Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 07, 2008

A nova medida para fugir dos riscos do diabetes

A nova medida dos diabéticos   

Baixar a 6,5% os níveis de hemoglobina glicada, proteína
que indica com precisão as taxas de açúcar no sangue,
é o ideal para diminuir os riscos trazidos pela doença


Anna Paula Buchalla

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Quadro: O que o estudo Advance mostrou

Nos últimos quarenta anos, com a divulgação de grandes estudos populacionais, a prevenção e o controle de diversas doenças mudaram drasticamente. O mais recente deles deve alterar o rumo do tratamento do diabetes tipo 2. O maior trabalho já feito sobre o distúrbio mostra que, quanto mais próximos da normalidade os níveis de glicose no sangue, maiores são os benefícios para o paciente. No trabalho conhecido como Advance, especialistas do George Institute, da Austrália, acompanharam 11140 diabéticos, de vinte países, ao longo de cinco anos. Os pesquisadores usaram como base de análise as taxas de hemoglobina glicada no sangue dos doentes. A hemoglobina glicada é uma proteína que indica com precisão a glicemia do paciente nos últimos três meses. Sua concentração varia de 4% a 6% nas pessoas saudáveis. Entre os portadores de diabetes tipo 2, o tratamento-padrão tem por objetivo atingir patamares entre 7% e 7,5%. No estudo australiano, porém, um grupo de doentes foi medicado de modo a reduzir tais níveis a 6,5%. Os resultados foram animadores: nesse patamar, diminuiu em 21% e 12%, respectivamente, o risco de problemas renais e de distúrbios cardiovasculares – duas das mais comuns e perigosas complicações causadas pela doença. "O estudo do George Institute representa um marco na mudança de conduta dos médicos", afirma o endocrinologista Leão Zagury, do Rio de Janeiro. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista científica The New England Journal of Medicine e apresentados no congresso da Associação Americana de Diabetes, realizado na semana passada, em São Francisco, nos Estados Unidos.

A meta do tratamento do diabetes tipo 2 mantinha-se distante dos parâmetros considerados normais por um único motivo. "Os médicos tinham medo de que, se as taxas de glicose no sangue baixassem demais, o paciente entrasse em hipoglicemia", diz o endocrinologista Freddy Eliaschewitz, de São Paulo. Em situações extremas, a queda drástica de glicose no sangue pode levar a convulsões e a perda de consciência. Na pesquisa do George Institute, entre os pacientes tratados com mais rigidez, os casos de hipoglicemia foram irrelevantes do ponto de vista estatístico. Isso, segundo os especialistas, se deveu principalmente ao uso de uma sulfoniluréia de última geração, a glicazida. Utilizadas no tratamento do diabetes desde meados da década de 50, as sulfoniluréias estimulam a liberação de insulina pelo pâncreas. A vantagem da glicazida em relação a suas antecessoras é que ela pode ser usada por mais tempo sem sobrecarregar o órgão. Além disso, as sulfoniluréias são remédios de baixo custo para o paciente.

Os níveis de hemoglobina glicada entre 7% e 7,5% foram definidos como os mais seguros para os diabéticos na década de 90, com base no maior estudo feito até então. Esses parâmetros, porém, sempre foram questionados. Os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, por exemplo, iniciaram em 2004 uma ampla pesquisa para avaliar o impacto da redução da hemoglobina glicada a níveis inferiores a 6% na prevenção de doenças cardiovasculares entre diabéticos. O trabalho teve de ser interrompido em fevereiro passado, dezoito meses antes do previsto, porque houve um aumento expressivo de mortes por problemas cardíacos no grupo de pacientes submetido ao corte drástico dos níveis de açúcar no sangue. Uma das diferenças entre o trabalho americano e o australiano é que o primeiro contava com a participação de pacientes de altíssimo risco cardiovascular – o que pode ter comprometido o seu resultado, na avaliação dos endocrinologistas. A outra é que o estudo do George Institute não pretendeu atingir patamares demasiado baixos – e neuróticos – de hemoglobina glicada. De agora em diante, portanto, 6,5% é o índice ideal.

 

"Diabetes tipo 3"

Além do pâncreas, outros órgãos estão envolvidos na regulação dos níveis de açúcar no sangue. Um deles, em particular, tem sido alvo de investigações exaustivas nas últimas duas décadas: o cérebro. As células neurais, já se sabe, têm um papel importante na produção do hormônio insulina e na estocagem de açúcar no sangue. Atualmente, os pesquisadores analisam a relação desse hormônio com o aparecimento de doenças neurológicas. Alterações nos níveis de insulina no cérebro passaram a ser associadas a distúrbios neurodegenerativos, como Alzheimer, Parkinson e Huntington. Isso porque o hormônio é fundamental nas funções de cognição e memória. "Em estudos com pacientes que usaram um spray nasal contendo insulina, houve uma melhora imediata nessas funções cerebrais", diz o endocrinologista Freddy Eliaschewitz.

Um estudo da Universidade Brown, nos Estados Unidos, comparou os níveis de insulina no cérebro de pessoas saudáveis com os de pacientes com Alzheimer. O hormônio era quatro vezes mais abundante nas áreas associadas a aprendizado e memória no grupo das saudáveis. Elas também apresentavam dez vezes mais receptores de insulina no cérebro. Outras pesquisas mostram que as vítimas de diabetes são duas vezes mais propensas a desenvolver o distúrbio. Por causa da relação tão estreita, alguns médicos já se referem ao Alzheimer como "diabetes tipo 3". A falta de insulina também foi detectada entre doentes de Parkinson e Huntington. Por causa disso, pelo menos metade das vítimas de Parkinson tem níveis de glicose alterados. Não há ainda uma resposta definitiva sobre os mecanismos pelos quais a insulina altera o funcionamento do cérebro. Uma das hipóteses é que a deficiência do hormônio resultaria na produção de placas tóxicas de proteína na região cerebral e, conseqüentemente, na morte de neurônios.

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