O GLOBO
Com o barril do petróleo batendo recordes sucessivos, podendo chegar a inacreditáveis US$ 150 ou US$ 200 nos próximos meses, surge um movimento liderado pelo senador Aloizio Mercadante para alterar a legislação sobre os royalties, que beneficiam principalmente o Rio de Janeiro, responsável por mais de 80% da produção de petróleo do país. Dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) revelam que no ano passado o Estado do Rio ficou com 84,5% dos royalties, enquanto os municípios fluminenses ficaram com 74,7% do total destinado a todos os municípios.
Apenas 11 prefeituras do Rio ficam com 60,5% do total distribuído aos municípios.
Esta receita, que chegou a R$ 14,67 bilhões em 2007, pode simplesmente dobrar apenas com a entrada em produção do novo campo de Tupi, que geraria outros R$ 14 bilhões em royalties por ano.
Se for confirmada a especulação de que a área do pré-sal teria até 70 bilhões de barris de petróleo, as reservas brasileiras, hoje de 14 bilhões de barris, seriam quase cinco vezes maiores, e também os royalties, que continuariam concentrados no Estado do Rio de Janeiro.
O tema é tão sensível que já teve início uma campanha, a partir do prefeito do Rio, Cesar Maia, atribuindo ao PT, partido de Mercadante, uma campanha contra o Rio de Janeiro.
O pagamento de royalties foi incluído na Constituição de 1988 como maneira de compensar estados e municípios impactados pela produção de petróleo, por sugestão do hoje senador Francisco Dornelles e do atual governador de São Paulo, José Serra, que trabalharam juntos na parte tributária da nova Constituição.
Serra carrega a fama de ser o mentor da lei que cobra o ICMS do petróleo no local de consumo, prejudicando os estados produtores, especialmente o Rio, o maior de todos. Mas a verdade é que não foi possível cobrar o ICMS na origem, como era a proposta da comissão, porque a maioria dos estados, importadores de petróleo e derivados e de energia elétrica, perderiam, por terem de pagar o ICMS que não pagavam antes da Constituinte.
Entre 1988 e 2001, a arrecadação do ICMS subiu no Rio de R$ 6 bilhões para R$ 9,8 bilhões, ou seja, um aumento real de 64,6%. As três novas fontes geradoras de ICMS criadas pela Constituinte — comunicações, combustíveis e energia elétrica — respondem por cerca de 46% da arrecadação no Rio, enquanto a média nacional é de 38% e a mesma participação em São Paulo é de 35%.
Em 70% dos municípios do Estado do Rio de Janeiro o ICMS é a maior receita, mas cresceu pouco nos últimos anos, devido ao fato de que a economia está cada vez mais dependente do petróleo.
Entre 2002 e 2006, o crescimento foi de apenas 6,1%, a menor taxa da Região Sudeste.
O Brasil cresceu 19,7% e o Sudeste, 17,2%. A comparação com alguns estados mostra como a economia do Rio está ficando para trás: no Espírito Santo, apesar de receber royalties de petróleo proporcionalmente até maiores que os do Rio, a arrecadação do ICMS cresceu 54,3%. A de Minas Gerais aumentou 31% e a de São Paulo, 14,2%.
Dos seis municípios que lideram o ranking do Rio de Janeiro em 2006, todos eles pertencem à Bacia Petrolífera de Campos e também constam na lista das 20 cidades de maior receita per capita no âmbito nacional. Portanto, falar em mudar a legislação dos royalties sem ser no bojo de uma reforma tributária, que estabeleça a cobrança do ICMS na origem, seria prejudicial às economias produtoras de petróleo.
A nova proposta para a reforma tributária, apresentada no Senado por Dornelles, juntou no Imposto de Valor Agregado (IVA) cinco ou seis impostos que têm praticamente a mesma base de cálculo: ICMS, IPI, Cofins, PIS-Pasep, Cide e outras taxas. Utilizando a sofisticação tecnológica que existe hoje, o projeto de Dornelles cria uma distribuição automática pelos bancos do IVA, que será repassado para o governo federal e para os estados, proporcionalmente.
O imposto único vai ser cobrado na origem, mas a parte dos estados vai ser distribuída por um Índice de Consumo, a ser criado pelo IBGE com base no consumo do último ano, e a apuração será feita todo ano, para gerar uma tabela correspondente ao que cada estado terá direito. Uma parcela caberá ao estado de origem sobre tudo e a parcela maior será distribuída pelo consumo, proporcionalmente.
Mesmo se houver a mudança na forma de cobrança dos impostos, restará ainda a discussão sobre a finalidade dos royalties. Mercadante quer criar um fundo para financiar pesquisas de fontes alternativas de energia, ações na área do meio ambiente e até mesmo ajudar a Previdência Social, baseado no fato de que, por ser um bem exaurível, o petróleo tem que ser usado para beneficiar as futuras gerações.
Com o mesmo argumento, os defensores dos royalties como compensação aos impactos pela exploração do petróleo acham que esse dinheiro tem que ajudar os municípios a prepararem seu futuro, quando o petróleo acabar.
O clientelismo que marca a política no Estado do Rio, no entanto, impede que esse futuro seja preparado em troca de vantagens imediatas.
Dados da Universidade Cândido Mendes e do Centro Federal de Educação Tecnológica de Campos mostram que os recursos provenientes dos royalties estão sendo desperdiçados pelas prefeituras, que, ao invés de investirem em obras de infra-estrutura ou de preservação do meio ambiente, gastam com a máquina pública.
O melhor exemplo da utilização virtuosa do dinheiro dos royalties é o município de Rio das Ostras, terceiro maior beneficiado, que investe cerca de 60% dos recursos e tem a maior renda per capita do estado: R$ 8.791, enquanto a média estadual é de R$ 1.269.
Em vez de tentar alterar a distribuição dos royalties, talvez fosse melhor o Congresso atrelar o dinheiro arrecadado à obrigatoriedade de investimentos sociais, como educação, saúde, saneamento e meio ambiente.
Entrevista:O Estado inteligente
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