Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 15, 2008

Iniciativa demagógica

O Estado de S. Paulo EDITORIAL,
No mesmo dia em que o presidente Lula voltou a criticar o fim da CPMF e a defender a criação de uma nova contribuição para a saúde, alegando que o governo não dispõe de recursos suficientes para manter a rede hospitalar, comprar equipamentos mais modernos e promover o que chamou de "revolução" no setor, a Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação anunciou a criação de uma universidade internacional, custeada pelos cofres públicos, para atender aos países de língua portuguesa. É o jeito petista de governar: para o que é essencial, não há recursos; para iniciativas vistosas, de utilidade mais que duvidosa, o dinheiro sobra.

A decisão de criar essa universidade, que já havia sido comunicada pelo presidente Lula a vários chefes de Estado durante a conferência de cúpula da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), realizada em Roma há duas semanas, foi justificada em nome da política de integração do País com países menos desenvolvidos, especialmente os da África. A instituição deverá ficar a 60 quilômetros de Fortaleza, em Redenção, cidade que teria sido a primeira a abolir a escravatura - os registros históricos sobre o fato são confusos. A idéia é que o governo cearense ofereça o terreno, cabendo à União a responsabilidade pela construção do câmpus, pela contratação dos professores e pelas despesas de custeio.

Esta será a segunda instituição de ensino superior criada pelo governo Lula com a mesma finalidade. A primeira, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), foi anunciada em dezembro de 2007. Com um orçamento anual estimado de R$ 135,9 milhões e a previsão de receber 10 mil alunos, que terão aulas em espanhol e português dadas por 500 professores a serem recrutados entre os países membros do Mercosul, ela será instalada em Foz do Iguaçu, na fronteira com a Argentina e o Paraguai.

Chamada provisoriamente de Universidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (UniCPLP), a segunda instituição deverá contar com 250 professores brasileiros e africanos e 10 mil alunos. E o governo tem pressa: quer colocar a UniCPLP em funcionamento até 2010 - último ano do segundo mandato do presidente Lula -, com alunos selecionados em 2009. A idéia é escolher metade do corpo discente no Brasil e a outra metade em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Porto Príncipe, Timor Leste e Portugal.

Os quatro primeiros cursos de graduação a serem oferecidos pela UniCPLP serão de pedagogia, agronomia, administração e ciências da saúde. São áreas nas quais os países africanos têm maior interesse, segundo o professor Ronaldo Mota, secretário de Ensino Superior do MEC, e que são objeto de vários acordos de cooperação firmados pelo Brasil. Apesar da pressa, as medidas essenciais - como dotações orçamentárias - para a instalação da UniCPLP e o funcionamento desses quatro cursos até agora não foram sequer definidas.

Por exemplo, quem pagará a passagem dos estudantes africanos e financiará seus gastos com moradia, alimentação e assistência? Os países africanos ou o governo brasileiro? Quais serão os critérios para contratação dos professores estrangeiros? Eles serão escolhidos por concurso ou serão indicados livremente, o que pode levar a meritocracia acadêmica a ser substituída por critérios ideológicos ou pelo empreguismo de "companheiros"? Também não se sabe se os países africanos terão liberdade para escolher os estudantes que freqüentarão a universidade ou se a UniCPLP terá um processo seletivo unificado, para assegurar um padrão mínimo de homogeneidade na formação dos alunos.

Como se vê, a criação da UniCPLP é mais uma iniciativa demagógica do governo que, além de não produzir resultados práticos, desperdiça recursos escassos que poderiam ser melhor aplicados no ensino fundamental ou em saúde. Se o governo não estivesse preocupado em fabricar factóides para dar aparência de dinamismo a alguns aspectos da política externa petista, se limitaria a ampliar o número de bolsas de estudos que há décadas são concedidas a estudantes africanos nas universidades brasileiras. Seria mais barato para o contribuinte e mais útil para o desenvolvimento daqueles países.

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