Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 07, 2008

VEJA Entrevista: Patrick Michaels


O grande cético

Climatologista americano não vê motivos para temer 
o aquecimento global e diz que é inútil tentar reduzir 
as emissões de gases do efeito estufa


Diogo Schelp

Gilberto Tadday

"Basta olhar pela janela e comparar a realidade com a previsão do 
tempo feita dias atrás. Se erros 
são comuns no curto prazo, 
imagine em períodos longos"

O climatologista Patrick Michaels, da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, é o mais conhecido entre os chamados céticos do aquecimento global. A qualificação é paradoxal, pois ele colaborou com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e não contesta os princípios científicos que sustentam a advertência, feita pela conferência da ONU, sobre o aumento nas emissões de gases do efeito estufa. A diferença é que, ao contrário do IPCC, ele não vê nada de catastrófico nas mudanças climáticas. Pesquisador do Instituto Cato, em Washington, Michaels dedica-se a palestras e a escrever artigos contra o que considera uma visão apocalíptica da climatologia. Ele argumenta que o fato de suas pesquisas contarem com o apoio de indústrias de energia reforça a credibilidade de seus artigos, pois faz com que sejam examinados com maior rigor por seus críticos. O cientista, que recentemente participou do seminário internacional "Aquecimento global – O dilema político e econômico", promovido pelo Centro de Liderança Pública (CLP) e pelo Ibmec, em São Paulo, concedeu a seguinte entrevista a VEJA.

Veja – Empresas de energia ajudam a financiar seus estudos sobre o aquecimento global. Isso não afeta a credibilidade de seu trabalho?
Michaels – Ao contrário, reforça. Como a contribuição do setor energético é de conhecimento público, os críticos dedicam vigor especial à busca de erros em minhas pesquisas. Todo artigo que publico é revisado minuciosamente por especialistas. Para sobreviverem a tal escrutínio, meus argumentos precisam ser bastante sólidos.

Veja – O senhor concorda com a afirmação de que a temperatura global está aumentando?
Michaels – Sim.

Veja – O senhor concorda que isso ocorre devido à ação humana? 
Michaels – Sim, é correta a tese de que a temperatura na superfície terrestre aumenta devido à crescente emissão de gás carbônico. Mudanças na concentração desse gás fazem com que a temperatura fique mais alta na superfície, enquanto a estratosfera esfria. Ocorreram dois períodos recentes de aquecimento do ar na superfície terrestre. O primeiro foi no início do século XX, entre 1910 e 1945, e o último começou nos anos 70 e dura até hoje. O aquecimento da primeira metade do século passado provavelmente pouco teve a ver com a eventual influência humana na composição da atmosfera. Esteve muito mais relacionado ao aumento da temperatura do Sol. Já o segundo período parece estar muito mais vinculado ao fator humano e ao aumento do nível de gás carbônico na atmosfera.

Veja – Qual desses períodos foi mais quente? 
Michaels – As magnitudes do primeiro e do segundo período de aquecimento global mal podem ser diferenciadas estatisticamente, pois são muito semelhantes. De qualquer forma, o atual período é 0,8 grau mais quente que o anterior. Praticamente metade desse aumento de temperatura tem como causa mudanças nas concentrações de dióxido de carbono no ar, que se elevaram muito no segundo período.

Veja – Suas opiniões parecem moderadas para quem é considerado o mais influente cético em relação ao aquecimento global. Afinal, em que pontos o senhor discorda das teses apresentadas nos relatórios do IPCC?
Michaels – Não há discordâncias relevantes entre minha opinião e os dados do IPCC. Eu mesmo contribuí com análises de pesquisas que foram utilizadas pelo IPCC. Considero, no entanto, que algumas previsões são exageradas. Quando aplicamos a taxa atual de elevação de temperatura em modelos de computador, chegamos à conclusão de que o aquecimento no século XXI não será maior do que a previsão mais otimista do IPCC. Ou seja, por volta do ano 2100 a temperatura global estará apenas 1,7 grau acima da atual. Digo isso porque a taxa de aquecimento tem sido notavelmente constante. O aumento na temperatura é proporcional à concentração de gás carbônico e ao impacto desse gás no efeito estufa. Esses fatores indicam uma tendência de aquecimento constante, mas não crescente. Outra ressalva diz respeito à maneira como as previsões climáticas são feitas. Apesar de serem baseadas nas análises e nos métodos mais modernos que existem, é preciso cautela. Basta olhar pela janela e comparar a realidade com a previsão do tempo divulgada dias atrás. Se os erros são tão freqüentes no curto prazo, imagine quanto se pode errar em um período mais longo.

