Quando seu pai morreu, Aquilino Flores tinha 12 anos e sabia que em
sua terra, Huancavelica, um dos departamentos mais pobres da serra
peruana, seu o futuro só seria de insegurança e fome, que conhecia
desde que nasceu.
Então, como milhares de conterrâneos, ele emigrou para Lima. Ali,
começou a ganhar a vida lavando carros nos arredores do Mercado
Central. Era um rapaz simpático e trabalhador e, um dia, o
proprietário de um dos carros propôs que ele vendesse algumas camisas
pólo que fabricava informalmente. Deu a Aquilino 20 peças e disse que
podia ficar com elas o tempo que precisasse. Mas, num único dia,
Aquilino vendeu as 20 peças. E, assim, antes de chegar à adolescência,
ele passou de lavador de carros a vendedor ambulante de roupa no
centro da Lima colonial.
Aquilino tinha pouca instrução, mas era esforçado, inteligente e com
uma intuição quase milagrosa para identificar o gosto do público
consumidor. Um dia perguntou ao seu fornecedor de camisas se podia
confeccioná-las com estampas coloridas, que eram as preferidas de seus
clientes. Como o fornecedor não fabricava roupas estampadas, Aquilino
subcontratou o serviço de um tintureiro, também na informalidade, para
acrescentar algumas estampas e imagens nas camisas que vendia. Às
vezes ele próprio sugeria os desenhos e cores.
Como o negócio ia bem, Aquilino trouxe de Huancavelica seus irmãos
Manuel, Carlos, Marcos e Armando para trabalhar com ele. De vendedores
ambulantes passaram depois a comerciantes estáveis no Mercado Central.
Para conseguir os melhores locais no Mercado, chegavam ao local às
4h30 e não se mexiam dali até o anoitecer.
De intermediários e vendedores, eles se tornaram produtores. Começaram
com uma máquina de costura em uma garagem, depois outra, outra e
muitas mais.
O grande salto do negócio artesanal de Aquilino Flores começou no dia
em que um comerciante de Desaguadero, cidade fronteiriça entre o Peru
e a Bolívia, paraíso do contrabando e da economia informal, lhe fez um
pedido de US$ 10 mil de camisas com estampas coloridas. Aquilino quase
desmaiou. Mas nunca recusava um desafio e aceitou a proposta.
Imediatamente, subcontratou todas as oficinas de confecção do bairro
e, trabalhando a um ritmo veloz, chegou a entregar os US$ 10 mil de
camisas pólo no prazo combinado. Desde aí, a família Flores
dedicou-se, além de vender, a produzir roupas para os peruanos de
baixa renda e distribuir suas mercadorias não só em Lima, mas também
nas províncias, e a exportá-las para o exterior.
Quarenta anos depois de sua chegada a Lima com uma mão atrás e outra
na frente, o ex-lavador de carros e ex-camelô é proprietário da Topy
Top, a mais importante empresa têxtil do Peru, com vendas anuais de
mais de US$ 100 milhões, e dá emprego direto a cerca de 5 mil pessoas
(dois terços delas são mulheres) e indireto a umas 30 mil.
Possui cinco entrepostos no Peru, três na Venezuela e várias fábricas
e um próspero sistema de cartões de crédito para o consumo em
sociedade com um banco local.
Continua um homem simples, orgulhoso de suas origens humildes, que
trabalha sempre 12 horas por dia e sete dias da semana. Seus filhos,
ao contrário dele, estudaram nas melhores universidades e contribuíram
como profissionais para a formalização e modernização de suas
empresas, um modelo no gênero, e não só no Peru.
Todos esses dados sobre Aquilino Flores e a Topy Top eu obtive de um
penetrante estudo do economista Daniel Córdova e uma equipe de
colaboradores, que consta de um livro recém-publicado nos Estados
Unidos, Lessons from the Poor (Lições dos pobres), editado por Álvaro
Vargas Llosa para o The Independent Institute, fundação que promove a
cultura liberal.
