Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 09, 2008

Mônica Bergamo-SHOPPING CHINA

FOLHA DE S PAULO
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Janek Zdzarski Jr/Folha Imagem

Pei Meng, 25, que há um mês comprou seu primeiro carro: mais dinheiro e "tchau à bicicleta"

Shopping China

Acostumados aos rigores do comunismo por décadas, os pequineses vão às compras e fazem de grandes lojas pontos de encontro, onde namoram nos sofás à venda, jogam cartas nas mesas de jantar e até tiram uma soneca nas camas do showroom.
Por Raul Juste Lores, de Pequim


Crianças, eles são chamados de "pequenos imperadores". Mas quando se tornam adultos é que os jovens chineses dirigem a expansão do país. A geração abaixo dos 30 anos de idade só viveu sob a abertura e o crescimento econômicos de 10% ao ano, sem ter sofrido a penúria dos tempos comunistas.

 

Essa juventude urbana arregaçou as mangas para doar sangue e ser voluntária nos resgates do terremoto em Sichuan e liderou as campanhas nacionalistas contra qualquer crítica à Olimpíada de Pequim. "Provavelmente é a juventude mais otimista do mundo", diz o consultor de empresas Shaun Rein, de Xangai. E gosta de comprar.

 

Enquanto a taxa de poupança para quem tem mais de 50 anos é de 45%, entre os que têm menos de 30 anos é zero. "É a geração do filho único. Têm quatro avós e dois pais mimando o tempo inteiro e nunca passaram necessidade", diz. Mesmo com salários equivalentes a R$ 1.000, eles não se preocupam com casa ou comida.

 

Sobra dinheiro, por exemplo, para o carro novo. Em 2000, eram 6 milhões de automóveis de passeio no país. Hoje são quase 30 milhões. Só no ano passado foram vendidos 9 milhões de carros - uma vez e meia toda a frota da cidade de São Paulo -, sendo que 4/5 dos veículos foram comprados por motoristas de primeira viagem. Como Pei Xiao Meng, 25, que há um mês comprou seu primeiro carro, um Mazda vermelho, por 110 mil yuans (R$ 27 mil). Os pais ajudaram na compra. "Meu pai foi a primeira pessoa da família a ter um carro", diz ela. "Foi em 1993. Quase ninguém tinha. Vinham parentes de outras cidades, amigos e vizinhos pedir carona para ir até a Muralha só para passear no carro", lembra. "Quando as pessoas começam a ganhar um pouco mais de dinheiro, dão tchau à bicicleta. Todo mundo vai querer um carro, é mais eficiente", diz. Engenheira eletrônica, Pei hoje trabalha com marketing cultural. Conduz o carro bem devagar e não fala enquanto dirige, como muitos chineses recém-chegados ao volante. "Preciso me concentrar."

 

Cerca de 310 mil famílias chinesas, ou 0,1% do total, têm patrimônio superior a US$ 1 milhão, segundo o Boston Consulting Group. E detêm 41% da riqueza no país. Essa minoria é cobiçada pelas grandes marcas de luxo internacionais.

 

No país há 17 lojas da Louis Vuitton, 15 lojas da Gucci, 11 concessionárias da Porsche (que vendeu 5.000 carros no ano passado), quatro Marc Jacobs, três da Chanel, oito Prada e sete da Bentley. A rede de produtos gourmet mais sofisticada da França, Fauchon, abriu loja de três andares em um shopping center de Pequim, onde oferece suas tortas, pães e impossíveis iguarias.

 

Há dez anos, Pequim tinha um comércio bastante acanhado, com poucos supermercados e shoppings - hoje são 87 shoppings na cidade, mais que em São Paulo.

 

A universitária Yu Na, 23, é guia de turismo e cuida de crianças nas horas vagas. Gasta tudo o que ganha em roupas e "brinquedinhos eletrônicos", como ela chama o laptop, o MP4 e o celular. "A geração dos meus pais tinha que comprar comida com cupons, passou muita pobreza. Mas eu nunca vivi isso. Não economizo nada." Neste ano, 11 milhões de laptops e 90 milhões de celulares serão vendidos no país (que já tem 575 milhões de aparelhos móveis). Yu está terminando seu mestrado em alemão. "Pretendo trabalhar em uma empresa alemã na China. Antes eu precisaria ir para o exterior buscar um bom emprego, mas hoje as oportunidades estão aqui." Por ser a melhor aluna do curso, foi dispensada de pagar a anuidade de 8.000 yuans (R$ 2.000) na universidade pública onde estuda. "Sobrou mais para gastar."

 

Como os salários chineses ainda são baixos, muitas jovens como Yu vivem nos shoppings olhando as grandes marcas. Mas, na hora de fazer compras, fica difícil comprar a bolsa Gucci de US$ 1.000. Falsificações das grandes marcas estão em grandes mercados onipresentes nas cidades chinesas, e neles uma Gucci pirata sai por menos de R$ 100. "Prefiro fazer compras na Zara, na Mango e na H&M", diz Yu.

 

Com 43 mil m2, a maior loja do mundo da rede sueca de utilidades domésticas Ikea fora da Suécia fica em Pequim. A loja, que está para a decoração como a Zara está para a moda, levando design para as massas, virou ponto de encontro na capital chinesa. Acostumados aos rigores do comunismo por décadas, os pequineses namoram nos sofás à venda, jogam cartas nas salas de jantar e, prova máxima de intimidade com a loja, aproveitam para tirar uma soneca nas camas do showroom. Alguns até se cobrem com o edredom. Os vendedores nem ligam para os atrevimentos.

 

O otimismo também chega a quem passou tempos mais difíceis, como o professor Liu Dewei, 52. "Sou muito confiante com meu país, então gasto como se fosse um jovem." Ele vai comprar uma TV de plasma para assistir à Olimpíada de Pequim - 10 milhões de aparelhos de tela plana serão vendidos neste ano. "Está impossível de se conseguir ingressos, então vou assistir em casa."

 

A chamada classe média chinesa tem 250 milhões de consumidores, que ganham entre R$ 750 e R$ 1.700. O poder de compra com esse dinheiro é maior que no Brasil, pois a China paga salários inferiores a R$ 200 aos operários na linha de montagem - as manufaturas ficam bem mais baratas para quem pode comprar. A China tem 1,4 bilhão de habitantes - 800 milhões deles muito pobres, que não estão participando da festa do consumo.

 

Na quarta-feira, 4, foi o aniversário dos 19 anos do massacre na praça Tiananmen (da Paz Celestial), quando pelo menos 3.000 jovens foram mortos pelo exército ao protestar por democracia. O assunto desapareceu da boca da nova geração.

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