Veja – O senhor considera irrelevante o aumento de 1,7 grau na temperatura até o fim do século?
Michaels – Há grande chance de essa previsão nem sequer se concretizar. A tecnologia que usaremos daqui a 100 anos nas indústrias, nos automóveis e nas usinas geradoras de eletricidade será provavelmente mais eficiente em termos de emissão de gás carbônico do que a atual. Infelizmente, não posso precisar como serão as novas tecnologias, mas a história da evolução tecnológica é um guia do avanço que pode ocorrer. Por essa razão, nossa previsão sobre o aumento na emissão de gás carbônico é bastante questionável. Não há como saber se os índices atuais de poluição serão mantidos no fim do século XXI.

Veja – Quais seriam as conseqüências do aumento de 1,7 grau na temperatura média global?
Michaels – Há grande variedade de opiniões. Alguns economistas pensam que um aquecimento modesto seria benéfico. As visões apocalípticas da mudança climática estão associadas à idéia, com pouco embasamento científico, de que a Groenlândia está perdendo sua camada de gelo. Muitos estudos comprovam que, entre as décadas de 50 e 60, as temperaturas naquela região foram, em média, mais altas do que na última década.

Veja – Que benefício pode existir no aquecimento global?
Michaels – O clima não é apenas aquilo que se mede no termômetro, mas uma combinação de temperatura e umidade. Em locais com a devida umidade, quanto maior a temperatura da superfície, maior é a quantidade de seres vivos. Os trópicos são o exemplo. Essa é uma das vantagens do aquecimento. Outra diz respeito às taxas de mortalidade, que são mais altas no inverno do que no verão. Se, com o aquecimento, tivermos invernos mais curtos, o número de mortes também diminuirá. Quando a temperatura sobe de forma drástica, como ocorreu durante as ondas de calor na Europa, algumas pessoas morrem por não estar preparadas para mudanças climáticas bruscas. O calor será menos nocivo se a temperatura aumentar gradualmente.

Veja – Uma prova do perigo do aquecimento global citada com freqüência são seus efeitos sobre os ursos-polares. Com a diminuição da área congelada no Ártico, a espécie enfrenta maior dificuldade para encontrar alimento. O número de ursos-polares já está diminuindo...
Michaels – Pesquisas do governo canadense revelam que, na realidade, o número de ursos-polares é alto.

Veja – Outra conseqüência incontestada no meio científico é a elevação do nível do mar. Isso não é um problema?
Michaels – Devido a fatores geológicos, não climáticos, nos últimos 100 anos o nível do mar subiu quase 30 centímetros na costa leste dos Estados Unidos. Poucas pessoas perceberam, pois os moradores da costa se adaptaram perfeitamente ao novo nível.

Veja – As geleiras dos Andes estão diminuindo. Como ficariam as populações andinas se elas desaparecessem?
Michaels – Quando o gelo das montanhas se derrete, como está ocorrendo nos Andes, pode-se tentar represá-lo. Dizem que, devido ao risco de terremotos, é perigoso construir barragens para captar a água do degelo nos Andes. Mas esse tipo de represamento existe na Califórnia, que também é uma região de atividade sísmica intensa. Sugerir que os sul-americanos não conseguiriam se adaptar a tal situação é falta de respeito para com esses povos.

