Entrevista:O Estado inteligente
Augusto Nunes - A segunda morte de Celso Daniel
JB
A frenética seqüência de golpes desferidos pelos punhos da corrupção talvez tenha reduzido o Brasil num pugilista nocauteado em pé. Acuado no canto do ringue, parece insensível até a pancada que pode ser a derradeira. Não há outra explicação para a reação dos brasileiros à reportagem sobre a morte do prefeito Celso Daniel, divulgada pela TV Bandeirantes em 3 de julho e reproduzida pelo JB. A reação foi nenhuma.
A reportagem incluiu gravações de conversas telefônicas entre figurões do PT e amigos arrolados no grupo de suspeitos. São conversas estarrecedoras, tanto pela identidade dos interlocutores quanto pelo conteúdo. Na hipótese menos inquietante, comprovam que mandarins do PT tentam obstruir a ação da polícia e da Justiça desde fevereiro de 2002, quando o cadáver do prefeito de Santo André ainda esfriava na sepultura. A segunda hipótese tornará a história singularmente medonha.
Numa das fitas, Gilberto Carvalho, hoje secretário particular de Lula, conversa com Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, que dirigia o veículo do qual Celso Daniel foi arrancado pelos seqüestradores. Promovido a número 1 na relação dos possíveis mandantes, Sombra andava inquieto. Carvalho procura tranqüilizá-lo.
"Marcamos às três horas na casa do José Dirceu", informa. "Vamos conversar um pouco sobre nossa tática da semana, né? Porque nós temos que ir para a contra-ofensiva". A voz de Sombra avisa que o suspeito gostou de saber da movimentação fraternal. "Vou falar com meus advogados amanhã", diz. "Nossa idéia é colocar essa investigação sob suspeição". Carvalho concorda com a manobra: "Acho que é um bom caminho".
Em outra conversa, a inquietação de Sombra fora berrada ao parceiro Klinger Oliveira Souza, secretário de Assuntos Municipais de Santo André. "Fala com o Gilberto aí, tem que armar alguma coisa!", exalta-se. "Calma, calma", recomenda Klinger. "Estou indo praí pra gente conversar". Sombra continua irritado: "Eu tô calmo! Eu tô calmo! Só quero que as coisas sejam resolvidas"!
Além do nervosismo de Sombra, causava preocupação à equipe de resgate o comportamento do médico João Francisco Daniel, irmão do assassinado. Ele estava convencido de que Celso se condenara à morte ao resolver desmontar a máquina de fazer dinheiro instalada nos porões da prefeitura. Extorquidas de empresas concessionárias de serviços públicos ou subtraídas de contratos superfaturados, as boladas financiavam campanhas eleitorais do PT paulista (e, como descobriria Celso, também a boa vida dos monitores do esquema corrupto).
É provável que Celso tenha aprovado a institucionalização da gatunagem. Ao notar que fora longe demais, decidiu encerrar as patifarias, documentadas no dossiê que pretendia entregar a dirigentes do PT. Ele contara a história toda ao irmão. E João Francisco se transformou em testemunha de alto risco para os padrinhos de Sombra. Como neutralizar o homem-bomba?
A interrogação anima a conversa entre Gilberto Carvalho e Greenhalgh. "Está chegando a hora de o João Francisco ir depor", adverte o advogado do PT. "Antes do depoimento preciso falar com você para ele não destilar ressentimentos lá". Gilberto se alarma com o perigo iminente. "Pelo amor de Deus, isso vai ser fundamental. Tem que preparar bem isso aí, cara, porque esse cara vai... Tudo bem".
Como será demonstrado na próxima coluna, as reticências encobrem o que João Francisco explicitou na Bandeirantes: Celso Daniel foi vítima de uma conspiração tramada por bandidos vinculados ao PT de Santo André e executada por um grupo de matadores profissionais.
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