Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 08, 2010

NELSON MOTTA Licença para roubar

O Globo - 07/05/2010

Não é preciso criar nenhuma lei nem fazer qualquer debate ou votação.
É mais prático e direto do que uma reforma eleitoral, sem
financiamento público e voto em listas, nem riscos para o estado de
direito e a democracia.

Muito pelo contrário.

Basta fazer como democracias civilizadas e definir, julgar e punir o
"caixa 2" pelo que ele é: um crime mais grave do que o roubo para uso
próprio. Porque lesa não só uma pessoa física ou jurídica, mas toda a
sociedade, para fraudar o processo eleitoral e corromper a vontade dos
cidadãos, desmoralizando as instituições democráticas e afrontando a
lei e a Justiça.

O "caixa 2" é um delito mais grave do que um simples roubo público ou
privado como os que enchem os noticiários.

Alguns desses ladrões são presos e o produto dos crimes pode ser
recuperado. Mas os que roubam para fraudar o processo eleitoral,
alegando que não é para uso próprio (embora às vezes seja), mas pela
"causa", não são presos, não devolvem o dinheiro, nem pagam os
irreparáveis prejuízos à democracia, são heróis da impunidade em seus
partidos.

"Ah, é só caixa 2". Alguém imagina o Obama dizendo isto? Nem
Berlusconi ousaria. Aqui, presidentes de partidos e até da República
dizem, considerando como atenuante o que é agravante. Seu corolário
"todo mundo faz" minimiza e absolve o delito, e pereniza o atraso
político.

Por que Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália julgam crimes
políticos como mais graves do que os comuns, com cadeia e multas
pesadas por conspiração contra o estado democrático e suas
instituições? Talvez porque eles não têm esse jeitinho brasileiro de
ser democrata, esse hábito de nivelar por baixo e de se contentar com
pouco. Construíram democracias em que a lei é para todos, onde não há
causa, por melhor que seja, que justifique a sua transgressão. Em
ditaduras, leis espúrias podem e devem ser transgredidas na luta pela
democracia, mas, quando finalmente a conquistamos, isto só a corrompe
e avilta.

Enquanto formos escravos desse passado, não há esperança de vencermos
o medo de viver em uma democracia que seja realmente de todos.

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