Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 07, 2008

Roberto Pompeu de Toledo


Obama: questões 
mais freqüentes

As razões do triunfo e o que esperar da 
"mudança" anunciada pelo candidato democrata

Aconteceu. Barack Obama é o candidato do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos. Tanto tempo durou a temporada das eleições primárias, e tanto tempo, por isso mesmo, ele permaneceu na vitrine, que sua presença no mais alto escalão do país situado no mais alto escalão do mundo até começou a parecer normal. Não é normal. Um negro com chance de ganhar a Presidência dos EUA é evento raro como o risco de um cometa no céu. É uma pirueta histórica, no país cuja crônica, até outro dia, incluía a proibição dos casamentos mistos, a Ku Klux Klan e os jardins públicos proibidos para negros e animais. Algumas questões que a ascensão de Obama suscita:

Ele ganhou porque é negro?

É o que acha Geraldine Ferraro, ex-deputada e ex-candidata a vice-presidente (em 1984). Ela afirmou, a certa altura das primárias, que Obama estava na frente por causa da cor de sua pele. Alguém achar isso é prova de algo esquisito no ar. O fato de ser negro em princípio não seria vantagem, mas, ao contrário, séria desvantagem. Geraldine Ferraro, que apoiava Hillary Clinton, com isso pretendeu desqualificar o adversário. Ele não teria qualidades pessoais para ser o candidato. Mas intrigante mesmo era a sugestão de que ser negro lhe impulsionava a candidatura.

Ou ganhou apesar de ser negro?

A biografia de Obama é um caso de vitória sobre suas circunstâncias. O pai era um negro do Quênia e a mãe uma americana branca. Divorciaram-se quando ele tinha 2 anos, e o pai lhe sumiu de vista. A mãe se casou com um indonésio e o arrastou, aos 6 anos, para a Indonésia. Aos 10 ele voltou ao Havaí, onde nascera, para viver com os avós maternos. A trajetória é sob medida para um futuro consumidor de crack e morador de rua. Em vez disso, ele se forma em Colúmbia e Harvard, elege-se aos 35 anos para o Legislativo estadual do Illinois, aos 43 para senador e aos 46 vira candidato a presidente. Obama triunfou na vida apesar de sua história, que inclui a desvantagem de ser negro, mas não se pode dizer que também a candidatura ganhou apesar de negro. Ser negro pode até ter ajudado.

Geraldine Ferraro tinha razão, então?

Tinha uma ponta de razão. Ela errou ao menosprezar as qualidades pessoais de Obama. Ele é inspirado orador, estudioso, persistente, audacioso a ponto de se jogar em busca da Presidência com escassos quatro anos de experiência na política federal e irradia um encanto pessoal como fazia muito não se via entre os políticos do país. Mas Geraldine Ferraro tem uma ponta de razão porque ser negro parece lhe acrescentar uma dose suplementar de charme. Se isso for verdade – e é o que se verá na fase da campanha que agora se inicia –, significará nada menos do que uma revolução copernicana. Em vez de maldição para um candidato, a cor negra terá virado um benefício; em vez de anátema, uma graça.

Faz sentido a comparação de Obama com John Kennedy?

Foi Portugal quem inventou o sebastianismo, mas são os EUA que nestes tempos mais o praticam. Desde o assassinato de Kennedy espera-se sua volta, na forma de alguém com as mesmas qualidades e/ou o mesmo simbolismo. De Michael Dukakis, derrotado em 1988, a Bill Clinton, vitorioso em 1992 e 1996, os democratas quiseram ver em seus candidatos a reedição do lendário eleito de 1960. Dom Sebastião não merece o sebastianismo dos portugueses. Segundo costuma lembrar o escritor Miguel Sousa Tavares, foi um rei desastroso, que levou o país a uma aventura militar da qual resultaram sua morte sem herdeiros e o sacrifício da soberania portuguesa em favor da Espanha. O sebastianismo americano também é discutível. Sob Kennedy deu-se a frustrada invasão da Baía dos Porcos e lançaram-se as sementes da Guerra do Vietnã. Mas ele tinha uma mística pessoal e encarnava uma idéia de renovação. Nesses pontos, Obama o retoma.

Como se deve entender a "mudança" ("change") prometida, em discursos e cartazes, na propaganda de Obama?

Não se deve entender. Como bom político, ele não a especifica. Como político melhor ainda, trabalha com simbolismos. Obama acena com duas ordens de superação na sociedade americana: a da polarização entre conservadores e liberais e a da questão racial. Com isso, em vez de se mover para a frente ou para trás, para a direita ou para a esquerda, move-se para cima. A mensagem é de união e congraçamento, uma mensagem e tanto, ainda mais que cada um pode imaginá-la segundo seus próprios termos. As idéias de promoção social, bem como os registros de sua atuação legislativa, colocam Obama no campo liberal. Isso prenuncia uma "mudança" que pode importar no enterro do pensamento conservador hegemônico desde os anos Reagan. A maior "mudança" de todas, no entanto, será a própria presença de um negro na Casa Branca, os braços negros apoiados na mesa do Salão Oval, a mão negra estendida aos visitantes estrangeiros, o dedo negro ao alcance dos comandos do dispositivo nuclear, o rosto negro reproduzido nas fotos e vídeos ao redor do planeta. É uma mudança de causar assombro, e passível de produzir efeitos mundo afora.

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