O Globo |
17/5/2006 |
Com a aparência de uma medida eficaz de emergência para solucionar a grave crise de segurança pública do país, explicitada pelos impensáveis dias de terror que vive São Paulo, o Congresso está a ponto de aprovar mais uma vinculação de verbas orçamentárias. Estará sendo dado, na verdade, um passo atrás em uma discussão que se travava dentro do governo, mais especificamente na equipe econômica, sobre a real eficácia dessas vinculações. Mais uma vez os políticos estarão fazendo a mímica da solução, deixando o verdadeiro problema para trás. A Constituição de 1988 fixou os percentuais mínimos de impostos para a educação em 18% do orçamento para a União e em 25% para os estados, o Distrito Federal e os municípios. Algumas constituições estaduais ampliaram o percentual mínimo para 30% (Piauí, São Paulo) ou 35% (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul). Na saúde, aos estados cabe aplicar 12% da receita própria e 15% dessa receita aos municípios. A União deve investir o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do PIB. Esse tema delicado, especialmente num governo que se gaba de sua política de assistência social, otimizar os gastos do governo, especialmente as despesas sociais, vem sendo tratado com cuidado por setores do governo mais preocupados com a melhoria da gestão pública. Há a convicção de que, do modo como são feitas no país, as vinculações inviabilizam a atuação do governo, que tem um orçamento limitado pela necessidade de fechar as contas públicas com um superávit primário mínimo de 4,25% do PIB. A queixa é de que não há mecanismos para acompanhar a aplicação dessas verbas, nem a eficiência com que são utilizadas. O ex-secretário do Tesouro, Joaquim Levy, costumava dizer que a vinculação das verbas é inconsistente pois, não havendo um acompanhamento, aquela verba passa a ser "um direito divino". Levy reclamava que nunca foi criado "um real mecanismo de controle" sobre como a verba é gasta, e tinha como objetivo controlar essas despesas de caráter continuado, especialmente para garantir que o dinheiro tenha sido bem gasto. Com relação à Saúde, por exemplo, falta há anos uma Lei Complementar, que deveria ser revista a cada cinco anos, exatamente para calibrar a verba com as necessidades. A discussão que se desenvolvia dentro do governo sobre a desvinculação das verbas orçamentárias na verdade era uma discussão sobre a organização do Estado, suas instituições e políticas fiscais, com o objetivo de dar maior agilidade à política econômica. Mas a discussão vinha gerando uma reação crescente, de setores sociais que têm verbas garantidas constitucionalmente, e provavelmente já não é mais hoje uma prioridade nem mesmo da equipe econômica. Se for aprovada mais uma vinculação de verbas, desta vez para a segurança pública, ficará cada vez mais longe a possibilidade de experimentarmos um sistema de gestão semelhante ao que está sendo cada vez mais utilizado pelos países desenvolvidos, que determinam metas a serem atingidas pelos gestores públicos. A idéia de transformar a contabilidade pública em tão transparente quanto a de uma empresa privada, visa a busca da qualidade do serviço público. O presidente da Bolsa de Valores de São Paulo, Raymundo Magliano, que está preparando um trabalho sobre o choque de gestão que está sendo dado em países como a Austrália e a Nova Zelândia, diz que é preciso convencer os políticos de que, acabando com o desperdício, haverá mais verba no orçamento para os programas sociais. A experiência de gestão do estado nos moldes de uma empresa privada é nova entre nós, mas é uma tendência crescente nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a entidade que reúne os países desenvolvidos. Austrália e Nova Zelândia foram os pioneiros, no final da década de 80, e a nossa Lei de Responsabilidade Fiscal foi baseada em suas experiências. Uma pesquisa com base no banco de dados de práticas e procedimentos de orçamento do Banco Mundial/OCDE de 2003, em 28 dos 30 países membros, concluiu que a grande maioria inclui dados de desempenho não-financeiros em seus orçamentos. E o desempenho é continuamente monitorado no ministério competente. Num sistema assim, o que seria discutido no orçamento seriam os objetivos do Estado na saúde, na educação, na segurança pública, e a partir daí seriam alocados os recursos necessários para atingir as metas acordadas com a sociedade. Evidentemente nem sempre as metas numéricas atingidas significam que o problema tenha sido resolvido, como bem demonstra o caso de São Paulo. O ex-governador Geraldo Alckmin, candidato à Presidência pelo PSDB montado em uma série de estatísticas que mostram sucesso no combate ao crime no Estado, acaba de ver rolar por terra o seu melhor argumento na campanha eleitoral. Se é verdade que ele conseguiu reduzir em 43% no Estado, e em 52% na capital, o número de homicídios entre 1999 e 2005, os dias de terror que a capital de São Paulo está vivendo revelam que a feia e violenta realidade do crime organizado transformou as estatísticas oficiais em uma numeralha sem nenhuma significação. Mas também é evidente que simplesmente garantir uma verba para alguns setores, sem acompanhar a execução dos programas nem exigir que sejam atingidos os objetivos compatíveis com as necessidades da sociedade, é facilitar o desperdício e favorecer o corporativismo. É o que o Congresso fará se simplesmente aprovar a vinculação de verbas para a segurança pública. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, maio 17, 2006
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