Ruy Fabianoblog Noblat 7/6
Um aspecto emblemático da atual crise – a da venda da Varig – é que a pergunta que se faz, dentro e fora do Congresso, não versa sobre a inocência ou não dos acusados. Pergunta-se apenas se vai ou não dar em alguma coisa. Já não se discute o conteúdo, mas o resultado. A tanto chegou o chamado relativismo moral do país.
A história é simples: a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, braço direito do presidente da República e sua candidata à sucessão presidencial, é acusada de estar no lugar errado, na hora errada fazendo a coisa errada. Isto é, intermediando indevidamente uma transação milionária, de venda de uma companhia aérea, a Varig, induzindo o Estado a práticas ilegais.
Quem a acusa é uma das personagens responsáveis por trâmites decisivos naquela transação: a então diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Denise Abreu.
Ela diz que Dilma fez pressão para que a Anac negligenciasse exigências fundamentais para a legalidade e transparência da transação: a verificação do lastro financeiro dos sócios brasileiros, postulantes à compra, consumada enfim nos termos duvidosos (segundo a denunciante) estabelecidos pela ministra.
A lei impõe que a participação societária de capital estrangeiro em empresas de aviação não pode ultrapassar 20%. O fundo norte-americano Matlin Patterson é o sócio estrangeiro, que está sob suspeita de ter nos sócios brasileiros meros laranjas.
Como não se aferiu a procedência do capital daqueles sócios – sequer se apurou se estavam quites com a Previdência Social -, a suspeita ganha consistência. No meio de todo esse tiroteio, há ingredientes sem dúvida explosivos, quais sejam a suposta participação de um compadre do presidente Lula, Roberto Teixeira, e de sua filha Valeska (afilhada do presidente), circulando como lobistas e pressionando dentro do Palácio do Planalto por decisões sumárias, que dispensem as formalidades da lei. A lei, ora a lei.
Até aqui, o que há são apenas denúncias. Mas não denúncias irrelevantes. Afinal, foram feitas por alguém que esteve presente em cada uma das etapas da transação – a ex-diretora Denise Abreu – e foram confirmadas na sua essência pelos demais diretores da Anac.
Trata-se de algo objetivo, em que cabem menos juízos de valor e mais esclarecimentos. Dados concretos. Documentos. Um deles: a procedência do capital dos sócios brasileiros e sua folha corrida. Ou seja, exatamente aquilo de que a ministra é acusada de ter dispensado. Ela e o governo deveriam ser os primeiros interessados em requerer essas informações. Não obstante, o que se tem, de imediato, é o mesmo circo de sempre.
O governo diz que é armação da oposição. E arma no Congresso a sua base para que blinde os envolvidos, sobretudo a ministra Dilma. Quem deveria ter mais interesse em que ela se explicasse era o próprio governo. Mas a base faz o contrário: luta para que ela não seja ouvida. CPI, nem pensar. A oposição faria um circo, dizem os governistas.
Não há dúvida de que a oposição – qualquer oposição – explora politicamente as falhas do governo, qualquer governo. Mas, se este está inocente, basta exibir os documentos, desmentir as denúncias. Contra fato não há argumento. Não investigar porque a oposição vai explorar é algo insustentável.
O caso é explosivo. Mas também o era o caso Valdomiro Diniz. Idem o Mensalão, o uso indevido dos cartões corporativos, o dossiê contra o ex-presidente Fernando Henrique. E nada disso deu em nada. Lula foi reeleito em meio às denúncias do Mensalão, dois meses depois de a OAB examinar seu impeachment e só não oferecê-lo em face da iminência das eleições. Mas não deixou barato.
Transformou aquela proposta em denúncia ao Ministério Público, que já a havia encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, mencionando a existência de uma quadrilha no seio do governo, comandada pelo então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, com o objetivo de lesar o Estado. Deu no quê? Em nada.
Daí a objetividade e procedência da pergunta que se faz neste momento, dentro e fora de Brasília: vai dar em alguma coisa? Provavelmente, não. Muito barulho, aumento do consumo de Lexotan e grampos eletrônicos, e vida que segue.
Como é óbvio, não foi o governo Lula que inventou a impunidade. Mas não há dúvida de que dela tira proveito com extrema naturalidade. O escândalo hoje é desprovido de espanto. É um escândalo de resultados. Ou por outra, sem resultados.