Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 13, 2005

A Daslu virou vidraça


O templo paulistano do luxo se tornou o grande alvo da histeria anticapitalista no Brasil*


Paulo Vitale
Eliana Tranchesi e Donata Meirelles, da Daslu: inauguração barulhenta
Por Tiago Lethbridge

EXAME Empresas como o McDonald's, a Coca-Cola ou a Monsanto costumam ser as vidraças preferidas dos militantes internacionais que atiram pedras na globalização, no liberalismo, no governo Bush, na guerra contra o Iraque, nos alimentos transgênicos ou até no colesterol. Pois o Brasil vem assistindo nas últimas semanas a um fenômeno curiosamente semelhante. Mas o alvo da grita anticapitalista, no caso brasileiro, é a paulistana Daslu, maior centro nacional do consumo de luxo, onde clientes abonados têm acesso a marcas refinadas, como Armani, Louis Vuitton, Bulgari ou Chanel. Desde junho, quando sua nova sede foi inaugurada, a Daslu foi alçada à condição de responsável moral por uma série de problemas ancestrais -- o principal deles, a desigualdade social do país. [Na manhã desta quarta-feira (13/7), a Daslu foi alvo de uma operação da Polícia Federal em conjunto com a Receita Federal (clique aqui para ler reportagem sobre a operação ). A investigação busca descobrir se houve sonegação de impostos. Caso as suspeitas se confirmem – e por enquanto essa é apenas uma possibilidade –, a empresa deve ser punida por isso. Sua pena, porém, deve se resumir a seus eventuais deslizes legais. Não deve ser punida pela desigualdade social.]

Os críticos ficaram especialmente chocados com o contraste entre a riqueza dos freqüentadores da Daslu e a pobreza da favela vizinha à loja. O choque é justificado: a pobreza é o mais grave problema do país. Mas, em vez de berrar contra a condição de vida dos moradores da favela, muitos preferiram atirar na Daslu. O apresentador Ratinho fez troça de quem compra bolsas Dior e Gucci na Daslu e distribuiu à platéia cópias piratas. O engajado músico Marcelo Yuka, ex-baterista do grupo O Rappa, considerou o centro de compras um ato de violência e prometeu letras contra a elite nacional. O Movimento dos Sem Universidade foi lá protestar. O fã-clube da atriz Angelina Jolie também. O pecado da Daslu? Vender produtos caros a gente que tem dinheiro para comprá-los. "Não tenho culpa nenhuma pela desigualdade social", diz a empresária Eliana Tranchesi, dona da Daslu. "Já faço muito pelo país investindo e gerando empregos."

Num país habituado a incentivar a atividade empresarial, as frases acima representariam o que são na verdade: uma obviedade. Séculos antes de a Daslu ser inaugurada, o Brasil já era campeão mundial da desigualdade de renda. Aqui, porém, suas palavras soam como provocação. De acordo com uma pesquisa publicada recentemente por EXAME, os brasileiros ainda têm uma visão distorcida do papel social das empresas. Segundo os entrevistados, desenvolver ações comunitárias é mais importante do que dar lucro aos acionistas, pagar impostos e ter um comportamento ético. Isso ajuda a explicar o fato de um investimento de cerca de 150 milhões de reais, que gera 1 000 empregos diretos, como a nova Daslu, ser visto como parte do problema, e não da solução. "As críticas feitas ao consumo de luxo não têm nenhuma lógica econômica", diz Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências e ex-presidente do Banco Central. "O que não ajuda a reduzir a pobreza é não haver consumo, seja de luxo ou de qualquer outra coisa."

