Clientelismo
As acusações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, e não
estadual como escrevi ontem, de formação de quadrilha contra o
ex-governador Anthony Garotinho e o deputado estadual Álvaro Lins,
antigo secretário de Segurança, são conseqüências de uma longa
história de conivências, clientelismo e corrupção que marcam a
política do Estado do Rio de Janeiro e que, na opinião do economista e
pesquisador Mauro Osório, professor de Economia Política da Faculdade
Nacional de Direito da UFRJ e especialista em planejamento urbano, tem
sua origem remota nas cassações nos anos 60, que, segundo ele,
"prejudicaram particularmente o Rio e geraram a possibilidade do
surgimento desse marco de poder, pelo fato de que no Rio não foram
cassados apenas a esquerda e os 'corruptos', mas também a visão mais
conservadora".
O conceito de "marco de poder", que no caso do Rio seria o
fisiologismo e a corrupção, é do Prêmio Nobel de Economia Douglass
North, segundo quem, determinados "marcos de poder" favorecem o
desenvolvimento e outros prejudicam.
Para Mauro Osório, esse marco de poder, ao menos até 2006, não foi
quebrado no Rio, e todos os governadores que chegam ao poder após o
segundo governo Chagas Freitas "ou entram articulados com esse marco
ou dele se tornam prisioneiros".
O problema, diz ele, não é a existência de clientela, mas a ausência
de contrapesos. Ele culpa também a "fragilidade das instituições
regionais e ausência de tradição de discutirmos temas regionais, pela
nossa cultura e história de centro nacional".
A existência de um "marco de poder" nesse nível gera, para Mauro
Osório, "desestruturação seja no poder Legislativo, seja no
Judiciário, seja no Executivo. Mesmo no Executivo Federal, as
indicações acabam passando em algum nível pelos políticos eleitos pelo
estado".
Ele lembra que, entre os deputados apontados como membros da bancada
dos "sanguessugas" estavam em torno de 10% do Congresso e 30% da
bancada do Estado do Rio de Janeiro. Essa situação continuada gera
naturalizações, articulações de interesses e uma tendência à sua
manutenção, diz Osório.
Para ele, a situação do Estado do Rio deriva de uma especificidade da
política local, onde nos anos 60 existiam duas lógicas, "uma nacional
e radicalizada, com base na qual o carioca votava referenciado no
debate nacional, e uma lógica localista e fragmentária, com uma Câmara
dos Vereadores que tinha pouco poder e importância no dia-a-dia dos
cariocas".
Havia, então, uma enorme fragmentação por vários partidos, e eleição
hegemonizada por candidatos que defendiam interesses particularizados
e uma lógica principalmente clientelista. "Quando ocorrem as
cassações, a partir de 1964, inicialmente, no Rio, a esquerda é
cassada, tendo perdido seu mandato oito dos dez deputados federais
eleitos pelo PTB em 1962.
Posteriormente, a UDN, que aqui era lacerdista, também sofre
fortemente com as cassações, a partir da criação da Frente Ampla de
Lacerda com JK e João Goulart".
Essa situação gerou "um vazio político na cidade do Rio de Janeiro,
que vai ser ocupado por Chagas Freitas, então deputado federal, dono
do maior jornal de circulação popular na cidade do Rio e em sua
periferia, e presidente do Sindicato Patronal de Jornais e Revistas da
cidade nos anos 50 e 60, instalando esse 'marco de poder' baseado no
clientelismo político", destaca Osório.
O deputado Chico Alencar, candidato a prefeito do Rio pelo PSOL,
considera que os esquemas clientelistas continuam em vigor e denuncia
que as inspetorias setoriais de fiscalização tributária "são
disputadíssimas por deputados estaduais fisiológicos".
Segundo Alencar, "há muitas notícias de que ali, a exemplo de
delegacias de polícia, montava-se um esquema de arrecadação, achacando
supermercados, locadoras e vendedoras de automóveis etc".
Ele destaca o fato de Garotinho ser o presidente regional do PMDB no
Rio, partido do governador Sérgio Cabral, e a deputada federal do PPS
Marina Magessi, ex-delegada de polícia ligada a Álvaro Lins, estar
também sendo investigada sem que seu partido se manifeste, como
demonstração de que "o sistema político-eleitoral é a matriz da
corrupção, e no nosso estado isso é galopante".
Já o professor Mauro Osório destaca algumas medidas que, segundo
acredita, "contribuem para a possibilidade de uma superação desse
marco de poder", entre elas, uma maior articulação de um debate no
âmbito regional, "a partir de ampliação de matérias na mídia, do
surgimento de instituições como o Rio Como Vamos, e de articulação de
debates e propostas pelas principais entidades empresariais".
Por parte do Governo do Estado, Osório destaca que, nas áreas de
Segurança e de Fazenda "ausentaram-se as indicações políticas". Além
disso, "retoma-se a prática de concursos públicos, ao contrário das
terceirizações que tanto escândalo geraram.
Na área do Detran, ocorre o primeiro concurso público de sua história.
Na área ambiental, pela primeira vez em muitos anos, o dinheiro do
fundo ambiental é preservado para a área".
Recebo de Cosmo Ferreira, ex-promotor de Justiça do Rio de Janeiro e
procuradorregional da República aposentado, velho colaborador da
coluna, a seguinte mensagem: "A pecha de 'evidente ilegalidade da
prisão em flagrante', apontada em sua coluna, não procede. O crime de
'Lavagem' ou Ocultação de bens, direitos e valores, previsto no artigo
1oda lei no9.613 de 3 de março de 1998, é classificado,
doutrinariamente, como crime permanente. De sorte que, enquanto durar
a ocultação permanece o estado de flagrância.
Tal crime é inafiançável, na letra do artigo 3odo referido diploma legal".
Sendo assim, endosso sua crítica à omissão do Ministério Público
Estadual e da Assembléia Legislativa do Rio.