Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 04, 2005

Claudio de Moura Castro:A culpa é do tataravô


"Nosso retardo educativo vem menos do
que fizemos mal nas últimas décadas e
mais
do não feito nos quatro séculos precedentes"

Nunca se criticou tanto e tão acidamente a educação brasileira quanto agora. E merecidamente, pois é péssima. E, para que ela se mova, ainda é pouco o que criticamos. Mas não podemos perder a perspectiva histórica. Nunca tivemos uma educação tão vibrante e em tão rápida transformação. Vamos entender o paradoxo. Nossa educação é ruim porque sofreu quatro séculos e meio de abandono. Foi nos últimos cinqüenta anos que tudo começou a acontecer. E, obviamente, é pouco tempo para recuperar os séculos perdidos e para evitar os solavancos e as incompetências do crescimento açodado.

O desleixo passado nos deixa seqüelas muito mais graves do que aquelas geradas pelas trapalhadas das décadas recentes. Ao preparar o prefácio do esplêndido livro de Maria Luiza Marcílio, História da Escola em São Paulo e no Brasil, adquiri mais munição para defender tais idéias.

Ilustração Ale Setti


Em 1612, o ducado de Weimar precede o resto da Europa, ordenando que "toda criança de 6 a 12 anos deveria estar na escola", cumprindo uma jornada escolar de seis horas (proeza que ainda não igualamos). Na Viena de 1774, aprova-se uma lei proibindo a contratação de aprendizes e empregadas domésticas sem um certificado escolar. As colônias americanas da Nova Inglaterra, já no século XVIII, caminham rapidamente para a escolarização universal. Em meados do século XIX, inspirada por Rivadavia e Sarmiento, a Argentina começa um processo rápido de escolarização. O Uruguai a acompanha.

Aqui no Brasil, quase nada. Herdamos a tradição portuguesa de um ensino que conseguia ser ainda mais débil do que o espanhol. O que recebemos de Portugal foi a herança de sua própria educação mirrada e medíocre, muito mais do que uma política de conter o desenvolvimento do nosso ensino.

Ouvimos muitas lamúrias sobre o vácuo educacional, após a expulsão dos jesuítas. De fato, a cidade de São Paulo ficou sem escolas formais por 43 anos. Mas, enquanto funcionaram, seus colégios cobriam apenas 0,1% da população.

O governador-geral Morgado de Mateus encontrou sérias dificuldades para montar sua equipe de governo. "Não achei quem tivesse letras ou que, ao menos por remédio, pudesse remediar essa falha." Em 1821, Rugendas afirma que no Brasil "não se deu a devida importância à instrução primária das classes baixas e médias da sociedade, e os que nas classes elevadas sentiam a necessidade de uma prestação mais completa nem por isso encontravam mais recursos".

Nossa educação era compatível com a mediocridade intelectual da época. Mesmo a educação das elites era débil e improvisada. No dizer de Bastos Ávila, era "um ensino de inutilidades ornamentais". O que havia era uma educação péssima para as elites e quase nada para os demais. Pergunta o visitante John Luckoc: "O que pode ensinar quem nada sabe?... Não havia outro meio, portanto, senão permitir que as crianças crescessem selvagens, em meio a uma chusma de escravos e vagabundos da pior espécie com quem testemunham e aprendem a praticar todas as vilanias de que sua tenra idade era capaz".

O professor ensinava a um aluno de cada vez, era tudo o que ele sabia fazer. Como resultado, os outros ficavam inquietos e indisciplinados, gerando a necessidade da palmatória. Não havia seriação. Os alunos podiam entrar e sair da escola em qualquer período do ano. Da mesma forma, não havia a "grade curricular". A aritmética não era lecionada simultaneamente ao português, e a leitura e a escrita eram ensinadas em separado. Durante todo o Império, não houve prédios escolares em São Paulo nem móveis didáticos. Em Ubatuba, por exemplo, os alunos tinham de estudar em pé.

Em suma, a principal razão do atraso de hoje é o início tardio, pois as escolas só começaram a tomar alguma consistência no século XX. Portanto, nosso retardo educativo vem menos do que fizemos mal nas últimas décadas e mais do não feito nos quatro séculos precedentes. Mas a nós, tataranetos, não se permite complacência. Justamente por estarmos tão atrasados, temos de recuperar o tempo perdido.
veja

Nenhum comentário:

Arquivo do blog