O livro enfoca quatro casos de empresas e clubes de troca que surgiram
na Argentina durante a crise financeira de 2001/2002. As empresas,
duas da América Latina e duas da África que, como as da família
Flores, nasceram sem nenhum capital, por iniciativa de pessoas muito
humildes e de educação precária e que, com esforço, perseverança,
intuição, e um aproveitamento astuto das condições do mercado,
conseguiram crescer e se converter em poderosos conglomerados que hoje
operam no mundo inteiro, dando emprego a dezenas de milhares de
famílias, e contribuem para o progresso de seus países.
É um livro estimulante e prático, que mostra, com provas palpáveis,
que a pobreza pode ser derrotada por quem tem olhos para ver e
consciência para aprender com os bons exemplos.
O extraordinário é que todas essas empresas progrediram, apesar de
operarem em contextos sociais e políticos hostis ao livre mercado e à
empresa privada, envenenados de populismo, intervencionismo estatal e
corrupção, onde a propriedade privada era, com freqüência, violada e
as regras do jogo da vida econômica mudavam o tempo todo, segundo os
caprichos de governos demagógicos e incompetentes.
O que esta investigação mostra é que a necessidade e a vontade de
viver dos pobres conseguem, às vezes, superar todos os obstáculos que,
nos países do terceiro mundo, são erigidos contra a iniciativa
individual e a liberdade, como o estatismo, o nacionalismo econômico,
o coletivismo e outras ideologias antimercado. E também que a falta de
capital e de formação profissional pode, em casos extremos, ser
compensada pela experiência prática e esforço.
Se os Flores e os Añaños, no Peru, se a cadeia de supermercados
Nakamat, no Quênia, e as empresas de desenho industrial Adire, na
Nigéria - os casos analisados no livro -, apesar de tantos obstáculos
e dificuldades, alcançaram a prosperidade que hoje desfrutam, não é
difícil imaginar o que ocorreria se os pobres do terceiro mundo
pudessem trabalhar num contexto propício, que estimulasse o espírito
empresarial, em vez de asfixiá-lo com regulamentos e uma tributação
confiscatória e, no lugar da insegurança jurídica, seus comerciantes,
artesãos e industriais contassem com regras de jogo estáveis, claras e
eqüitativas.
Um outro ensinamento desta investigação é que o melhor auxílio que os
países desenvolvidos e organismos financeiros internacionais podem
prestar para combater a pobreza e o subdesenvolvimento não são as
doações nem os subsídios que, contrariamente aos generosos objetivos
que os animam, só servem para entorpecer a iniciativa e criar atitudes
passivas, de dependência e parasitismo, além de estimular a corrupção,
sem criar condições de liberdade e competência que permitam que os
pobres trabalhem e usem seus próprios meios para melhorar suas
condições de vida e progredir.
Abrir os mercados agora fechados aos produtos originários de países
desenvolvidos é, segundo todos os economistas que escrevem em Lessons
from the Poor, a melhor ajuda que os países ricos podem oferecer para
fomentar o desenvolvimento na África e América Latina, as duas regiões
mais atrasadas do mundo, porque a Ásia, à exceção de tiranias como
Mianmar, parece já estar decolando.
Os pobres sabem melhor do que ninguém, porque sofreram na própria
carne, que não serão os Estados ineficientes do terceiro mundo,
paralisados pelo câncer da burocracia e corroídos pela incapacidade,
os tráficos criminosos, o compadrio e outras deficiências, que irão
tirá-los da pobreza. Sabem, como Aquilino Flores quando suava a camisa
lavando carros ou girando pelas ruas de Lima vendendo camisas, que a
sua sobrevivência depende somente do seu talento, seu trabalho e sua
vontade de superação.
Essa energia pode mover montanhas, desde que não se esgote e seja
castrada na luta contra obstáculos artificiais que sempre surgem com a
intromissão estatal. Os heróis civis, cujas façanhas são descritas
nesse livro, são um exemplo vivo de que a pobreza em que vivem
centenas de milhões de pessoas ainda hoje no mundo não é uma
fatalidade irredimível, mas um mal que pode ser combatido e vencido
com armas cujo emblema cabe em quatro palavras: trabalho, propriedade
privada, mercado e liberdade.