Na conjugação entre pressa, oportunismo e desejo de recompensa pelos serviços prestados na eleição do novo presidente da Câmara, um espectro mais uma vez rondou o ambiente de Brasília: a ameaça de transformar uma boa intenção em péssima idéia. Tal risco depositou-se nas últimas semanas sobre as esperanças dos que pretendem promover alterações nas normas eleitorais - que, segundo a Constituição de 1988, devem ser alteradas pelo menos um ano antes das eleições.
O Congresso teria, portanto, até meia-noite de ontem para modificar as atuais regras do jogo caso quisesse prevalecê-las já para a sucessão de 2006. Como dificilmente conseguiria, a saída encontrada foi uma proposta de emenda suspendendo o dispositivo constitucional que obriga o respeito aos prazos. Além de casuística, os defensores do projeto incorreram no erro de ignorar que a pressa constitui um atalho fácil para equívocos institucionais. Também não perceberam o grau de rejeição popular para esta evidência: o desvirtuamento do objetivo original. Do aperfeiçoamento das eleições constatou-se que mudanças podem significar o preço a pagar pela condução de Aldo Rebelo ao comando da Câmara.
De boas intenções, ensinou São Bernardo, o inferno está cheio. É o que se vê, por exemplo, na tentativa de promover recuos numa das medidas elaboradas para sanear o quadro partidário brasileiro: a cláusula de barreira. As legendas nanicas se assanharam porque da prorrogação desejada dependeria a própria sobrevivência. A cláusula de barreira, afinal, exige dos partidos 5% dos votos nos 27 estados da Federação e que elejam deputados em nove deles. Pelo projeto das legendas de aluguel, aliadas de Aldo e do Palácio do Planalto, esse índice deveria ser de 2%.
Poucas mentes sublinhadas pela sensatez ignoram a necessidade de aperfeiçoamento do sistema político-eleitoral brasileiro. Tais mudanças vêm recebendo enfáticas cobranças do Jornal do Brasil. É preciso, contudo, promover recuos responsáveis. São evidentes os riscos de se realizar uma reforma substantiva no calor de uma crise política sem precedentes. Acrescente-se a essa preocupação a lógica do imediatismo decorrente da ressaca provocada pela ruidosa sucessão da Câmara. Convém, portanto, rejeitar qualquer pressa legiferante - estímulo para que o exército de venda e troca de votos no Legislativo apresente suas armas.