Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 19, 2008

Erros gravíssimos EDITORIAL Folha de S. Paulo





19/6/2008

Mais que um desatino de 11 militares, o assassínio de jovens de favela do Rio resulta de imprudência no emprego do Exército

NÃO É apenas um "erro gravíssimo" e "abominável" -palavras do presidente da República- a ação de 11 integrantes do Exército na favela carioca da Providência. A tortura e o assassinato de três rapazes capturados pelos militares e por eles entregues a facínoras do vizinho morro da Mineira resultaram de uma sucessão de erros -gravíssimos, abomináveis- que vai além da simples responsabilização dos envolvidos.
Apesar do risco evidente para a imagem das Forças Armadas, o governo federal não se mostra inclinado a extrair todas as lições da tragédia previsível. Embora não descarte retirar a tropa da Providência, decisão que seria tomada "com calma" nos próximos dias, Lula prossegue na defesa da presença do Exército como garantia de segurança para as obras na comunidade. Reincide, assim, no equívoco que engendrou o desastre.
Militares não têm treinamento para garantir a ordem pública, e sim para a guerra. A recente experiência de alguns contingentes na missão de paz no Haiti é de pouca valia em território nacional. O artigo 142 da Constituição admite seu emprego na garantia da lei e da ordem, mas em acordo com a lei complementar nº 117/ 2004, pela qual esse engajamento deve restringir-se a local e períodos limitados e pressupõe reconhecimento formal da insuficiência dos órgãos de polícia.
Ora, a mobilização da tropa na Operação Cimento Social se deu em franco desrespeito a tais princípios. O que principiou como trabalho social de engenheiros militares, a reforma de 782 casas da Providência, terminou com soldados atuando desde dezembro de 2007 como meros seguranças de operários na obra a cargo de uma empreiteira terceirizada. Embora a favela seja um dos territórios controlados por uma facção criminosa na capital fluminense, não se tem notícia de que o governo do Estado já tenha abdicado ali de exercer seu poder de polícia.
Pior: o projeto em que se envolveu o Exército tem nítido propósito eleitoreiro. O Ministério das Cidades e o da Defesa associaram-se à iniciativa de interesse do senador Marcelo Crivella, pré-candidato a prefeito pelo mesmo partido do vice-presidente da República (PRB). Mais de R$ 13 milhões foram carreados para as obras.
Esse uso político-partidário do Exército redundou num exemplo de manual daquilo que mais se teme em seu emprego na segurança pública e na repressão ao tráfico: a contaminação da tropa. Não há palavra mais adequada para descrever a "negociação" entre os 11 militares que detiveram os três jovens e os traficantes do morro da Mineira, dominado por uma facção rival.
Não foi o primeiro episódio de promiscuidade e não será o último, se governantes incompetentes para manter a ordem pública continuarem a insistir na alternativa tão fácil quanto populista e ineficaz de arrastar o Exército para esse pântano.
Não basta o pedido de desculpas. A Presidência da República precisa pôr um ponto final nessa malfadada aventura militar.

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