Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 01, 2005

DORA KRAMER Casa de ferreiro

O ESTADO DE S PAULO

dkramer@estadao.com.br

Políticos são os primeiros a contrariar, na prática, o discurso sobre reforma política Vamos ver se deu para entender: o vice-presidente da República, José Alencar, deixou o PL porque o partido resolveu ir para a oposição; ato contínuo entrou no PMR para garantir legenda no caso de resolver disputar a Presidência da República, pois no PMDB ouviu dizer que o presidente do Senado pretende integrar, como vice, a chapa de Luiz Inácio da Silva à reeleição.

Não faz sentido.

Se Alencar saiu do PL pelo motivo alegado, significa que continua politicamente aliado ao presidente da República, não pretende lhe fazer oposição, atitude conflitante com a expectativa de vir a se opor a ele na eleição de 2006. Além disso, seu antigo partido passou 15 minutos na oposição e voltou para a situação.

Ou bem Alencar tem informações de que Lula não será candidato a um novo mandato ou o PMR servirá como sublegenda da candidatura oficial para impedir a dispersão dos aliados, ou a história não está contada direito.

Aliás, nada está direito nessa história de trocas de partidos em que, diga-se, José Alencar não é o único agir em contradição ao edificante discurso em prol da reforma política, da fidelidade partidária e do fortalecimento dos partidos.

Os movimentos dos políticos nesta reta final do prazo para filiações dos candidatos às eleições do próximo ano dão consistência de palavrório oco à tese da urgência da mudança nas leis como resposta mais adequada à sociedade no que tange à correção das deformações que originaram a presente crise.

Voltemos ao PMR para exemplificar, porque é um caso em nuances, embora o mesmo ocorra com diversos partidos e políticos cuja atenção se prende apenas a projetos eleitorais.

Nascida como subproduto do PL, de quem tomou emprestado inclusive o estatuto, a nova legenda do vice-presidente exibe a ligeireza de conteúdo hoje tão contestada na maioria das colegas há tempos estabelecidas no ramo.

Criado à imagem e semelhança da Igreja Universal do Reino de Deus, o partido não se pretende estreito do ponto de vista religioso, mas também não esclarece ao eleitor a que projeto mesmo se pretende.

Registrou-se com o nome de Partido Municipalista Renovador avisando que vai mudar para Partido Republicano. Poderia ser o contrário e daria rigorosamente no mesmo, pois nenhuma das duas denominações quer dizer coisa alguma. Como de resto não há substância programático-ideológica em boa parte das legendas do cardápio partidário já existente.

São meros nomes sem correspondência em representações de posições políticas presentes na sociedade e, assim, servem não ao embate de idéias e projetos diversos para o País. Prestam-se apenas à conquista de votos em épocas de eleições e, o resto do tempo, à defesa de interesses específicos junto ao aparelho de Estado.

Fica difícil o cidadão confiar na sinceridade de propósitos de qualquer projeto de reforma política quando os protagonistas da cena política são os primeiros a deixar os preceitos teóricos de lado para se valer dos defeitos que tanto criticam.

Se a regra é ruim, se há concordância geral sobre a necessidade da mudança, se os atuais métodos são, como dizem, a razão primeira de todos os desvios, não há razão para perpetuar o malfeito se ele contraria os melhores princípios.

É sob todos os aspectos inconcebível que os defensores da fidelidade partidária tratem suas respectivas filiações como uma questão de entra e sai de um partido para o outro, fazendo deles legítimas legendas de aluguel. E quando ouvem isso, ainda se ofendem, acreditando-se alvos de insidiosa desmoralização.

Esse tipo de atitude leva à desconfiança de que o tema da reforma política seja um assunto usado apenas para denotar à sociedade o interesse dos políticos em fazer correções, mostrar que são conscientes e atentos quando, na realidade, não têm a menor intenção de abandonar os velhos hábitos.

Mais grave: autorizam a conclusão de que novas leis serão inócuas, pois estarão sempre submetidas à dinâmica da má-fé embutida na cultura da infração.

Além da conta

É sabido que o presidente da República não observa com zelo o conteúdo de suas declarações. Pronuncia palavras que não necessariamente expressam seus pensamentos ou sentimentos.

É possível que tenha sido esse o caso da declaração segundo a qual a Venezuela não peca por falta, mas por excesso de democracia.

Deu para depreender que o presidente Lula não estava defendendo a subtração democrática como forma de equilíbrio institucional.

Mas conviria que sua excelência guardasse alguma cerimônia em relação à palavra dita, para não dar margem a errôneas e apressadas interpretações a respeito de inexistentes atos falhos.

Recíproca

O ministro da Articulação Política, Jaques Wagner, saúda o fato de o governo ter vencido a eleição na Câmara sem vender a alma por votos.

Já quanto à compra, o Palácio do Planalto não parece impor reparos.


Arquivo do blog