O Estado de S. Paulo - 02/05/2010
O termômetro da economia americana já não é a GM, mas empresas de baixo custo que atuam de forma globalizada
Você já deve ter ouvido falar que a situação da General Motors reflete a situação dos EUA. Felizmente, isso não é mais verdade. Quero dizer, desejo sucesso à nova GM, mas nosso futuro econômico não está mais preso ao seu destino. Meu novo lema passou a ser: a situação da EndoStim reflete a situação dos EUA.
A EndoStim é um pequeno novo empreendimento que conheci durante uma visita recente a St. Louis. A empresa está desenvolvendo um dispositivo médico para tratar o refluxo ácido via implante. Não sei se o produto fará sucesso no mercado. Ele ainda está em fase de testes. O que realmente me interessa na EndoStim é a maneira com a qual a empresa foi formada e como é administrada.
Trata-se de um exemplo do novo tipo de empreendimentos dos quais precisamos para impulsionar nossa economia: novos imigrantes, usando dinheiro velho para inovar em um mundo globalizado. A inspiração para a criação do produto da EndoStim nasceu de imigrantes cubanos e indianos nos EUA e a empresa foi financiada por investidores de St. Louis. O protótipo é fabricado no Uruguai, com a ajuda de engenheiros israelenses e informações de médicos na Índia e no Chile. E o diretor-executivo é um sul-africano que estudou na Sorbonne, mas que vive no Missouri e na Califórnia - seu escritório é um BlackBerry.
Mesmo que uma recuperação da GM salve alguns antigos empregos, somente com a criação de milhares de EndoStims poderemos criar os bons postos de trabalho do novo tipo dos quais necessitamos para manter as melhorias no nosso padrão de vida.
Tudo começou de forma acidental. O dr. Raul Pérez, obstetra e ginecologista, imigrou de Cuba para os EUA na década de 1960 foi para St. Louis, onde conheceu Dan Burkhardt, um investidor local.
"Raul era um médico diferenciado", lembra Burkhardt. "Ele tinha um faro excelente para investimentos médicos e para o que poderia se mostrar lucrativo no ambiente clínico. Assim, começamos a investir juntos." Em 1997, os dois criaram um fundo de empreendimentos médicos, o Oakwood Medical Investors. Pérez sofria de um problema com refluxo ácido e buscou tratamento na Clínica Mayo, no Arizona, onde recebeu a ajuda de um médico indiano-americano, V.K. Sharma.
Durante o acompanhamento do tratamento, Sharma mencionou as três palavras que todo investidor de risco adora ouvir: "Tenho uma ideia" - usar um dispositivo parecido com um marca-passo para controlar o músculo que contém o refluxo ácido. Burkhardt, Pérez e Sharma incluíram na parceria Bevil Hogg - sul-africano que esteve entre os fundadores da Trek Bicycle Corporation. Ele assumiu o cargo de diretor executivo.
Juntos, eles captaram os fundos iniciais para desenvolver a tecnologia. Dois israelenses, Shai Pollicker, um engenheiro médico, e o dr. Edy Soffer, um gastroenterologista, se uniram à equipe de engenharia sediada em Seattle (chefiada por um australiano) para ajudar no projeto. Uma empresa uruguaia especializada em marca-passos está construindo o protótipo.
Este tipo de novo empreendimento enxuto, no qual os diretores raramente estão no mesmo escritório ao mesmo tempo, e explora todas as ferramentas do mundo globalizado - teleconferência, e-mail, internet e fax - para acessar meios de fabricação de alta qualidade e baixo custo, é o que há de mais novo em termos de investimento de risco.
"Após a crise bancária, o acesso aos mercados públicos ficou fora do alcance das novas empresas", explicou Hogg. "E por isso os novos empreendimentos precisam ser mais enxutos, aplicar seu capital de forma mais eficiente, saber usar de maneira inteligente o acesso aos talentos internacionais e chegar mais rapidamente ao mercado, Hoje, US$ 20 milhões são suficientes para o lançamento de um produto, o que antes custava US$ 100 milhões".
É a tecnologia que está possibilitando tudo isso. Chris Anderson, da revista Wired, destacou esse fato num excelente ensaio publicado na edição de fevereiro, intitulado "Os átomos são os novos bits".
""Três sujeitos com laptops" costumava ser a descrição comum de um novo empreendimento na web", ele escreveu. "Agora a descrição também se aplica a empresas de hardware, graças à disponibilidade de plataformas comuns, de ferramentas de fácil utilização, da colaboração com base na web e da distribuição na internet... As cadeias globais de fornecimento se libertaram das escalas, e são capazes de atender tanto aos pequenos quanto aos grandes, desde o inventor de garagem até a Sony."
Os testes clínicos do protótipo da EndoStim são conduzidos por equipes na Índia e no Chile. "O que elas têm em comum", disse Hogg, "são magníficos cirurgiões extremamente habilidosos, entusiasmo pelo projeto, interesse pela pesquisa e custos razoáveis".
Isso também faz parte do novo modelo, disse Hogg: um produto inventado e financiado no Ocidente, desenvolvido e testado no Oriente e lançado em ambos os mercados. O que os EUA têm a ganhar com isso?
Enquanto o dinheiro do investimento, a inovação e a as decisões de administração vierem de território americano muita coisa. Se a EndoStim der certo, sua minúscula sede em St. Louis crescerá muito mais. "É em St. Louis que estarão os melhores empregos - alto escalão administrativo, marketing, design - e os acionistas", disse Hogg. O local onde a inovação surge e onde o capital é captado ainda importa.
Não se ouve muito a respeito de empresas como essa. Atualmente nosso debate nacional é dominado pelos delírios ignorantes de Sarah Palin, pelos lunáticos nos programas de entrevistas, por movimentos políticos supostamente inspirados em marcos históricos (o Tea Party) e pela política tratada como esporte.
Felizmente, ainda encontramos pessoas dispostas a assumir riscos, que não prestam atenção a essas besteiras e conhecem o mundo em que vivem. Elas simplesmente fazem as coisas acontecerem. Graças aos céus! / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
É COLUNISTA DO JORNAL "THE NEW YORK TIMES"
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