O problema é que os pontos de referência que balizam o agir certo e o agir errado se tornaram bastante misturados, encavalados, indistintos. Pois o que se imaginava como limpeza da vida pública, a faxina moral que se supunha a caminho, se tornou mais um embuste. Já se está percebendo que cabeludas denúncias, indícios gritantes, depoimentos corrosivos e volumes avantajados de documentos estão sendo remetidos, inevitavelmente, para as gavetas do arquivo morto.
O problema é que o partido que deu abrigo e poder a uma cambada de ladrões, disfarçados de idealistas, de utópicos defensores da ética na política, assim como de uma sociedade mais justa e fraterna, conseguiu, depois de superar incômodas cobranças externas e internas, reciclar o poder de suas próprias quadrilhas e emergir com a arrogância original, como se tivesse se depurado e reencontrado o rumo da decência pública.
O problema é que o chefe de Estado e de governo, para controlar outro Poder e comprar-lhe a independência, se permitiu praticar a mais escandalosa cooptação, que transformou uma Casa Legislativa numa espécie de casa de tolerância, em que as convicções são leiloadas despudoradamente, como se não se detectasse a intensa repulsa pública, neste momento moralmente tenebroso, pelo uso de tais métodos para a obtenção de sustentação parlamentar.
O problema é a perspectiva de continuar a mesma prática da compra de consciências e de convicções, como se a legitimidade da representação popular comportasse métodos tão abjetos de manutenção de bases de apoio, ou como se o interesse público não fosse, intrinsecamente, incompatível com a comercialização de princípios ou a venda de adesões, quaisquer que sejam os temas ou deliberações assumidos pelos integrantes de Poderes de Estado.
O problema é que se percebe, agora, que se fez muito barulho por nada, uma vez que os acordos já estão perfeitamente entabulados, as absolvições mensalônicas já estão estampadas nos sorrisos de alívio de todos os mensalados, no momento em que os espetáculos dos interrogatórios vão perdendo, rapidamente, audiência, pela repetição, pela monotonia e pelo cansaço televisivo que despertam - visto que a mesmice nunca consegue manter o charme.
O problema é que ninguém parece mais se espantar com as agressões à inteligência, com as distorções notórias de pensamento, com as defesas do indefensável, com as argumentações surrealistas, com a lógica estapafúrdia, com o cinismo escancarado, com o desprezo ao simples bom senso, com os atentados ao puro raciocínio e até com as pérolas bestialógicas do tipo "estou cada vez mais convencido de minha inocência".
O problema é que se está tolerando, com um misto de comodismo, oportunismo e pusilanimidade, a incompetência administrativa temporária (15 meses), a falta de ética temporária (15 meses), o desperdício de oportunidades temporário (15 meses), os fiascos internacionais temporários (15 meses), imaginando-se que depois desse triste período haverá uma reversão eleitoral completa, com a substituição dos que dizimaram as melhores esperanças populares.
O problema é que, revertidas as expectativas de punição dos que desviaram recursos públicos para o financiamento de seus projetos de poder, tudo indica que estes agora tomarão o maior cuidado para não deixar rastros. E assim sofisticarão mais os métodos de surrupio do dinheiro público e saberão acumular, com maior eficiência, os recursos extraídos dos contribuintes, independentemente de continuarem não dispondo de nenhum projeto de governo.
O problema é que com o péssimo exemplo, que vem de cima, parece que se perdeu o resto da vergonha, a ponto de se assistir à multiplicação de delinqüentes em campos antes insuspeitados, tal o caso da fraude da máfia do apito, que faz jorrar desconfiança até nos resultados da atividade esportiva mais querida da Nação, naquele campo em que o povo da terra sente o maior orgulho, por nele revelar as melhores faces de sua inteligência e criatividade.
O problema é que ainda não surgiu, no meio público-político do País, uma voz suficientemente forte e corajosa - do tipo Mário Covas - disposta a não transigir com a tolerância que se vai institucionalizando, a não transacionar com aberrações éticas em razão de futuras perspectivas eleitorais, por promissoras que sejam, sob o ponto de vista de partidos, de ambições ou de carreiras públicas. Voz que revele a consciência dos estragos irreversíveis, mesmo temporários.
O problema é que a corrupção está derrubando a competitividade do País, conforme demonstra o ranking do Fórum Econômico Mundial, pois houve entre nós uma queda de 8 pontos - passamos do 57º ao 65º lugar, entre 117 países -, especialmente pelo tombo na qualidade de nossas instituições públicas. É que nem a economia pode ser blindada, a médio e longo prazos, contra a improdutividade e os demais efeitos deletérios decorrentes da falta de vergonha institucionalizada.
O problema maior, do que todos esses, é que se está cristalizando na cabeça de nossa juventude, está penetrando no conjunto de seus sentimentos, em substituição a seus valores e sonhos, no lugar da projeção de seus caminhos e do empenho por suas realizações, a idéia de que tudo é permitido, quando conseguido, retido, extorquido, subtraído, fingido, sumido, e não punido. Será que dá, mesmo, para agüentar mais 15 meses?