Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 01, 2008

Suely Caldas* O pior legado de Lula

O ESTADO DE S PAULO
Nunca antes na história deste país a corrupção foi tratada com tanta
tolerância, e vulgaridade, como algo natural, instintivo, inerente ao
ser humano, que acontece, vai continuar acontecendo e anormal seria se
não acontecesse. Nunca antes um presidente do Conselho de Ética da
Câmara dos Deputados teve o cinismo de vir a público justificar a
corrupção: "Na minha terra cachorro que não tem pulga teve ou vai ter.
Defeitos todos temos", disse o deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) ao
frear o processo contra o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho,
(PDT-SP), acusado de embolsar propina para liberar empréstimos do
BNDES. E o Conselho que ele preside é de Ética!

Nunca antes em 55 anos de sua história o BNDES teve seu nome associado
a uma quadrilha que, segundo a Polícia Federal, se apossava de
dinheiro de seus créditos cobrando propinas. Mesmo no sistema fechado
da ditadura militar, em que não havia fiscalização e tudo era
encoberto pelo regime de força, nunca houve registro de fraudes com
dinheiro público manejado pelo BNDES. Havia no banco uma espécie de
muralha humana de funcionários dedicados e capacitados a impedir que
prosperassem ou até fossem iniciadas ações mal-intencionadas de gente
de dentro e de fora do banco. E sua maior fonte de recursos, o Fundo
de Amparo do Trabalhador (FAT), sempre teve ali seu conselho
funcionando e integrado por dirigentes das centrais sindicais como
hoje. Mas os corruptos precisavam de um ambiente de abertura,
incentivo e tolerância com a corrupção para começar a agir. E isso o
governo Lula lhes deu.

Personagem central das investigações da Polícia Federal no BNDES, o
deputado e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva,
entendeu o sinal dado pelo governo e se animou a agir - em duas
frentes até onde se conhece: na intermediação de créditos do BNDES e
na liberação de verbas do Ministério do Trabalho para ONGs ligadas a
seu partido. Sua reação foi seguir o velho, batido e desacreditado
ritual dos acusados sem argumentos de defesa: "Sou vítima de
perseguição política de setores conservadores." Seria a Polícia
Federal?

Os afagos do presidente, a absolvição antecipada e incondicional dos
corruptos, a justificativa de que a corrupção sempre existirá como
barganha na divisão de poder na democracia dão força para eles agirem,
estimulam quem antes hesitava. É este o pior legado que o governo Lula
deixará para a presente e para as futuras gerações. Muito diferente do
que pregava quando era oposição e acusava todos os partidos de
corruptos avocando para si o monopólio da honestidade, ao assumir o
poder, o Partido dos Trabalhadores (PT) mostrou não que era igual a
todos, mas simplesmente o pior deles. Permitiu, usou e incentivou
práticas corruptas, ocupou cargos técnicos, outros estratégicos para a
proteção do Estado, com pessoas despreparadas, indicadas por partidos
aliados que levam para o governo a idéia de que ali estão para servir
ao seu partido político, não ao País.

A retomada da democracia brasileira é jovem, tem pouco mais de 20
anos, as instituições que a fortalecem e protegem ainda estão em
construção, ainda engatinha a definição de regras de autonomia e
independência de funções do Estado em relação ao governo. Nesse campo
as únicas instituições nas quais o presidente Lula respeitou a
autonomia foram a Polícia Federal e o Banco Central, e hoje colhe os
frutos de uma economia estável, próspera e em crescimento.

Mas maltratou as agências reguladoras, tornou-as submissas aos
ministros, minguou verbas para seu funcionamento e nomeou diretores
por indicação partidária, sem nenhum preparo técnico. Em todo o mundo
as agências existem para regular e fiscalizar serviços públicos e
proteger interesses dos seus usuários. No Brasil elas perderam
condições de exercer tal função. A Comissão de Ética do serviço
público, cuja função é garantir conduta ética de servidores e agentes
do Estado, foi desautorizada por Lula quando exigiu que o ministro do
Trabalho, Carlos Lupi, optasse entre a presidência do partido ou o
Ministério.

A era Lula será lembrada no futuro pela retomada do crescimento
econômico, pelos avanços na área social, mas também ridicularizada
pelos dólares na cueca, pelo mensalão, sanguessugas, aloprados, malas
de dinheiro, ONGs e intermediários avançando sobre o dinheiro público.
Será lembrada pelo estrago histórico causado pela desconstrução das
instituições que alicerçam a democracia.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-RJ.
E-mail: sucaldas@terra.com.br

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