Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 02, 2005

Mailson da Nóbrega Projeto nacional e política industrial

O ESTADO DE S PAULO

É comum ouvir-se que o Brasil não tem um projeto nacional. Reclamou-se tanto da ausência de uma política industrial que o governo Lula criou uma, sem resultados palpáveis (como seria de esperar).

Estou consciente de que questionar as duas idéias é ser considerado como de "corte liberal", "neoliberal", "defensor do Estado mínimo", "contra o planejamento" e coisas que tais. Não me incomodam os dois primeiros epítetos, mas acho que os outros dois são pura bobagem.

No passado, política industrial significou escolha de "vencedores" pela burocracia, privilégios para poucos e incentivos equivocados. Os que agora a defendem juram que demandam políticas ativas de Estado que são adotadas até pelos países ricos. Pode até ser, mas o diabo está nos detalhes.

Questionar essas idéias não é ser a favor do "Estado mínimo" nem contra planejamento e definir estratégias. As nações ricas mapeiam as tendências para construir cenários, detectar ameaças e identificar oportunidades. Nós temos que fazer o mesmo. Essas iniciativas podem ser intituladas de "projeto nacional", mas aqui a expressão costuma significar o planejamento de estratégias para o dirigismo estatal da economia, um resquício do ideário nacional-desenvolvimentista.

A Inglaterra e os EUA, as duas potências mundiais surgidas do sistema capitalista, não precisaram desse "projeto nacional". Certamente estabeleceram estratégias, mas seu êxito derivou de outros fatores, particularmente as instituições e adequados investimentos em educação, ciência e tecnologia. Nos tempos de guerra, o Estado orientou a produção, como foi o caso das metas estabelecidas pelo governo Roosevelt para produzir aviões, tanques, navios e armas. Passado o conflito, a economia voltou à normalidade. No Brasil, o êxito do agronegócio não dependeu de uma "política agrícola". Ao Estado coube o papel de promover pesquisas via Embrapa, abrir a economia, assegurar a estabilidade macroeconômica e remover incentivos equivocados, como era o caso do crédito rural generalizadamente subsidiado.

Ninguém pode negar a importância do Estado no desenvolvimento. Nos estágios iniciais, ele pode promover o crescimento, como na Alemanha e na França no século 19. Foi de certa forma, com distintos resultados, o que aconteceu na América Latina e na Ásia. Nos EUA, o Estado foi fundamental para vencer a Grande Depressão, cujas características exigiam tratamento temporariamente distinto dos previstos nos manuais de economia.

Nas economias orientadas pelo mercado, como tende a ser o Brasil, cabem ao Estado inúmeras funções. A lista é grande e pode começar com o provimento de segurança jurídica por intermédio de um Judiciário eficaz e previsível. E prossegue com atividades como as de defesa e segurança.

No campo econômico e social, inclui a regulação de serviços públicos, a defesa da concorrência, a educação básica, a pesquisa, o amparo à arte e à cultura, redes de proteção social, negociações internacionais de comércio e assim por diante. Isso posto, uma economia orientada pelo mercado pressupõe a existência de um Estado forte, eficaz e previsível, não para liderar o desenvolvimento, mas para suprir as condições para que este seja liderado pela sociedade e pelo empreendedor privado.

As economias orientadas pelo mercado não dispensam o planejamento. Por exemplo, é preciso planejar as necessidades de energia, os rumos dos serviços de transporte e de telecomunicações, a ocupação do solo urbano, a defesa dos interesses comerciais nos foros internacionais, etc. O que não cabe mais é o "projeto nacional" e as "políticas industriais" dos tempos dos Planos Nacionais de Desenvolvimento. O Estado precisa de rumos e de estratégias. O Brasil necessita de líderes políticos para promover avanços institucionais que criem incentivos para a ação de cada agente e não a subordinação de todos às prioridades do Estado. Isso poderia ser denominado "projeto nacional".

Uma boa "política industrial" seria reduzir o incrível prazo de 150 dias para criar uma empresa. Ou mobilizar a sociedade contra os grupos de interesse que se opõem a reformas fiscais capazes de viabilizar um sistema tributário decente. Ou lutar contra a anacrônica legislação trabalhista. Em resumo, reduzir o "custo Brasil".

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