Veja – Se o senhor estiver correto e o aquecimento global não for uma ameaça para a humanidade, isso significa que é desnecessário reduzir as emissões de dióxido de carbono e de outros gases do efeito estufa?
Michaels – É extremamente imprudente gastar dinheiro para tentar reduzir as emissões de gás carbônico. O custo para chegar a isso seria muito alto. Esse capital poderia ser mais bem investido em pesquisa e desenvolvimento de novas fontes de energia. Um exemplo: a resposta política do governo americano ao aquecimento global foi uma lei, aprovada em 2005, que exige a substituição de certa quantidade de gasolina por etanol. Nos Estados Unidos, existe apenas uma matéria-prima capaz de produzir grande quantidade desse combustível, que é o milho. A demanda foi tamanha que, no ano passado, os Estados Unidos dedicaram a esse fim 33% da colheita de milho. A colheita americana representa 54% da produção mundial. Em outras palavras, 15% de todo o milho do planeta foi desviado para a produção de combustível. Como conseqüência, o preço do milho, da soja e do trigo subiu dramaticamente. Hoje se vêem em vários países protestos contra o preço abusivo dos alimentos. O caso do etanol americano foi o resultado de uma intervenção política irracional.

Veja – Outras tentativas de reduzir as emissões também devem ser abandonadas?
Michaels – É impossível reduzir drasticamente as emissões e ainda dispor de recursos para investir em novas fontes de energia. Não existe uma alternativa que seja ao mesmo tempo tecnológica e politicamente viável. O fracasso do Protocolo de Kioto é um exemplo dessa incapacidade. Se todos os países fizessem o que prometeram ao assinar esse documento, a temperatura deixaria de subir 0,7 grau em cinqüenta anos. O primeiro problema é que se trata de uma variação pequena demais para ser medida. O segundo é que o custo para chegar a isso seria muito alto e provavelmente ineficaz. Um exemplo: nos Estados Unidos, a gasolina atualmente custa cerca de 1 dólar o litro. Pensava-se, há alguns anos, que a elevação do preço em 25 centavos seria suficiente para atingir o objetivo do Protocolo de Kioto no que diz respeito às emissões automotivas. O preço está onde está devido à alta do barril de petróleo e o consumo de combustível praticamente não mudou. A questão é saber até que ponto é preciso encarecer a energia para que as emissões caiam pela metade. Muito melhor seria investir em tecnologia agora para que, daqui a 100 anos, estejamos em um patamar tão avançado que torne possível encontrar uma solução técnica para o aquecimento. Difícil será incentivar as pesquisas tecnológicas se a economia for arruinada pelas tentativas de tentar frear agora o aquecimento global. Essa saída é contraprodutiva.

Veja – Grande parte da pressão para que o Brasil barre a destruição da Amazônia está ligada ao temor de que o desmatamento contribua para o aquecimento global. Em sua opinião, essa é a razão correta para proteger a floresta?
Michaels – Não. A verdadeira razão, nesse caso, é o valor intrínseco da floresta. Os números mostram que o desmatamento não é o grande culpado pelo aumento do aquecimento global, se comparado com a queima de combustíveis fósseis. Tentar justificar a preservação com o argumento do aquecimento global é uma mentira. Acredito que a preservação das áreas silvestres é uma decisão social e econômica que as pessoas nos países em desenvolvimento precisam tomar.

Veja – Os países emergentes argumentam que não é justo terem de reduzir suas emissões de poluentes porque os países ricos, para chegar ao patamar em que estão, poluíram muito mais. O senhor concorda?
Michaels – É um argumento falso. Os países pobres podem até afirmar que sua emissão de poluentes per capita é bem menor que a dos países ricos. Se o cálculo for feito em proporção ao PIB de cada país, no entanto, chegaremos à conclusão de que poluem muito. Essa é a maneira correta de analisar o assunto.

Veja – Por que tantos cientistas respeitados corroboram a idéia de que é preciso reduzir as emissões de gases do efeito estufa quanto antes?
Michaels – Não acredito que muitos cientistas defendam essa posição.

Veja – Como o senhor vê as posições sobre o aquecimento dos dois candidatos à Presidência dos Estados Unidos?
Michaels – Os discursos de Barack Obama e John McCain são indistinguíveis. Tudo indica que, se o atual presidente dificilmente vai aprovar qualquer lei que restrinja as emissões de dióxido de carbono, é quase certo que o próximo vai fazê-lo. Infelizmente.

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