Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 13, 2006

Eis Itamar, exemplar Mauro Chaves

OESP


Nós éramos uns chatos - e não sabíamos. Criticávamos um chefe de Estado e de governo por sua simplicidade, por seu temperamento às vezes irritadiço ou tempestuoso, por seu excesso de ligação à sua velha cidade e a seus velhos amigos, no que víamos um certo provincianismo. Achávamos que ele não estava preparado para ser presidente da República - imagine! - por ser um assumido monoglota, por não ter um discurso muito articulado e comer um pouco as palavras (como a maioria dos mineiros). Cometemos a maior das injustiças ao azucriná-lo por algo em relação ao que ele não tinha a menor culpa: teria ele olhar de raio-X, como o Super-Homem, para descobrir e barrar quem fosse visitá-lo sem calcinha no camarote presidencial do Sambódromo? Pois é, como que por castigo, hoje temos de agüentar um poder de governo que tem como símbolo mais emblemático os dólares na cueca.

Na verdade, a simplicidade de atitudes, a não-ostentação, a ausência de apego desmedido ao poder, a falta de deslumbramento em relação aos palácios dos quais se tornou temporário inquilino, o não lambuzar-se no melado do poder, o escrúpulo em relação ao dinheiro público, que o levou a sempre pagar a própria comida - qualidades essas, antes poucos valorizadas, do ex-presidente Itamar Franco -, deveriam hoje servir de modelo a todos os governantes do País. Mais importante do que isso, no entanto, é o fato de jamais terem surgido suspeitas de participação de Itamar em esquemas de corrupção, caixa 2, tráfico de influência, cambalachos, maracutaias e falcatruas de nenhuma espécies. Dele não passaram nem perto as quadrilhas, os integrantes da administração de currículo magro e prontuário gordo. Ele soube escolher seus auxiliares com o discernimento que norteia qualquer administrador que disponha de um mínimo de lucidez - e, por isso, jamais permitiu entregar o patrimônio coletivo à sanha esfomeada de uma cambada de ladrões.

Melhor do que qualquer outro administrador público surgido nestes tristes trópicos, Itamar Franco soube exigir a aparência de honestidade da mulher de César. Ante as denúncias lançadas contra seu ministro-chefe da Casa Civil, o fraterno amigo Henrique Hargreaves, não hesitou em demiti-lo - nem em readmiti-lo depois, quando inocentado.

Certa madrugada (às 2h30) chamou seu ministro da Fazenda, Eliseu Resende, e lhe disse: "Eliseu, você sabe da estima que eu lhe tenho, mas, no momento em que o Senado começa a discutir se você pagou ou não sua conta em Nova York, não há como você continuar como ministro da Fazenda, porque sempre vai perdurar uma coisa menor, mas que é maior para quem é ministro da Fazenda. Então, por favor, eu não posso continuar com você." E o exonerou na hora.

Num momento em que o meio político-administrativo brasileiro (com as parcas exceções de praxe) se tornou o hábitat preferencial dos piores rebotalhos morais de nossa sociedade, o retorno de Itamar Franco à cena política não deixa de representar um certo refrigério ético espargido sobre a Nação. Por outro lado, consciente das próprias limitações, desprovido de pretensões messiânicas, sem nenhum traço da hoje tão nossa conhecida "arrogância da ignorância" - até porque o engenheiro detém mais conhecimentos do que demonstra -, Itamar é um político não versado em disfarces, encenações e outros recursos próprios da pura demagogia. Pode até pensar errado, mas, se o faz, é com autenticidade, deixando o maneirismo apenas por conta da logomarca de seu famoso topete capilar.

Itamar foi um presidente de postura simples, mas altaneira. Jamais se permitiu a bajulações ideológicas, muito menos se tornou subserviente a outros chefes de Estado e de governo capazes de, escalando a própria pequenez, impor humilhantes genuflexões à antes respeitada diplomacia brasileira. Neste sentido, sua República do pão de queijo tinha aparente suavidade, mas a necessária consistência para não cair na fantasia pretensiosa da hegemonia sul-americana nem no ridículo alinhamento terceiro-mundista. A maior prova de que sabia administrar seus colaboradores é que o mesmo que foi seu eficiente chanceler (o coitado do Celso Amorim), hoje, sob outra administração, chancela a política externa mais desastrada (e humilhada) que o País já teve em toda a sua História.

Atualmente, contrariando as expectativas de muitos que já o consideravam carta fora do baralho, político caboclo, o ex-presidente tem-se revelado extremamente lúcido, vigoroso, bem informado, atualizado em relação aos problemas do Brasil e do mundo. Também tem lançado luzes e reconduzido à "realidade dos fatos" alguns temas - econômicos, políticos, energéticos (como o dos catinguentos gases bolivi-bolivarianos) - que já bem conhecia em seu tempo de governo.

Por tudo isso é que na concenção extraordinária nacional do PMDB (partido que ajudou a fundar), que se realiza hoje, em Brasília, Itamar Franco pretende lançar-se candidato a presidente da República - cargo que deixou com um dos mais altos índices de popularidade já havidos no País. Não se trata, aqui, de discutir a viabilidade, mas, sim, a legitimidade dessa candidatura. Juntando-se ao grupo que defende a candidatura própria peemedebista, Itamar adere ao mais defensável argumento, visto que uma grande organização partidária, ao negar sua possibilidade de gerar um candidato à Presidência, passará recibo da própria incompetência política, além de exibir, de forma nítida e ampliada, o crachá de incorrigível fisiológico e eterno coadjuvante do poder - algo especialmente melancólico em se tratando do partido que comandou a redemocratização do Brasil.

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