FOLHA DE S PAULO
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira foi puxado para o centro do escândalo do "mensalão" após ter sido acusado pelo deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ) de participar do esquema de caixa dois do partido. O golpe final em Silvio foi a confirmação de que recebera um carro no valor de R$ 73,5 mil de um empresário amigo seu que tinha contratos com a Petrobras.
Dois meses depois de ter se desfiliado do PT, Silvio admite que sabia do esquema de recursos de campanha não-contabilizados e afirma que todos os 21 membros da Executiva Nacional do partido também tinham conhecimento do caixa dois.
"Eu assumo a minha responsabilidade política. A minha responsabilidade não é diferente da de nenhum outro dos 21 membros da Executiva Nacional do PT. O nível de decisão que eu tinha não era diferente do de nenhum dos 21 membros da Executiva Nacional do PT", afirmou ele à Folha, por telefone, no começo da noite de sexta-feira.
A reportagem o procurou devido à investigação da Receita Federal sobre pessoas físicas e jurídicas relacionadas ao escândalo do "mensalão". Ao ser informado de que o fisco não havia encontrado nenhuma irregularidade aparente em suas contas, Silvio disse: "Isso que você está me falando foi a melhor notícia que eu ouvi até hoje desde o começo dessa crise".
A conversa se estendeu, então, sobre vários assuntos, como evolução patrimonial, a Land Rover que ganhou do empresário César Roberto Oliveira (da GDK), acordos do PT com outras legendas, financiamento de campanha, caixa dois e o tratamento que ele e o ex-tesoureiro Delúbio Soares tiveram dentro do partido após a eclosão da crise.
Executiva Nacional
Silvio não quis citar nomes, mas disse que muitas pessoas no PT sabiam do esquema de caixa dois. "Eu assumo a responsabilidade como membro da direção do PT, em que pese a direção do PT ter realmente a noção do que estava acontecendo. Ninguém é hipócrita de achar que não sabia que existia caixa dois. Qual membro da direção do PT não sabia disso?", perguntou.
Ao ser questionado se o ex-presidente do partido José Genoino também tinha conhecimento dos recursos de campanha não contabilizados, Silvio respondeu com outra indagação: "Eu pergunto: qual o membro da alta direção do PT que não poderia supor que pudesse existir [o caixa dois]?"
Ele poupou, no entanto, o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Não quero falar do Dirceu, na medida em que ele não estava na direção do partido", afirmou. Disse que Lula acompanha apenas os assuntos políticos do governo, sem se envolver nas questões partidárias.
Novos nomes
Entre os integrantes da Executiva, na formação anterior à crise, há nomes de expressão do PT até agora não relacionados diretamente ao esquema do caixa dois, como a ex-prefeita Marta Suplicy, o ex-secretário de Comunicação do partido Marcelo Sereno -ligado a Dirceu-, o líder do PT no Senado, Delcídio Amaral (MS) -que preside a CPI dos Correios. O deputado Paulo Rocha (PA), apontado como beneficiário de R$ 920 mil do caixa dois operado pelo empresário Marcos Valério de Souza, também fazia parte da Executiva como líder na Câmara.
Mantendo a política de não mencionar nomes, Silvio deu a entender que dirigentes partidários nos 27 Estados, se não sabiam do caixa dois, pelo menos desconfiavam.
Silvio disse que o custo das campanhas municipais nas grandes cidades, nas eleições do ano passado, era muito alto. Afirmou não ter informações precisas para assegurar se parte desses gastos era bancada ou não com o caixa dois. "Não descarto, mas eu não tenho informações suficientes para fazer qualquer afirmação."
Disse, então, que Delúbio falava a verdade ao explicar que os dirigentes do partido não procuravam saber como exatamente o tesoureiro levantava recursos de campanha não contabilizados. "A direção definia as prioridades: nós vamos investir nesse projeto, projeto A, projeto B, projeto C. Vamos fazer isso ou aquilo. Agora, como captar esse recurso, de onde vinha, como vinha, como se fazia, aí ninguém, ninguém, ninguém, exceto o gerente, tinha essas informações", afirmou.
