Nestes primeiros cinco meses, a economia mundial entrou num processo
de acomodação que, tudo leva a crer, deverá prolongar-se até o fim do
ano. Ela encerra maio superando tensão e medo. Recuou, mas sem o
choque dramático da recessão que todos esperavam.
Na verdade, este é um fim de mês até feliz para todos. Nos EUA, o PIB
no trimestre cresceu não 0,6%, como se previa, mas 0,9%, afastando
ainda mais a recessão.
Afora a inflação, vai tudo bem, inclusive no Brasil. Ganhamos o
reconhecimento de mais uma agência de risco, a Fitch, o governo
anunciou que vai cortar US$ 13 bilhões de gastos para evitar pressão
na demanda e conter a inflação. Ainda é pouco, mas representa uma
significativa mudança do presidente. Ele sabe que cortar gastos e
aumentar juros é impopular e desagradável, mas necessários em momentos
de pique inflacionário, com as projeções mirando os 6%.
MEIRELLES ?ESQUERDISTA?
Mas tem eleição aí e uma delegação do PT foi perguntar ao presidente
do BC, Henrique Meirelles, como explicar o aumento dos juros aos
eleitores, pois está claro que vão subir novamente.Meirelles foi curto
e usou uma dose de ironia: expliquem que atacar a inflação com aumento
de juros é defendê-los, é fazer uma política de "esquerda" porque
protege o povo. Se o preço sobe, o eleitor tem de comprar menos ou
deixar de comprar produtos menos essenciais. Por exemplo: carne,
frutas, queijo, iogurtes. Mesmo um aumento do salário não adianta
porque não cobre a alta dos preços de 6% ou 20% no feijão com arroz.
E os juros, Meirelles? Ora, esse aumenta e pesa menos que os preços,
deve ter dito ele aos políticos atarantados. Esta é uma situação de
emergência que exige medidas de emergência.
NOS EUA E NO MUNDO
Também no mercado financeiro, foi um mês tranqüilo. Bolsas andando de
lado, equilibradas, e a nossa batendo recordes. Houve muito dinheiro
indo de um lado e indo para outro, mas a liqüidez permanece. Ninguém
está seriamente ameaçado de quebrar.
Mais importante: a economia americana continuou resistindo, o consumo
aumentou 0,2%, as empresas registraram lucros e a inflação permanece
estável, nos limites previstos pelo Fed. A preocupação maior continua
sendo o preço da energia, com o petróleo bailando em torno de US$ 130.
É serio porque a oferta continua apertada, a demanda mundial não
desacelerou. Mais ainda, em alguns meses as refinarias estarão
refazendo os estoques para enfrentar o inverno no fim do ano.
AS SAFRAS CHEGAM! E A FOME?
Ela continua aí, açoitando 30 países da África, da Ásia e do Caribe,
com a ONU socorrendo os famintos como pode. Ela ainda espera os
recursos suplementares que pediu, mas só chegam a conta-gotas. Nesta
semana, mais uma notícia que até poderia ser considerada positiva, se
houvesse mais sensibilidade dos países desenvolvidos.
O mundo vai ter em 2008/09 safra mundial recorde de trigo, de 650
milhões de toneladas, e muito boa de milho, de 763 milhões de
toneladas. Há bom tempo nos EUA, na Europa, na Índia e em todo lugar
as lavouras florescem. O Brasil, um dos maiores produtores, também com
recordes, está ajudando a alimentar o mundo. Nunca este País produziu,
consumiu e exportou tanto produto agrícola, e oferecendo, de sobra,
volumes crescentes de etanol.
MAS OS PREÇOS NÃO CAEM
A FAO, Organização da ONU para Alimentação e Agricultura, estima que
os preços continuarão altos ainda por mais 9 anos. Isso apesar das
boas safras. Há vários motivos, como o contínuo aumento da demanda, a
má distribuição e as distorções nos preços provocados pela fuga de
investidores das bolsas para os fundos de commodities, que movimentam
hoje U$ 260 bilhões, 20 vezes mais que em 2000. Um fator
preponderante, porém, é o protecionismo agrícola. O Congresso
americano acaba de rejeitar veto do presidente e aprovar subsídios de
US$ 290 bilhões para seus agricultores e a União Européia, mais de US$
75 bilhões.
Os 30 países mais ricos, que integram a Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico, oferecem subsídios agrícolas de,
acreditem, US$ 283 bilhões por ano. São dados oficiais deste ano.
Esses países jogaram no mercado um excesso de alimentos baratos,
desestimulando a produção em países menos desenvolvidos.Foi a "fase da
comida barata", que durou de 1900 a 2003. Eles eram até doados - o
Brasil recebeu no passado muito trigo de graça, num gesto de uma
generosidade relativa, pois tinham em vista não só ajudar, mas
desestimular a concorrência. Para os países receptores era mais fácil
receber de graça ou comprar por preços baixos do que produzir
internamente. Não deve ser à toa que só neste ano, com a explosão dos
preços,que o governo decidiu estimular a auto-suficiência em trigo.
PERDA DE US$ 100 BILHÕES
O Banco Mundial estima que as exportações subsidiadas pelos países
ricos provocaram uma perda anual de US$ 100 bilhões nos países pobres
e menos desenvolvidos. Essa era da comida barata acabou porque, em
parte, o consumo explodiu, há ainda grandes reservas de grãos, que
serão consideravelmente aumentadas com as novas safras, mas ela está
estocadas nos armazéns do governo. Eles podem fazer isso porque também
tiveram subsídios para estocar parte das safras.
É por isso que a ONU, com extrema coragem, afirma que o problema da
fome não é econômico, só de escassez de alimentos, mas político. A
brutal distorção é que a era da comida barata acabou, mas a dos
subsídios dos países ricos, não.