o globo
Fui convidado pelo kantiano Fernando Schuler para participar de um seminário com Jean Baudrillard, 19 de outubro em Porto Alegre, no Salão de Atos da Ufrgs. O tema será "Carnavalização e barbárie na cultura contemporânea". Fiquei honrado, pois adoro o Baudrillard. A Academia o odeia, pois ele chuta sem parar, mas faz gols de placa. E ele é muito mais estimulante que as melancólicas carpideiras do Sentido. Ele caminha sem esperança, um filhote de Nietzsche, ousando ser intempestivo e está no portal de um tempo ilógico quando, mesmo assim, teremos de continuar pensando. Parodiando o próprio Baudrillard, repito aqui algumas "profecias" porraloucas que já escrevi neste espaço, pouco antes da zorra que se abateu no mundo com a chegada dos flagelos gêmeos: Bush e Osama, que cavam o buraco negro da razão. Vamos a isso.
No século XXI, por causa da aceleração do espaço-tempo, da biotecnologia e da virtualidade da vida, teremos, cada vez mais, o desespero da "instantaneidade". O aqui e o agora vão ser fugazes. O passado será chamado de "depreciação"; teremos nostalgia de um presente que não tem repouso e angústia por um futuro que não pára de "não" chegar.
Será o fim do fim. Qualquer esperança de síntese será ridícula. O mundo será fragmentário, um fluxo sem nexo, e nossa infinita desimportância no universo ficará nua. Como poderemos ser humanos perante a ascensão incontrolável da tecnologia?
Teremos saudades da linearidade, da perspectiva, do princípio, do meio e do fim; teremos saudades do inútil e da lentidão. A indústria sentirá este mercado potencial e, além de nos vender celulares e palmtops, também inventará drogas da câmera lenta, do vazio, do inerte, do descanso pelo tédio.
Definitivamente, haverá o fim do "Sujeito". Os últimos resquícios desta ilusão individual serão abolidos. No século XXI, seremos todos objetos, sem o charme de qualquer sentimento de especialidade. Mergulhados em uma incompreensão total dos signos, nenhuma Razão nos restará a não ser as regras de ouro de manutenção dos mercados, estes sim, definitivamente organizados, lógicos e previsíveis. As corporações serão proprietárias exclusivas das "grandes narrativas".
Como a História será incompreensível, talvez floresçam Parques Temáticos de Sentido (os PTS), onde poderemos viver epopéias que acabam bem ou grandiosas apoteoses de pessoas ou nações. Como os filmes de hoje prefiguram, teremos Hiper-Hollywoods transcendentais.
Um mundo opaco gerará uma fome pavorosa de transcendência. Haverá um ressurgimento das religiões e da fé, provocando grandes woodstocks de absoluto, já visíveis hoje nos showmícios evangélicos e nos rituais fundamentalistas. O iluminismo será definitivamente enterrado. Deus, que tinha morrido, já está renascendo, como um produto útil para o conforto e o bem-estar. As igrejas serão como supermercados de esperança.
A liberdade ficará insuportável. As prisões e jaulas dos jardins zoológicos serão invadidas. Haverá uma grande fome de servidão. Voltarão os líderes carismáticos, profetas e evangelistas, todos tolerados (e até financiados com escárnio) pelas grandes corporações. Não haverá a democratização das teocracias do Oriente, como querem os USA, mas a orientalização dos países ocidentais. O terrorismo será para sempre.
Haverá campos de concentração "cinco estrelas", caríssimos, luxuosos, onde as percepções vão cessar, onde os sentidos serão abolidos, em busca de um silêncio sensorial aterrador, como no clássico de sciencefiction "Tiger Tiger", de Alfred Bester.
O corpo humano vai mudar. Os primeiros sinais já estão no silicone, nas próteses, nos narizes decepados, nas clonagens, nas transmutações genéticas. Haverá uma "involução da espécie". Por falta de interação com a natureza, os corpos vão degenerar e, ociosos e molengas, vão aspirar à condição de "coisas". As orelhas vão tender para celulares; os braços, para tentáculos vorazes; os olhos, para telas de cristal líquido; os paus e vaginas, para eixos e encaixes.
Acabará o amor romântico. Só tesões instantâneas e fugazes. A fome de mais prazer esgotará a sexualidade e buscará complementos eletrônicos e virtuais. Haverá hiper-orgasmos, tão fortes que esbarrarão nos limites do corpo e viverão mais além deles, sozinhos — orgasmos sem corpo, orgasmos gemendo no ar. O desejo cessará por excesso de sexualização.
A arte acabará, destruída pelos efeitos especiais. Dela só ficarão as emoções, reproduzidas em computação: o belo, o sublime, o épico, o lírico, o trágico — bastará a programação de algum êxtase estético, até de um estilo literário, mas sem obra por trás. As massas só terão circo; pão, talvez.
A política será um espetáculo. O mundo será uma grande "economia sem sociedade", se espalhando por cima dos ex-Estados-Nações. A democracia será mostrada em museus e os Congressos serão circos, fingindo legislar, mas sem nenhum acesso à vida social real.
Com a América Latina toda dolarizada, militarizada e careta, as guerrilhas vão virar parques temáticos também, como viraram os "zapatistas" de Chiapas, visitados pelos intelectuais franceses. Como se anuncia hoje na Colômbia e, na recente fundação de uma base americana no Paraguay (ninguém se tocou ainda...), teremos perímetros fechados de revoluções virtuais, estimulados pelas corporações, para dar vazão aos ódios e desesperos, à maneira dos antigos sacrifícios aztecas ou como as "horas de Ódio" de Orwell, a única profecia que rolou do "1984".
Haverá o fim da piedade, o fim da compaixão. As populações miseráveis ou desnecessárias ao mercado serão exterminadas, sob os protestos ridículos e inaudíveis de meia dúzia de humanistas fora de moda.
A vida social poderá virar um inferno, sem dúvida, mas o mercado é sábio e precisará da vida pois, afinal, sem vida não haverá lucro. Assim, as corporações vão programar uma lucrativa sobrevivência das esperanças. Talvez sejamos mais felizes como coisas.
Entrevista:O Estado inteligente
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