"Agora, uma coisa era verdade, 27 Estados bateram à porta do Delúbio. Por que os Estados não assumem isso, pô? Todo mundo pegava no pé do Delúbio para arrumar recursos, todo mundo, todo mundo. Agora ele está lá, sozinho. As pessoas não perguntavam: bom, de onde vem esse dinheiro?", completou Silvio.
"Por que não perguntavam, por que não perguntavam? Na época do sacrifício, todo mundo batia à porta dele, todo mundo. Agora ele virou o grande... Sei lá."
O acordo com o PTB
Silvio confirmou que havia um acordo com o PTB, nas eleições municipais do ano passado, pelo qual o partido receberia recursos de caixa dois do PT para pagamento de dívidas de campanha. Roberto Jefferson disse que o acerto seria de R$ 20 milhões, mas que o PT só teria honrado R$ 4 milhões. Silvio disse não saber o valor exato.
O ex-secretário do PT contou que esse acordo com o PTB começou por causa da candidatura à reeleição à Prefeitura de São Paulo de Marta Suplicy. Disse que Marta estava ficando isolada, pois partidos da base aliada, como o próprio PTB e o PL, diziam que iriam apoiar o tucano José Serra.
"O custo político para trazer o PTB e o PL para a campanha da Marta foi alto. O partido cabeça de chapa [PT] tem que arcar com todos os custos", disse.
Nessa época, Silvio comandava o GTE (Grupo de Trabalhos Eleitorais), do qual faziam parte dez outros integrantes da Executiva Nacional. Ele mencionou os seguintes nomes: "Valter Pomar [terceiro-vice-presidente da Executiva], Romênio Pereira [segundo-vice-presidente], Francisco Campos [secretário de Mobilização], Joaquim Soriano [secretário de Formação Política], Marcelo Sereno [secretário de Comunicação] e Paulo Ferreira [secretário de Assuntos Internacionais]".
A Folha questionou se todos eles sabiam do esquema de caixa dois. "Olha só a história: a idéia de caixa dois em campanhas eleitorais, o senso comum, quem, de senso comum, iria dizer que não sabia disso? Pelo amor de Deus!"
Silvio se sente injustiçado com tudo o que ocorreu com ele na crise do "mensalão". Disse que não conhecia Roberto Jefferson, que não operava o caixa dois e que, devido ao episódio da Land Rover, não pôde nem sequer explicar ao PT que sua evolução patrimonial sempre foi condizente com sua renda, que nunca embolsou dinheiro de campanha não-contabilizado.
"Ele não devia ter feito isso comigo, o Roberto Jefferson. Ele sabe que eu nunca operei financeiramente, que eu nunca operei para caixa dois", afirmou.
O empresário César Oliveira, que o presenteou com a Land Rover, é proprietário da GDK, companhia que, no ano passado, venceu a licitação de US$ 90 milhões para a reforma da plataforma P-34 da Petrobras. Silvio foi acusado de tráfico de influência na companhia petrolífera estatal para beneficiar a GDK.
"O carro me detonou. A partir daquele momento eu não pude mais fazer a defesa do meu patrimônio, ficou uma coisa para as pessoas... Eu não fiz nenhum tipo de tráfico de influência. Que alguém se apresente e confirme, que diga, que prove, que dê algum indício disso", afirmou.
"Você acha que eu tinha influência, sendo apenas do PT, para influenciar contratos com a Petrobras? Todo mundo sabe que não", completou.
Apesar de tudo, Silvio diz que não guarda mágoas do PT e que não acha ter sido escolhido como bode expiatório. "Não acho que fui bode, não. Minha situação se deve às circunstâncias. Eu me autoprejudiquei com a história do carro. Minha mágoa é comigo mesmo."
Ele prometeu à mãe que, quando ficar comprovada sua inocência, vai se filiar novamente ao partido, "nem que seja por um dia". "A desfiliação do PT é um buraco na minha vida."
Entrevista:O Estado inteligente
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