Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 18, 2005

A ópera do malandro


veja

Com garganta bem treinada no
canto lírico e a cancha de muitos
anos de tribuna, Roberto Jefferson
estremeceu a República – e um ele já levou


Fotos Ana Araujo

Poucas coisas são mais perturbadoras do que um mentiroso que resolve dizer a verdade, um corrupto que assume ter roubado, um malandro que se transforma em paladino da moralidade. O extraordinário psicodrama político que se desenvolveu na terça-feira passada com o depoimento do deputado Roberto Jefferson ao Conselho de Ética da Câmara envolveu tantos elementos contraditórios que por vezes é difícil distinguir o que é denúncia fundamentada, insinuação cifrada, distorção deliberada. Mas as linhas mestras são de uma contundência assustadora. Número 1: a cúpula do governo e do PT, com os dois Josés, Dirceu e Genoíno, à frente, comandava um esquema sem precedentes de suborno em bloco de parlamentares. Esmiuçando as denúncias já antecipadas, o deputado deu nomes, datas, números. Número 2: a maldição do financiamento ilícito de campanhas. O mesmo Jefferson que atribui a uma fantasiosa conspiração entre a Abin e VEJA a denúncia do esquema do PTB nos Correios e nega o por fora que o partido recebia de 400 000 reais por mês via Instituto de Resseguros do Brasil assumiu uma dinheirama muitas vezes maior: uma "contribuição" de 20 milhões de reais que, segundo ele, chegava via PT para irrigar campanhas do PTB – e cujo maior defeito foi não chegar inteira. "Aqui todos sabem de onde vem o dinheiro da campanha", provocou, apregoando a culpa coletiva do Legislativo. A seguir, trechos condensados da ópera entoada com autoconfiança, histrionismo, ressentimento homicida e nem uma gota de suor na camisa lilás:


UM NEGÓCIO CHAMADO MENSALÃO

"Provas não tenho a exibir; eu sou testemunha. Jamais na minha vida como parlamentar eu havia presenciado o partido do governo pagando mesada a partidos que compõem a base. Nunca na minha vida. Mas desde agosto de 2003 é voz corrente em cada canto desta casa, em cada fundo de plenário, em cada gabinete, em cada banheiro, que o senhor Delúbio, com o conhecimento do senhor José Genoíno, sim, tendo como pombo-correio o senhor Marcos Valério, um carequinha que é publicitário lá de Minas Gerais, repassa dinheiro a partidos que compõem a base de sustentação do governo num negócio chamado mensalão."


DELÚBIO E A UNHA ENCRAVADA

"Eu atendi (Delúbio) em minha casa. Isso em princípios de 2004. E o Delúbio foi simpático, fumou um charuto. Simples, um homem simples, mas cumprindo uma missão. Cheio de melindres, de tato, para falar comigo, aquele jeitão dele de goiano do interior. E disse que gostaria de ajudar a desencravar uma unha que pudesse haver – a expressão que ele usa: 'Ajudar a desencravar uma unha' de algum companheiro que pudesse, faria uns repasses ao PTB. Eu disse: 'Delúbio, muito obrigado, não quero não. O PTB quer estrutura de governo. Quer participar no pensamento e na inteligência de governo, mas mensalão não quer não."


DE MINISTRO EM MINISTRO

"Fui procurar o ministro José Dirceu e disse isso a ele: 'Zé, tem um negócio ruim que está acontecendo, que está um buchicho na casa, que está ruim'. 'O que é?' 'O tal do mensalão. O Delúbio está repassando dinheiro para partidos de base, que estão distribuindo aos seus deputados um mensalão: 30 000 reais'. Ele deu um soco na mesa. Com ele sobre esse assunto eu falei uma meia dúzia de vezes. Né, Zé Dirceu? Né, Zé? Com o Genoíno, falei com ele uma meia dúzia de vezes. Falei ao ministro Ciro Gomes. Vou ao ministro das Comunicações, Miro Teixeira. Ele achou grave, registrou. Disse isso ao ministro Palocci. Ele nega, mas Palocci, ministro, com todo o respeito, disse isso a vossa excelência, olhando dentro dos seus olhos. Depois, mais tarde, disse isso ao ministro Aldo Rebelo."


