O extenso período em que a política federal brasileira está mergulhada em crise às vezes contribui para que quem a acompanha de perto perca de vista a dimensão da degradação que ela provocou. Agora mesmo ouvem-se comentários dando conta de que o governo conseguiu reabilitar-se politicamente ao ter emplacado o comunista Aldo Rebelo na presidência da Câmara. Mas registrem-se os dados básicos do contexto em que tal vitória se dá.
Ao abrir a caixa de Pandora da fisiologia para fazer de seu eleito o eleito da Casa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não contribuiu para melhorar a decadente imagem de seu governo, principalmente nos aspectos éticos. Uma idéia da predisposição com que o público assistiu a esse triste espetáculo da eleição da Câmara pode ser obtida relembrando que mais de oito em cada dez brasileiros, segundo pesquisa do Datafolha de 10 de agosto, acreditavam na existência de corrupção no governo Lula. A participação festiva da bancada de usuários do "valerioduto" na eleição de Rebelo tampouco parece contribuir para a reversão dessa tendência.
A estranheza que emana do contraste entre a filiação partidária de Rebelo e os atributos de personalidade política que lhe são conferidos não passou despercebida de um blog (diário da internet) americano: "Que país é esse em que um candidato comunista é a voz da moderação?". O PC do B do presidente da Câmara nasceu de uma dissidência do PCB que não reconheceu as críticas ao stalinismo feitas por Nikita Kruschev em 1956. Já em franca guinada rumo à "moderação", Rebelo dizia, há dez anos: "Nunca fomos stalinistas".
Outro sinal dos tempos de rebaixamento de expectativas por que passa o Brasil é o presidente da Câmara ser guindado à categoria quase de um estadista com sua modesta performance como deputado e como integrante do próprio governo Lula. O alagoano que se elegeu por São Paulo quis proibir os estrangeirismos na língua portuguesa; criar, em 31 de agosto, o Dia do Saci; e instituir a obrigatoriedade da adição de fécula de mandioca na massa de pães.
No governo, Rebelo foi sistematicamente sabotado, como ministro responsável pela articulação política, pelo PT, que tomava as dores de José Dirceu -que na quarta-feira comemorou bastante a vitória de seu antigo concorrente. No rol de reveses que colecionou, Aldo Rebelo "coordenou" uma das mais vexatórias derrotas já sofridas por uma candidatura governista à presidência da Câmara, justamente a que permitiu a ascensão de Severino Cavalcanti.
Tomem-se as alianças que permitiram a ascensão do novo presidente lulista da Câmara. Contou com o efusivo apoio de José Janene, cujo assessor de gabinete foi um dos campeões de saques no "valerioduto", R$ 4,1 milhões. Janene é líder do PP, o aliado fiel do Planalto fundado por Paulo Maluf, antigamente odiado pelo PT. O PL de Valdemar da Costa Neto, que renunciou para não ter o mandato cassado, também esteve com Aldo. Sem falar do próprio PT de tantos visitadores da agência do Banco Rural na capital federal.
Que o governo comemore uma vitória política após quatro meses de derrotas, compreende-se. Mas não se podem perder de vista a dimensão severina desse triunfo e os problemas que ele ainda pode acarretar no futuro bem próximo ao Planalto.
Entrevista:O Estado inteligente
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