Se as críticas à Daslu forem estudadas mais a fundo, revelam uma mentalidade antiempresarial que permeia o país, pune o empreendedorismo e atrapalha o desenvolvimento. Até mesmo um dos maiores empresários brasileiros, Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá, foi atacado ao acumular um patrimônio maior que o Orçamento do império. "Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos ou na Inglaterra, onde as empresas são vistas como um reflexo da liberdade de produzir, no Brasil está arraigada a visão de que a empresa é um expediente usado pela elite para ganhar dinheiro injustamente", diz a antropóloga Lívia Barbosa, estudiosa do assunto. "Quando a pessoa faz sucesso, não vira um modelo, mas uma espécie de Judas." Uma piada contada por economistas ajuda a resumir o problema. Dois operários, um brasileiro e outro inglês, participam de uma obra numa rua de Londres quando passa um milionário num Rolls-Royce. O inglês exclama: "Um dia serei como ele!" O brasileiro responde: "Que nada. Um dia ele vai ser como nós".

Seria simplista, porém, isentar a direção da Daslu de qualquer responsabilidade pelas reações ao lançamento da nova loja. De acordo com especialistas em marketing, a campanha publicitária que antecedeu a inauguração foi barulhenta demais para um mercado que é, por definição, restrito. A empresa comprou páginas e páginas de anúncios em jornais de grande circulação e organizou festas vistas como faustosas. Se um dos leitores dos anúncios da empresa que não tivesse a carteirinha de cliente resolvesse dar um pulo na Daslu, teria de pagar 30 reais pela primeira hora de estacionamento -- ou então preencher um formulário na entrada para ganhar a tal carteirinha. "Quando se comunica com um público de classe média, a Daslu tem de tratá-lo bem, pois é possível que um dia ele decida visitar a loja", diz Eduardo Tomiya, diretor da consultoria Interbrand. "Se esse consumidor potencial se sente rejeitado, a empresa dá um tiro no pé." A exposição da Daslu, considerada excessiva, encontrou uma reação na mesma proporção.

Essa crise de imagem vem no momento em que Eliana Tranchesi dá o passo mais arriscado de sua carreira. Ao se mudar para a nova sede, um prédio de 20 000 metros quadrados às margens do rio Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, seu negócio ganha proporções inéditas. Para o empreendimento dar certo, Eliana precisará andar numa espécie de fio da navalha. "Ela vai ter de conquistar um novo público para ganhar escala, mas sem perder a aura de exclusividade que garantiu o sucesso da Daslu com sua antiga clientela", diz Carlos Ferreirinha, consultor especializado no mercado de luxo. Talvez ainda mais importante, vai ser preciso lidar com uma imagem negativa que pode colar na sua empresa. Como Eliana Tranchesi e seu braço direito, Donata Meirelles, pretendem fazer isso? "Voltando a operar discretamente, sem marketing, como sempre fizemos", diz Eliana. A nova localização da Daslu, no entanto, torna a volta à discrição uma tarefa difícil. Até o início do ano, sua sede ficava na Vila Nova Conceição, um bairro de elite da zona sul de São Paulo. Com a mudança para a Marginal do Pinheiros, área de intenso movimento, a Daslu ganha uma exposição a que não está habituada. "Ela vivia numa redoma de vidro", diz Ferreirinha. "Agora, vai levar um choque de realidade."

Quem está atirando pedras
Alguns exemplos de manifestações contra a Daslu
Angelina Jolie
A turma do fã-clube de Angelina Jolie apoiou um protesto contra a venda de roupas feitas com pele de animais, em frente à Daslu. A atriz não foi informada. "Mas, se ela soubesse, com certeza nos apoiaria", diz um fã
Ratinho
Fazendo piada com o preço pago pelas clientes da Daslu, o apresentador Ratinho distribuiu à platéia cópias piratas de bolsas de marcas como Dior e Gucci
Marcelo Yuka
O músico Marcelo Yuka, ex-integrante da banda O Rappa, afirmou que a Daslu é um "ato de violência" e um "totem" da "má distribuição de renda". A elite econômica do país, disse ele, seria um novo alvo de suas canções engajadas


* Reportagem concluída na sexta-feira (8/7), antes da operação da Polícia Federal.

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