DUAS MALAS ENORMES

"Fiz, sim, acordos políticos com o PT. Em maio do ano passado conversamos eu, o tesoureiro do meu partido, Emerson Palmieri, o doutor Delúbio, o presidente José Genoíno e Marcelo Sereno, lá no prédio da Varig, onde fui várias vezes. Pedi (a Genoíno) apoio para as campanhas do partido. 'Sem problema.' Eles aprovaram os 20 milhões de reais para o financiamento das campanhas do PTB em todo o Brasil. Cumpriram a primeira parte em princípios de julho: 4 milhões de reais. O dinheiro foi levado ao partido na 303 Norte, onde é a sede nacional de meu partido, pelo senhor Marcos Valério. Primeiro, 2,2 milhões, duas malas enormes, notas de 50 e 100, etiquetadas 'Banco Rural' e 'Banco do Brasil'. Três dias depois, ou quatro dias depois, ele volta com 1,8 milhão – e a promessa de outras quatro parcelas iguais."


DIFICULDADES QUE VIVEMOS

"'Genoíno, e como é que a gente vai fazer para justificar esse dinheiro (mencionado acima)?' Ele falou: 'No final, a gente faz a entrada via partido e a saída conta contribuição'. Mas até hoje essas notas não chegaram. Isso gerou uma crise brutal no meu partido, porque a pior coisa é cumprir a primeira. E eu autorizei aos companheiros de partido que fizessem despesas em função do que foi tratado. E os companheiros sabem a dificuldade que nós vivemos. Fui várias vezes falar com o José Genoíno, várias vezes conversei com o Delúbio. Fui inclusive ao Zé Dirceu. Voltei ao Zé Dirceu uma, duas, dez vezes. Digo: 'Zé, está esgarçando, eu estou perdendo autoridade'. Ele falou: 'Roberto, a Polícia Federal é meio tucana. Meteu em cana 62 doleiros agora, às vésperas da eleição. A turma que ajuda não está podendo internar dinheiro no Brasil'."


A LISTA DE JEFFERSON

"Venho ao plenário desta Comissão dizer que não são todos os deputados que recebem mensalão, não. Tem muita gente do PP que está muito acima disso, tem muita gente do PL que está muito acima disso. Mas deputado Valdemar Costa Neto, deputado Janene, deputado Pedro Corrêa, deputado Sandro Mabel, Bispo Rodrigues, Pedro Henry, me perdoem, me perdoem, de coração. Eu não posso ser cúmplice de vocês nessa história que envergonha uma grande parte da Câmara dos Deputados."


É ASSIM E SEMPRE FOI

"Não há partido nenhum aqui que faça diferente (sobre o dinheiro de campanha que diz ter recebido do PT). Nenhum partido aqui recebe ajuda na eleição que não seja assim. Eu não aluguei o meu partido, não fiz dele um exército mercenário nem transformei os meus colegas de bancada em homens de aluguel, mas eu sei de onde vêm os recursos das eleições e todos sabem. Aqui, todos sabem. Só que nós temos a hipocrisia de não confessar ao Brasil. Eu estou assumindo isso. Os dinheiros vêm dos empresários que, a maioria das vezes, mantêm relações com as empresas públicas. É assim e sempre foi."


SÓ COM CONTRAPARTIDA

"O secretário-geral do PT àquela época e o ministro José Dirceu ofereceram este cargo ao PTB: a presidência do IRB. Nós não tínhamos um nome. O corretor Henrique Brandão trouxe o doutor Lídio (Duarte) ao nosso encontro. Ele disse que se sentaria na presidência do IRB e ajudaria o PTB, que ele ia juntar um grupo de cinco, seis brokers, cada um daria 60 000 reais e eles fariam um depósito na conta de contribuição do meu partido, o PTB, todo mês. Nunca cumpriu a palavra que empenhou, mas eu assumo isso de público. Vossa Excelência não nomeia dirigentes de estatais sem uma contrapartida para o seu partido."


MAIS FÁCIL ALUGAR

"Quem não ouviu falar (no mensalão)? Nas rodas de jantares, nas rodas de bares, no fundo do plenário. Eu apenas destampei, mas quero dizer que a bancada do PT não tem nada a ver com isso. Foi uma decisão de cúpula e eu entendo o motivo. É mais fácil alugar o deputado do que repartir compromisso de governo, pensar projeto de poder. É mais fácil."


O DEPUTADO LÊ VEJA

"Ô, revistinha! Ô, revistinha!"

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