editorial da folha
O Estado de São Paulo viveu um fim de semana que, guardadas as devidas proporções, fez lembrar o conflagrado Iraque. Policiais civis e militares, carcereiros e até bombeiros tornaram-se alvos genéricos na onda de selvageria sem precedentes patrocinada pelo chamado "Primeiro Comando da Capital". Dezenas de presídios e até unidades da Febem se rebelaram, edifícios públicos foram atacados com todo tipo de armamento, e ônibus, incendiados.
Deflagrou a série de ações homicidas a transferência de 765 detentos ligados ao comando criminoso para o presídio de Presidente Venceslau (no oeste paulista), ordenado pelo governo do Estado na quinta-feira passada. Diante de uma demonstração de força tão eloqüente do grupo de bandidos -quando está exposto o sofrimento de familiares e amigos de servidores assassinados a esmo, quando vestir uma farda, que seja a de bombeiro, é tornar-se alvo em potencial-, o medo se generaliza e os paradigmas racionais e legalistas que sustentam nossa civilização se ofuscam. Isso interessa ao crime.
Interessa à organização criminosa dos presídios paulistas a difusão da idéia de que possui "poder político". Atua apenas em seu interesse incutir nas autoridades e na opinião pública, como se um dado da natureza fosse, que decisões do Estado devem ser contrapostas ao potencial de reação do consórcio delinqüente.
A decisão de transferir condenados para o presídio do interior paulista foi o ato de um governo que tem legitimidade, oriunda das urnas e da lei, para assim agir. Isso basta, pois do outro lado está um grupo homicida e ilegal. Entre um (o Estado) e outro (a agremiação de bandidos) não pode haver diálogo "político"; é obrigação do primeiro reprimir o segundo.
Quando a própria noção de poder público e de Estado de Direito está sendo violentamente atacada, é de esperar que as autoridades se unam para defender com força esses bens comuns. Mas não. "Na hora em que você não investe em escola, vai ter de investir em cadeia", foi a reação demagógica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a atentados e rebeliões em São Paulo. Simplificações de palanque também partiram de tucanos -mais de uma década à frente do Executivo paulista-, ao atacarem o governo federal por não liberar verbas para o combate ao crime.
A população está calejada. Não acredita mais, se é que algum dia acreditou, em verborragia eleitoreira sobre segurança pública. O Brasil necessita reformar sua política de Estado -e não de governos ou partidos isolados- contra o crime organizado, que viceja onde impera a desarticulação entre instâncias institucionais, federativas e burocráticas.
Um dos principais objetivos a perseguir no desmantelamento de organizações criminosas é o controle da informação. Apesar de operar como rede -na qual os comandos podem partir de múltiplas localidades e percorrer diversos itinerários-, a quadrilha organizada que promove a onda de assassinatos de agentes públicos em São Paulo depende de centros territoriais conhecidos: os presídios.
Controlar as comunicações nesses centros de detenção é a tarefa estratégica das autoridades, tarefa que parece trivial, mas não é. Esbarra na falta de infra-estrutura para silenciar celulares nos presídios; na resistência de advogados a monitoramento mais rígido; na desarticulação entre instâncias policiais e da burocracia estadual; no desconcerto entre Justiça, Ministério Público e polícia sobre a necessidade de manter em regime de exceção os detentos mais perigosos; nas brechas da legislação que facilitam a vida dos líderes de facções; na ausência de presídios federais de segurança máxima que possam acomodar -e silenciar- lideranças.
Mas desfazer os nós que dificultam o controle total da informação nos presídios ficou em segundo plano diante da necessidade imediata de debelar a crise em São Paulo. Apoiar com ênfase os servidores da segurança pública que estão na linha de frente da batalha e dar todo o conforto possível às famílias das vítimas desses ataques covardes é a ação mais importante agora. Transmitir confiança e serenidade à população -como tem feito, apesar de iniciante no cargo, o governador Cláudio Lembo- é atitude sensata. Faria bem o Congresso se iniciasse o debate acerca do endurecimento de penas para homicídios de agentes da lei.
Entrevista:O Estado inteligente
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