Mais um assunto em que a novela
A Favorita evita o politicamente correto
Marcelo Marthe
Divulgação/TV Globo |
Orlandinho (à esq.) azara Halley: ele quer "conteúdo" |
Numa cena que se verá em breve na novela A Favorita, o playboy Orlandinho (Iran Malfitano) será internado à força numa clínica de desintoxicação. E não por causa de drogas. Seu pai, um fazendeiro conservador, se assustará com algo que a essa altura já ficou óbvio no folhetim das 8 da Globo: as dificuldades de Orlandinho em esconder seus impulsos homossexuais. O rapaz é piloto de Fórmula 3, luta jiu-jítsu e vive cercado de belas mulheres. Tudo pose: ele arrasta sua cabeleira de jogador de futebol argentino (obtida à custa de escova progressiva) para cima de outro homem, Halley (Cauã Reymond). O golpista vem se passando por um tal de Bruninho, amigo que Orlandinho não vê há tempos. A megera Alícia (Taís Araújo), ex-noiva do primeiro, descobriu a farsa e vem obrigando Halley a se fingir de gay, com salto alto, roupas coladas e batom – o que desperta a libido do outro. Orlandinho já quis massagear as costas do colega, comprou blusinhas para ambos e sinalizou que gosta de "conteúdo". "Gente da elite, como eu e você, tem de estar aberta a tudo. A nossa alma é muito sensível", discursou (ele retornará da clínica supostamente "curado" disso). Orlandinho é um gay enrustido – e patético. Esse detalhe faz dele uma novidade nas novelas das 8. De personagens tabus, os homossexuais se converteram num clichê nessas novelas nos últimos cinco anos – e sempre sob enfoque positivo. Assim como investe num clã negro nada abonador, o noveleiro João Emanuel Carneiro também aí vai contra a cartilha do politicamente correto. "Por que as novelas têm de ter só gays bonzinhos? Acho isso uma bobagem", diz.
Não é a primeira vez que uma novela das 8 conta com um gay enrustido (nem a única atualmente a tocar no assunto: em Os Mutantes, da Record, Claudio Heinrich faz um tipo assim). Em Brilhante (1981), de Gilberto Braga, o ator Dennis Carvalho já vivia um pianista beberrão e reprimido pelos pais por sua condição. Havia uma razão até justificável, contudo, para ele não sair do armário. "A censura do regime militar não permitia sequer que se mencionasse a palavra ‘homossexual’.", lembra o especialista Mauro Alencar. O caso de Orlandinho é diferente. A intenção de Carneiro é denunciar a hipocrisia. "Sei de playboys enrustidos que circulam com beldades nas altas-rodas só para manter a fama de machão", diz. As referências ao "mundinho" vão além. Os personagens de Taís Araújo e Cauã Reymond já aludiram a um notório reduto GLS paulistano. O noveleiro explica que fez pesquisa de campo: "Adoro aquela boate".