Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 19, 2008

Drama argentino

por Débora Thomé -
18.6.2008
Panorama Econômico

Drama argentino

A crise na Argentina está próxima de completar 100 dias. Esta semana, os protestos se intensificaram também na capital, Buenos Aires, que começa a sofrer com a falta de abastecimento de alimentos. A presidente Cristina Kirchner, com problemas sérios de popularidade, teve que fazer um pronunciamento nacional. O país vizinho passa por sua mais grave crise desde 2001. Esses problemas internos refletem uma antiga cisão: o campo produtivo não quer pagar a conta de setores menos competitivos.

O drama atual se resume no seguinte roteiro: como vinha anunciando desde a campanha, a presidente Kirchner determinou um aumento na taxação sobre alimentos; em alguns casos, através da retenção de produção. O campo, claro, não gostou nada disso. Assim, desde março, vem promovendo protestos, fechando estradas, segurando a produção para que a determinação seja revogada. Agora, eles passaram a ter apoio de Buenos Aires e até mesmo de um grupo do próprio partido do governo.

A decisão de aumentar a cobrança, segundo alguns analistas, veio da busca do Estado argentino por mais arrecadação. Os gastos do governo subiram muito nos anos Kirchner I, e assim continuam. A justificativa do governo, por sua vez, foi principalmente a de que isso faria com que os preços internos dos alimentos ficassem sob controle.

O campo sempre foi fundamental para a economia do país vizinho. Para dar um exemplo, a Argentina é o terceiro maior exportador de soja do planeta. Ao longo da História, foi justamente essa pujança que garantiu os recursos necessários para desenvolver a indústria, um setor bem menos competitivo. O que acontece agora é que o campo, simplesmente, está se recusando a arcar de novo com a conta.

Num texto publicado no site do Observatório Político Sul-Americano (OPSA), do Iuperj, o professor Javier Vadell, do Departamento de Relações Internacionais da PUC-Minas, afirma que “a Argentina do século XXI mostra as suas mais profundas contradições sociais (...) O ainda tímido desenvolvimentismo sofre de uma dependência estrutural: depende do dinâmico setor exportador impulsionado pelo agronegócio”.

O professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB Eduardo Viola acredita que existem dois pontos fundamentais que explicam por que a Argentina está passando por tudo isso agora. O primeiro deles é o resultado da solução dada por Kirchner I à crise econômica, que envolveu descontrole dos gastos, da inflação e quebra de contratos. O país vive hoje sérios desequilíbrios econômicos.

— O segundo fator importante é que está havendo uma reação ao excesso de acumulação de poder do casal Kirchner — analisa.
Sobre isso, o analista político Rosendo Fraga, do site Nueva Mayoria, comentou em um artigo: “A concentração do poder nas mãos do Executivo, como ocorre hoje na Argentina, é bastante vantajosa para exercer o poder quando as coisas vão bem, mas representa riscos maiores quando elas vão mal.”

A situação não está mesmo nada boa para Cristina Kirchner. No início do ano, logo após assumir, a sua aprovação chegava a 47%; em três meses, caiu para os 20%. A Kirchner II, que era reconhecida por ter uma carreira política independente da do marido, hoje é vista como um fantoche. Rosendo Fraga argumenta que isso também está erodindo sua popularidade, pois há a idéia de que é Nestor Kirchner quem, de fato, manda. Há um outro componente, mais pitoresco, neste caldo: o consumismo da presidente, que anda sendo malvisto.

O perigo de tudo isso é que, num governo com tanto poder concentrado no Executivo, problemas mais graves relacionados à presidente podem inviabilizar a governabilidade.

Na visão do professor Eduardo Viola, a crise poderia ser bem menor se ela tivesse decidido negociar desde o início.
— O estilo Kirchner é confrontacionista. A Argentina também, diferentemente do Brasil, tem um modo de agir em pêndulo; o Brasil é mais conciliatório.

De qualquer forma, o professor da UnB acha que os riscos da crise de agora são — ainda — mais brandos que os de 2001. Mas teme que o desequilíbrio macroeconômico se agrave.

A Argentina conviveu com excelentes números na economia nos anos de Nestor Kirchner. Disso não resta dúvida. Esses resultados foram para o palanque, e garantiram a eleição de Cristina Kirchner. Mas o cenário e o enredo mudaram. A opção do casal foi, então, em vez de buscar políticas econômicas de racionalidade e contenção de gastos, aprofundar o caminho peronista de assistência. Além disso tentam ainda manter o controle sobre os preços e índices. A inflação, que costuma corroer popularidade, pode chegar aos 30% no ano; registrada ou não.

A consultoria americana Eurasia acha que esta é uma hora decisiva para Cristina Kirchner se reerguer ou afundar de vez. Ela certamente tem um problemão pela frente, com popularidade baixa, desabastecimento, inflação alta e uma crise de energia à espreita. Quando o país tinha tudo para estar bem, com o preço de suas commodities lá no alto, o cenário é o oposto. Persistir no conflito agora só agravaria o drama. Para que se tenha algum final feliz, a única saída é a conciliação.

Arquivo do blog