Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 15, 2008

Não basta ter dinheiro

Sergio Fausto

O Brasil está se tornando um país mais rico, se não a passos chineses, ao menos em ritmo mais acelerado do que foi possível ao longo das décadas de 80 e 90. De quem são os méritos pelo crescimento mais acelerado - se deste ou do governo anterior - é uma questão aberta à disputa política. Não é esse, porém, o ponto deste artigo.

Independentemente de quem tenha a maior parte dos méritos, questão que à maioria das pessoas interessa pouco, há um consenso relativamente estabelecido de que forças estruturais conspiram a nosso favor. Em especial uma alta demanda global por bens dos quais somos produtores competitivos, principalmente commodities agropecuárias, minerais e agora, com impulso cada vez maior e perspectivas cada vez melhores, energéticas (etanol e petróleo).

As recentes descobertas da Petrobrás no litoral sudeste do País, em águas ultraprofundas, reforçam as percepções positivas sobre a evolução futura de nossa economia. As estimativas sobre as reservas de petróleo dos Campos de Tupi, Júpiter e Carioca apontam para um aumento de duas a três vezes do total de reservas petrolíferas do País. Os recursos fiscais potencialmente decorrentes da exploração desses campos, no prazo de 10 a 15 anos, poderão representar um acréscimo de receitas públicas bastante superiores às que se obtinham com a CPMF. Não menores serão as oportunidades para o investimento privado, seja na exploração, se não houver retrocessos no regime regulatório, seja nas múltiplas atividades industriais e de serviços ligadas à produção de petróleo.

Digo tudo isso para concluir que a disponibilidade de recursos fiscais e externos deixou de ser, ao que tudo indica, uma restrição fundamental ao crescimento da nossa economia. E que o valor atribuído às nossas riquezas economicamente exploráveis cresceu significativamente.

Um país mais rico, muito bem. Quem não quer? A questão é se, além de um país mais rico, seremos uma sociedade melhor e mais justa. Isso depende menos da nossa "guerra" para abrir mercados para nossos produtos no exterior, como o etanol, o que é, sem dúvida, muito importante, e mais da nossa capacidade de combater os nossos próprios inimigos internos: a desorganização do Estado, a desmoralização da vida política, a dificuldade de fazer valer o império da lei.

A literatura sobre desenvolvimento político mostra que a corrupção tende a aumentar onde e quando a riqueza pública e privada aumenta sem que, ao mesmo tempo, as instituições jurídicas e políticas se fortaleçam. E mais ainda se, além de instituições insuficientemente fortes para regular e controlar a alocação e distribuição dessas "novas riquezas", se tem um Estado que amplia a sua intervenção na vida econômica e social de modo discricionário, ou seja, ao gosto dos governos de turno, e não sob o crivo de normas claras.

Foi assim nos Estados Unidos dos "robber barons" (os barões ladrões das concessões de estrada de ferro e outros negócios de infra-estrutura, entre o final do século 19 e o começo do século 20). Continua a ser assim na Rússia de hoje, embora os beneficiários do poder tenham sido uns com Yeltsin (os oligarcas que fizeram fortunas com as privatizações "selvagens") e outros com Putin (os silovikis, membros das forças de segurança, e seus aliados).

A sociedade norte-americana conseguiu, ao longo da primeira metade do século 20, criar ou fortalecer instituições que demarcaram com maior nitidez o terreno do legal e do ilegal nos negócios públicos, nos negócios privados e na intercessão de ambos, um processo que não termina nunca, como se viu agora com a marcha à ré da dupla Bush-Cheney e os escândalos corporativos, como o da Enron.

O Brasil não é os Estados Unidos no final do século 19, começo do século 20. É um país institucionalmente mais desenvolvido do que eram os Estados Unidos de então. Ainda assim, os sinais são preocupantes: a associação entre política, negócios e, não raro, negócios ilícitos, com ramificações criminosas, assusta pela freqüência, extensão e profundidade.

A boa notícia é que o sistema imunológico da sociedade brasileira - instituições construídas ou fortalecidas ao longo dos últimos 20 anos, como o Ministério Público e a Polícia Federal - começa a reagir. Falta dar conseqüência prática cabal a essas iniciativas, o que passa por aperfeiçoamentos na legislação penal, no que também não estamos parados. Dos governos se espera que não passem a mão na cabeça de "aloprados", que respeitem a autonomia das agências regulatórias e não se metam a fazer ou facilitar negócios em nome do interesse público. Dos partidos, que façam seleção mais criteriosa de seus candidatos e punam os "seus" quando for o caso. Do Congresso, a mesma coisa, quanto à punição.

Da sociedade, em especial da chamada elite, se espera o rechaço a condutas ilegais. Não é essa a nossa tradição. Desconhecemos a noção de vergonha tão presente nas sociedades asiáticas, a ponto de levar executivos e políticos flagrados em corrupção a cometer atos de suicídio ou de contrição pública. Desconhecemos também a noção de culpa perante Deus e a comunidade, presente no protestantismo e reforçada pelo regramento jurídico em países anglo-saxões, como os Estados Unidos. A falta de "tradição" não é, porém, desculpa nem obstáculo.

Pregação moralista? Não. A corrupção não é "apenas" uma questão moral. Ela desvia recursos de atividades economicamente mais produtivas, cria incentivos a comportamentos oportunistas e é concentradora de renda. Além disso, quando não coibida, por premiar a "esperteza" e desmoralizar a universalidade das leis, destrói a legitimidade da democracia e a própria noção de justiça, sem as quais não pode haver "boa sociedade".

Mais recursos teremos. Saberemos utilizá-los bem?

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