Mais importante que as conseqüências da ruptura do acordo com o PMDB na corrida para a prefeitura do Rio é analisar o significado da postura política do PT nas relações partidárias para a montagem de alianças políticas. Quem viu o programa de propaganda política do PT na televisão, na noite de quintafeira, teve uma boa idéia do que será a campanha eleitoral do partido nas eleições municipais e, sobretudo, na sucessão de Lula. Ancorado na alta popularidade do presidente, o PT parece convencido de que essa lua-de-mel com o eleitor durará até 2010, e se prepara para assumir sozinho os louros das conquistas sociais do governo Lula.
Não se espera que um partido político vá fazer sua propaganda eleitoral com elogios a outros partidos, mesmo que aliados. Mas, juntandose o tom orgulhoso de “ser petista” do programa oficial com a intransigência que o partido vem demonstrando por todo o país nas negociações de alianças, fica desenhado o desejo de exercer a hegemonia política a reboque da figura de Lula, mesmo que o próprio preferisse uma atuação menos intransigente, que permitisse manter viva a ampla aliança partidária que montou no Congresso.
E até ampliada, como seria o caso de Belo Horizonte, onde o partido, mesmo sem condições de vencer a eleição para prefeito da capital mineiro, rejeita o apoio do governador Aécio Neves, oficialmente por representar “a política neoliberal”, na verdade por ser um possível candidato do PSDB nas eleições presidenciais de 2010.
Uma decisão que tem semelhança com um erro ocorrido no século passado, há muitos anos, portanto, tantos que já dava para terem aprendido. Na eleição presidencial de 1989, que perdeu para Fernando Collor, Lula recusou o apoio do PMDB do deputado Ulysses Guimarães, que acabara de presidir a “Constituinte Cidadã”, porque o PT o considerava “liberal demais”. Lula já reconheceu esse erro político publicamente, mas o PT insiste em repeti-lo.
No caso do Rio, onde também o PMDB do governador Sérgio Cabral estava abrindo mão da cabeça de chapa para apoiar um candidato do PT, o partido não se deu por satisfeito e avançou sobre redutos eleitorais peemedebistas, revelando todo o apetite eleitoral que voltou a ter.
Na eleição municipal de 2004, antes, portanto, da crise do mensalão, o PT já demonstrara esse “apetite pantagruélico”, como definiu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Embora o PT tenha feito o maior número de votos naquela ocasião, com um crescimento de 37% em relação à eleição de 2000, e ter sido o partido que mais cresceu, as estatísticas municipais mostram a continuidade do PMDB como o partido com maior número de prefeituras, exatamente 1308.
Em vez de se unir ao PMDB, como é o sonho político do presidente Lula para garantir a eleição de um sucessor, o PT parece querer impor sua força política aos partidos aliados do governo, na esperança de que a era pós-Lula será dominada pela máquina partidária petista, que assim superaria a falta do grande líder que sempre esteve presente nas eleições que o partido disputou desde 1989.
No plano estritamente municipal, a escolha de Eduardo Paes como o candidato do PMDB traz embutida a tentativa de montar também uma máquina partidária eficiente na capital, que é dominada pelo grupo do prefeito Cesar Maia desde 1993, não tendo perdido a influência nem mesmo durante o período em que Luiz Paulo Conde, eleito por ele, rompeu os laços que os uniam.
Eduardo Paes vem da escola de Cesar Maia, tendo sido subprefeito e subido na hierarquia do grupo, absorvendo todos os truques políticos de controle da máquina partidária. Se vitorioso, terá todas as condições de manter em funcionamento a máquina da prefeitura, passando o controle partidário para o PMDB, tornando-se uma espécie de “herdeiro político”, mesmo sem o consentimento do testador.
O candidato do PSOL, deputado federal Chico Alencar, no entanto, acha que uma das possíveis conseqüências dessa mudança na corrida sucessória de Cesar Maia é a r e t o m a d a d a a l i a n ç a DEM/PMDB, desta vez com o candidato peemedebista na cabeça. Segundo Chico Alencar, “Cesar atira, nos bastidores, ‘gatos e sapatos’ sobre Paes, seu ex-pupilo, mas é outro cacique que não tem qualquer dificuldade para mudar de posição sem maiores explicações.” Citando uma definição do velho comunista Astrogildo Pereira, segundo quem o povo carioca “é de um oposicionismo corrosivo e destrambelhado”, Chico Alencar diz que não é possível afirmar hoje que o “bispo licenciado” Marcelo Crivella irá para o segundo turno, já que as pesquisas mostram que 70% dos consultados, em média, não têm candidato escolhido.
Ele se considera na disputa no mesmo patamar dos candidatos apontados aqui com brigando pelo segundo lugar: Jandira Feghali, do PCdoB; Fernando Gabeira, do PV-PSDB-PPS; e Solange Amaral, do DEM.
Alencar pretende atacar durante a campanha essas mudanças de alianças partidárias, “sem programas ou objetivos”, denunciandoas como política meramente fisiológica, e diz que essas mudanças só provam que “grandes partidos fazem política pequena”.
Confirmada a candidatura de Eduardo Paes, perderá espaço político o candidato do PT, Alessandro Molon que, na análise de seu adversário Chico Alencar, “agora, neste amargo regresso para o lar petista, vai carregar a pecha de um ‘regenerado’ que, quando lhe foi oferecida a oportunidade, caiu na ‘gandaia política’.” O fato é que mais uma reviravolta no quadro político da sucessão de uma das mais importantes capitais do país pode ter reflexos nas composições partidárias para a sucessão de 2010. E mais uma vez o PT se distancia de Lula em seu projeto de poder.