EDITORIAL |
O Globo |
16/5/2006 |
Já se comparou com Bagdá e guerra civil. De fato, a sucessão de ataques de bandidos a policiais por todo São Paulo e a deflagração coordenada de rebeliões em presídios, estendidas a estados vizinhos, marcam uma escalada na ação do crime organizado para um estágio nunca visto. O assassinato indiscriminado de policiais, o ataque a delegacias e a um fórum judicial, a queima de ônibus na Grande São Paulo e atentados contra agências bancárias, como os verificados na noite de domingo e madrugada de segunda, têm características típicas de ações terroristas destinadas a causar pânico na população e amedrontar as autoridades. Nem bairros nobres como Higienópolis, na capital paulista, estiveram a salvo de ataques. Até um saguão do aeroporto de Congonhas teve de ser isolado por causa de ameaças de bomba. Os bandidos conseguiram: São Paulo viveu ontem um dia de pânico. O resultado dessa onda de violência, deflagrada por uma organização de bandidos a partir da noite de sexta-feira, reflete a mudança de escala do problema da segurança: até o fim da tarde de ontem, haviam sido 180 ataques e o número de mortos chegava a 81, a maioria de policiais. Na nova fase da operação terrorista, a queima de ônibus, tinham sido destruídos mais de 50 coletivos. Pouco mais cedo, ainda estavam rebelados 45 presídios — excluindo os de Mato Grosso do Sul e Paraná — onde padeciam mais de 200 reféns. Por tudo isso, o assunto tem ganhado destaque merecido na imprensa internacional. Não é a primeira vez que criminosos dão demonstrações de poder e ousadia, conquistados durante anos a fio de incompetência e desvios policiais, de inadequação de leis e ritos do Poder Judiciário a um quadro de extrema gravidade de avanço do banditismo, e de falta de percepção das autoridades, e políticos em geral, da imperiosa necessidade de haver um programa amplo e articulado para o restabelecimento do monopólio da violência pelo Estado. Em escala menor que os acontecimentos de São Paulo, o Rio já teve prédios públicos alvejados, viveu situações de pânico capazes de alterar a vida de toda a cidade. O surto de terror coincide com um ano eleitoral. Porém, se de um lado a crise garante que a segurança terá de ser afinal discutida com a importância devida por candidatos à Presidência da República, de outro permite que o assunto seja explorado com fins meramente eleitoreiros. Era dispensável o comentário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tentativa de responsabilizar o PSDB pela sucessão de ataques e rebeliões, assim como foi erro crasso do governador de São Paulo, Cláudio Lembo, rejeitar o oferecimento de ajuda do governo federal movido pelas mesmas razões menores ligadas ao calendário político. Lembo repetiu a equivocada postura do governo fluminense, refratário a aproximações maiores com Brasília no combate ao crime por causa dos projetos político-eleitorais do grupo que controla o Palácio Guanabara. A vítima desse tipo de reação a fatos graves como os em curso em São Paulo é, como sempre, a população. Os executivos federal, estaduais e municipais devem entender a crise vivida por São Paulo como um alerta para o efetivo entendimento entre Brasília, os grandes estados e os municípios mais populosos para a execução de um programa compartilhado de segurança pública. Na campanha eleitoral de 2002, o PT apresentou uma proposta de política de segurança com essa característica, aplaudida por todos. Vitorioso o partido nas urnas, pensava-se que enfim o Estado brasileiro recuperaria o tempo perdido na luta contra uma criminalidade cada vez mais articulada dentro e fora do país. Engano. Além das conhecidas resistências de alguns governadores, o próprio Palácio do Planalto, num maquiavelismo de quinta categoria, achou por bem se manter distante do tema para preservar o presidente dos incontáveis dissabores que a área de segurança faz cair sobre os administradores públicos. Mas se eles não forem enfrentados, a situação só se agravará. E sem a coordenação ativa do governo federal, o poder público como um todo não conseguirá conter o avanço desse banditismo transfronteiras. A culpa pelas trágicas ocorrências em São Paulo e estados vizinhos, e, de maneira geral, pela crise na segurança pública em todo o país, tem de ser compartilhada. Um dos focos do problema está no sistema penitenciário, de onde, em São Paulo, como no Rio, chefes de quadrilhas continuam a comandar o crime. Sintomaticamente, o terrorismo foi deflagrado em São Paulo detrás das grades, por causa da transferência de alguns desses líderes para um presídio de segurança máxima. Esses desmandos em cadeias e presídios têm causas múltiplas, da corrupção policial a falhas na legislação penal. Até mesmo a OAB, por resistir a que os advogados de alguma forma sejam impedidos de funcionar como pombos-correios de bandidos, sem atropelos da Constituição, contribui para a conversão de penitenciárias em QGs do banditismo. Não são mais aceitáveis reações como a de Lula e Lembo. Como não se pode mais ser complacente com a omissão diante dessa crise, seja no Executivo, no Judiciário, seja no Congresso. Se o governo federal ainda não conseguiu entregar os imprescindíveis presídios de segurança máxima como prometeu, que trate de fazê-lo o quanto antes; a Justiça, por sua vez, precisa descer definitivamente |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, maio 16, 2006
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