Saíram da linha de tiro, não correm o risco de perder os direitos políticos, daqui mais um ano e pouco podem estar de volta e, nesse meio tempo, são tratados com a reverência dedicada aos justos. E aqui vamos logo deixando claro que o tratamento fidalgo dedicado a eles não é prerrogativa do governo, porque a oposição, se pudesse e chance tivesse, teria dedicado aos dois os mesmos rapapés concedidos pelo Planalto em busca dos votos do PP e do PL na eleição para a presidência da Câmara.
A desfaçatez, no caso, não tem lado, é mera questão de oportunidade.
Depois de freqüentar o noticiário como autor de ato comprovado de extorsão, o ex-presidente da Câmara mal tinha completado uma semana da renúncia quando voltou às páginas na condição de cabo eleitoral qualificado.
"Ganhamos", comemorou, compartilhando a vitória de Aldo Rebelo com os convidados de solenidade oficial no Palácio do Planalto presidida por dois chefes de Estado, Luiz Inácio da Silva e Hugo Chávez. Estava exausto da labuta do dia anterior. "Fiz um trabalho insano telefonando para todos os deputados, uns 40 votos eu tenho certeza de que mudei a favor do Aldo", informava, revelando-se decisivo e incisivo:
"Eles têm de reconhecer. Agora, se forem ingratos..."
Ou seja, tem poder de fogo a pessoa. E se com essa desenvoltura transita, é porque lhe deram tal prerrogativa. Bem aproveitada, diga-se, pois aos anfitriões ainda sapecou o constrangimento de prever a gestão de Aldo Rebelo como uma "continuidade" da dele. Para usar termo empregado pelo presidente Lula em recente momento de amabilidade gramatical, poder-se-ia dizer que as regras são essas e Severino não infringiu nenhuma delas. Não está, por ter renunciado, impedido de transitar em palácio, de fazer política e de exercer o poder de influência dentro do próprio partido.
Da mesma forma, poder-se-ia dizer que Costa Neto como presidente do PL tem todo o direito de freqüentar o gabinete presidencial e com ele estabelecer tratativas de natureza política. Isso no que diz respeito à ótica do mundo onde perversão, cinismo e esperteza não raro se confundem.
Agora, no tocante aos procedimentos aceitos pela gente normal que aprendeu em casa que compostura não tira pedaço e amor-próprio protege do vexame, francamente, a naturalidade com que Severino Cavalcanti e Valdemar Costa Neto foram reabsorvidos à cena política e na prática absolvidos do delito de receber dinheiro indevido é de boquiabrir.
Dá às pessoas a exata noção dos motivos pelos quais a regra é feita (pelos políticos) para que a renúncia não seja uma punição, mas uma instância de garantia da impunidade falsamente apresentada como castigo.
Dias atrás um leitor, Felipe Camasmie, mandou um e-mail protestando contra a prática da renúncia premiada, fazendo uma comparação: "É como se eu pegasse um funcionário meu roubando e, antes que eu o mandasse embora por justa causa e o processasse, ele pedisse demissão para depois de um tempo voltar a me pedir emprego como se nada tivesse acontecido."
Felipe Camasmie pergunta: "Será que não é hora de a imprensa questionar essa prerrogativa da renúncia com direitos políticos assegurados?"
É sim, aliás, já está passando da hora.
Mercado futuro
Para convencer o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a adiar por pelo menos mais dois anos a retomada da nem bem iniciada carreira política, o presidente Luiz Inácio da Silva deve estar bem seguro da reeleição. Meirelles abriu mão de seu primeiro mandato a deputado federal, conquistado em 2002, para assumir o BC e agora iria se candidatar a senador, governador ou deputado de novo. Deixando passar a vez no ano que vem, a próxima oportunidade é em 2008, quando só estarão disponíveis vagas de prefeito e vereador.
Seqüelas
O presidente do Senado, Renan Calheiros, terminou não recolhendo os esperados dividendos de seu empenho pela eleição de Aldo Rebelo na Câmara.
Aprofundou arestas com a ala oposicionista de seu partido, o PMDB, e criou, senão inimigos, pelo menos sérios candidatos a adversários, dentro do Palácio do Planalto.
Ali há quem interprete que o senador imiscuiu-se excessivamente nas tarefas da articulação política com ar de quem chegou para revolver um problema fora do alcance das habilidades dos assessores presidenciais e, no fim, não entregou os votos prometidos. Mas a declaração de Calheiros na sexta-feira – "não sou empregado do governo" –, em resposta às cobranças, indica planos de reação. Como presidente do Senado ele tem poder. E numa Casa onde a oposição dá o tom, a gama de possibilidades é ampla.
Convém prestar atenção, por exemplo, a votações de vetos presidenciais.