Caso Varig se identifica com a compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar, outro exemplo de promiscuidade |
DENISE ABREU , a ex-diretora da Anac que acusa a ministra Dilma Rousseff de ingerência descabida na venda da Varig, não é pessoa indicada para fazer acusações e denúncias. Seu repentino aparecimento, depois de meses inalcançável até pela Justiça, sugere que adota agora mais um subterfúgio de defesa do que disposição de revelações, retardatárias embora. Apesar disso, ao menos dois motivos tornam necessária e, sobretudo, oportuna a retomada do assunto Varig para investigações.
Desde que caracterizado o problema Varig até agora, esse percurso esteve e continua envolto em nebulosidades encobridoras de interesses, lutas e manobras ampliadas no governo Fernando Henrique e agravadas no de Lula. Procedentes, inclusive, de pretensões do regionalismo paulista. A parte visível da venda da empresa foi devida ao juiz Luiz Roberto Ayoub, que desatou complicados nós para dar viabilidade judicial à transferência de controle, fosse qual fosse. Já a nebulosidade, tão maior, conviria esgarçá-la para dar idéia de como cresce, e age, a promiscuidade entre administração pública e negócios privados.
O outro motivo, o da oportunidade para investigações, é a identificação do caso Varig com outro exemplo da promiscuidade, muito mais grave e, no entanto, em transcurso sem incômodo nestes dias. É a armação de compra da Brasil Telecom pela Oi/ Telemar, por intermédio de violências administrativas do governo Lula contra lei em vigor -para não falar da imensa imoralidade implícita na junção de ilegalidade e favorecimento. É improvável que se encontre, na histórica improbidade administrativa brasileira, articulação mais cínica entre governo como instrumento e negócios privados.
Os dois casos expõem a prepotência com que o governo a tudo atropela, sob a indiferença generalizada dos que poderiam reagir em defesa da sociedade. Já é mesmo um modo de ser, tanto do governo como dos demais. A Denise Abreu agora com pose de acusadora levou seus métodos atrabiliários, na Agência Nacional de Aviação Civil, até à interferência no Judiciário, com documento dado como fraudulento, para impor sua vontade temerária depois do acidente em Congonhas. Na CPI que se seguiu, Denise Abreu provocou reações enérgicas, com as tantas horas consumidas para ludibriar as indagações sobre seus atos, inclusive de brutalidades contra parentes de vítimas do desastre. Sem conseqüência.
Será surpreendente saber que Dilma Rousseff, capaz de reconhecidas atitudes autoritárias quase como norma, cometeu também alguma imposição ilegal ou antiética sob a nebulosidade do caso Varig. Mas o não esperado é insuficiente para dispensar as investigações de que Dilma Rousseff deve ser, no máximo, um pretexto ou uma parte. À volta há muito mais.
Antes de Dilma ministra, já o dispositivo da Presidência estava comprometido com circunstâncias, muitas vezes por omissão intencional, favoráveis a pretendidos finais do tormento da Varig. Daquele para o caso atual, o das telefônicas, o que houve foi uma evolução natural, proporcionada pela indiferença circundante: não é mais necessária a nebulosidade protetora, tudo pode ser às claras.
Apesar da proibição legal de compra de uma das telefônicas por outra, a Oi/Telemar decide comprar a Brasil Telecom, para ficar, na prática, com o monopólio da telefonia fixa e outros balangandãs de alto lucro. E a lei proibitiva? Fácil: a própria Presidência da República entra na jogada com o favorecimento da mudança da lei por ordem ou ato de Lula. O ministro das Comunicações era contra o negócio, deixa de sê-lo. Dinheiro? Lula quer o BNDES, por meio do Banespar, dando o suporte para a compra. Feita por cerca de R$ 5,5 bilhões. Mas como um dos sócios compradores é sócio também de um Lula-filho, o envolvimento direto do Lula-pai pode dar em bode público. O presidente da Anatel, a agência agora desreguladora da telefonia, Ronaldo Sardenberg, se incumbe de entrar na transa com uma cobertura para Lula-pai: um pedido de mudança da lei.
Lula tem uma explicação para o novo produto da promiscuidade: "O Brasil precisa de uma grande empresa para entrar na telefonia em outros países do mundo". Essa não é para o Brasil, nem remotamente, uma necessidade ou uma vantagem. E, se verdadeira, bastaria uma providência simples, comum, legal e decente: as duas, ou mais empresas, associarem-se para operações no exterior.