Com uma naturalidade espantosa até então, na sexta-feira, antevéspera da escolha entre a candidatura própria de Geraldo Alckmin ou a aliança com o DEM do prefeito Gilberto Kassab, baixou-se a orientação: estão terminantemente proibidos socos, pontapés e insultos na convenção de amanhã.
Para um partido que até há pouco tempo guardava suas divergências em água fria e, no máximo, fazia a luta interna na base da ferina ironia, convenhamos, equivale a trocar o fino estilo da esgrima pelo vale-tudo da briga de rua.
Em que momento e por que os tucanos adotaram o aço nos punhos antes feitos de pura renda é um tema que merece análise futura e mais profunda. Independentemente da razão, a deterioração de costumes no partido é um fato.
Mais ou menos delineado dois anos atrás, quando da escolha do candidato do PSDB à Presidência da República. Foram três meses de troca de desaforos, mas a grosseria ficou só nos bastidores. Geraldo Alckmin pôs o pé na porta, reivindicou a candidatura, José Serra achou que não era briga que valesse a pena bancar e não foi ao confronto.
No início deste ano, quando Alckmin voltou a postular a legenda do PSDB, desta vez para concorrer à prefeitura, e o grupo do governador José Serra insistiu na aliança com Kassab, já era nítida a confusão à vista.
À época, muitos tucanos acharam injusta uma comparação com o PMDB, velho produtor de vexames públicos em decisões partidárias. Pois o PSDB não apenas repete o partido que lhe deu origem, como vai além: brigas na Justiça, acusações de suborno, uso da máquina pública para manipulação de resultados, trocas de ofensas que por si só justificariam o eleitor fugir para a seara adversária, até o clímax da sexta-feira.
O secretário municipal de Esportes,Walter Feldman, o porta-voz da ordem unida contra o "confronto físico" na convenção, nem se deu conta da gravidade de uma determinação desse tipo. Falava, na verdade, em tom de paz. "Estávamos exagerando", reconheceu, sem perceber que a proibição a socos e pontapés por si só significa a perda da noção de limite.
Seja qual for o resultado da convenção, o problema maior não é o que vai acontecer a partir de amanhã, mas o que já aconteceu com o PSDB - uma legenda que se entende refinada, mas se conduz como um ajuntamento de selvagens. Nesse ritmo, a escolha do candidato a presidente em 2010 será um espetáculo dantesco de ver.
Razão e sensibilidade
O promotor Eduardo Rheingantz, um dos autores da representação contra a Folha de S. Paulo e a Editora Abril pela publicação de entrevistas com a candidata do PT, Marta Suplicy, sentiu-se "muito ofendido" com a opinião aqui registrada de que sua atitude equivale à defesa da censura.
Reivindica que os leitores sejam "informados corretamente" sobre suas idéias.
Descontados os adjetivos da contrariedade e as obviedades do gênero "a Constituição proíbe a censura, mas não dá à imprensa imunidade para desrespeitar as leis", no texto de cinco parágrafos o promotor expõe apenas uma idéia.
A ela: "Não há, nas representações, tentativa de censura e sim de punir a propaganda eleitoral irregular que a ex-prefeita Marta Suplicy fez em alguns trechos da entrevista, tratando de transformar leitores em eleitores. A imprensa não está acima das leis; se divulgou propaganda irregular, deve ser punida", com base no artigo 36 da Lei Eleitoral, que proíbe propaganda eleitoral antecipada.
Rheingantz aponta a ocorrência de "erro jornalístico", por "informação distorcida, sem fundamento na realidade" e reclama por não ter sido ouvido.
Como já evidenciara no teor de sua representação à Justiça Eleitoral, o promotor confunde conceitos. Na sua mensagem, reivindica para o criticado a co-autoria na elaboração de críticas. Mais ou menos como se o cineasta se sentisse injuriado por não ter sido convidado a dar palpite na avaliação crítica de sua obra.
O promotor recebeu como ofensa a constatação de que precisa reorganizar suas idéias. Ficará ofendido de novo, mas sua réplica confirma a primeira impressão.
Talvez possa rever suas noções à luz das opiniões ultimamente emitidas por juristas e ministros do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema. Unânimes na conclusão de que o veto a entrevistas em jornais e revistas distorce o espírito da lei, fere a Constituição e, na prática, dá abrigo teórico a um ato de exceção.
Por exemplo
Se entrevistas e notícias pudessem a qualquer tempo ser confundidas com propaganda eleitoral indevida, todos os atos e discursos do presidente Lula no segundo semestre de 2006, quando concorria à reeleição, seriam enquadrados na mesma proibição.