Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 04, 2005

Luiz Garcia Desimportantes importações

 o globo

Presidir a Câmara dos Deputados é ofício de expediente integral. Dificilmente sobrará tempo ao deputado Aldo Rebelo para uma de suas causas prediletas: defender a pureza do idioma contra seus inimigos conhecidos.


Uma pena, já que eles são muitos e persistentes.

Quase todos parecem achar que o português tem parcos recursos e precisa de injeções freqüentes de termos estrangeiros, a maioria vinda do inglês. Um caso típico, que já citei sem o menor efeito prático, é dos engenheiros e empresários que chamam instalações industriais de "plantas" — cópia servil de "plant" — deixando a curiosa impressão de que uma fábrica é da mesma família de um pé de manacá. Outros, sempre pensando em inglês, dão a adjetivos serviço que caberia a substantivos e vice-versa. Como falar em "espiral inflacionária", expressão que só pode ser entendida como uma espiral de características inflacionárias, quando se está pensando numa inflação com forma e jeito de espiral.

E há a turma convencida de que termos em inglês (como em francês no tempo de sua avó e da minha) dão elegância ao texto. E, com a cumplicidade dos dicionários, jamais empregam uma palavra tão bonita como "encanto": é só "glamour". Sejamos justos: no campo da suposta futilidade (porque a moda é indústria que nada tem de fútil)`, não faz mal algum brincar um pouco com as palavras. Mas, para que exagerar?

Enfim, com a eleição de Aldo, com certeza sairá de circulação por bom tempo um cruzado, que só de vez em quando exagerava no ardor purista, contra os bárbaros.

Na verdade, nenhum idioma é fortaleza inexpugnável, nem deve ser. A importação é muitas vezes necessária. Alguém sabe, por exemplo, que palavra nossa pode substituir "iceberg"? Simplesmente não existe, e o termo está em nossos dicionários, com essa mesma grafia e o "i" pronunciado como "ai". Nenhuma língua é estática: importa e exporta. A questão é só fazê-lo quando indispensável para a comunicação. Caso contrário, há empobrecimento em vez de enriquecimento. Foi sensata, por exemplo, a nossa rendição ao "mouse" dos computadores: não passa pela cabeça de ninguém, pelo menos do lado de cá do Atlântico, chamá-lo de camundongo.

A importação adequada melhora a comunicação e enriquece o idioma: recebemos de braços abertos, por exemplo, o "bar" e o "motel" do inglês (no último caso, com uma certa adaptação: lá fora, os motéis são tanto honestos hotéis de beira de estrada como lugares de safadeza; aqui, só existe o segundo sentido). E nenhum americano sequer tentou criar termo em inglês para falar da "bossa nova".

Mas importar para enriquecer a comunicação é bem diferente de usar a palavra estrangeira por desconhecer a fartura do nosso vocabulário ou simplesmente por imaginar que a palavra inglesa ou francesa dá "charme" — em vez de encanto — ao nosso vocabulário.

Por tudo isso, é pena que tenhamos perdido, temporariamente ao menos, um entusiasta (embora às vezes exagerado) defensor das riquezas do bom português.

Enfim, mesmo estando ele temporariamente fora de combate, sua ascensão ao comando da Câmara não deveria impedir que esclarecesse uma dúvida, pequena mas incômoda: o que significa mesmo o "comunista" do nome de seu partido? É proposta ou provocação? Pelo sim, pelo não, será gratificante ouvir de Aldo que se trata de singela homenagem saudosa.

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