocarbonetos, conforme se opera pelo governo de La Paz.

Mas não é somente a estatal brasileira que pode passar infortúnios em virtude das decisões bolivianas, boa parte do empresariado nacional também pode ter dificuldades não somente para se superar um possível racionamento de gás natural, mas também para suportar os altos custos financeiros que as medias nacionalistas podem acarretar a esse grupo socioeconômico brasileiro. Não podemos nos esquecer que houve incentivos para que consumidores e empresários revertessem instrumentos e máquinas para o funcionamento a gás natural.

Não cabe a nós fazer julgamento político a respeito das intenções do governo Morales para demonstrar "amor próprio" perante o maior país latino-americano, que tem investido intensamente na construção de importante infra-estrutura que também serve à Bolívia. País que, dentre outras coisas, é pobre em grandes obras de refinação e escoamento de produção petrolífera, por isso a urgência de se trabalhar em conjunto com os empreendimentos do Brasil.

O papel representado por La Paz, neste momento, condiz com o esforço de se tentar tirar o Estado boliviano de uma tradicional letargia provocada por fissões sociais e culturais centenárias. Vale dizer, o atual governo não quer perder a rara oportunidade de se fazer algo em benefício da base social que contribuiu, em grande parte, para botá-lo no Palácio Quemada. Aqui há, simbolicamente, a idéia de que a população nativa da Bolívia, da terra, está no poder.

No entanto, o Itamaraty, bem como o governo propriamente dito, não pode observar tais manifestações política e ideológica da Bolívia como se houvesse culpa ou resignação nossa pela sorte histórica do povo boliviano - como se o Brasil tivesse responsabilidade pela crise do vizinho. Aliás, o sentimento do governo Morales a respeito da "rapinagem" da Petrobras, como braço operacional do Estado brasileiro, nos lembra o mesmo papel que atribuímos às grandes empresas energéticas anglo-americanas, quando estas procuram explorar nossos recursos.

Na verdade, o que o governo Morales demonstra, ainda que em escala modesta, é uma característica real dos países que têm nos recursos energéticos seu maior trunfo ou vulnerabilidade. A Bolívia quer demonstrar tal atitude de reparar seu poder político porque vende o produto estratégico; os Estados Unidos o demonstram também, em maior escala, porque importa hidrocarbonetos. Dependente que é dos carburantes, Washington não vacila quando o tema é segurança energética.

Mas e o Brasil? Brasília não pode encarar tal assunto com veleidades de virtude ou romantismo, sempre apegado a seu plano estratégico de inserção internacional via integração física, o que o leva a suportar certos melindres dos vizinhos em nome de algo maior, a unidade sul-americana. Contudo, é necessário ampla investigação das questões prementes, e do plano diplomático de forma geral, para saber se vale mesmo a pena para a economia brasileira o ensaio de interdependência que o Brasil aceita, considerando os custos que tais medidas adotadas podem trazer para o investimento nacional, do próprio empresariado brasileiro na economia do Brasil. Fazemos questão de deixar isto claro, embora possa ser redundante.

É fato que assim como os países ganham com o aumento do intercâmbio econômico, exportando, importando, superando provincianismos, os processos de integração são o coroamento dessas ações ao apontar para uma inserção internacional mais madura. E por isso mesmo o Brasil não deve se esquecer de importante aviso que já fora dado por Afonso Arinos de Mello Franco: o ato de se integrar regionalmente subentende, em princípio, que há o apego e o respeito à afirmação nacional dos países, e não ao contrário.

Arquivo do blog