Impedido pelas circunstâncias de dizer sim ou não e obrigado por elas a se manter na faixa intermediária do antes muito pelo contrário, Serra exaltará as qualidades dos dois, desejará sucesso a ambos, reafirmará que o PT é o adversário principal e se retirará de cena até o fim da campanha.
O governador ainda não decidiu se mantém a decisão de simplesmente comunicar sua posição ou se faz isso durante uma entrevista coletiva. Por via das dúvidas, já começou a escrever a nota a ser divulgada antes das convenções partidárias que oficializarão as candidaturas de Gilberto Kassab (DEM) e Geraldo Alckmin (PSDB), nos próximos dias 14 e 22, respectivamente.
Como Serra está de viagem marcada para o exterior e só volta às vésperas da convenção tucana, se nenhuma surpresa nos tumultuados preparativos das duas candidaturas mantiver o governador em seu silêncio, ele vai manifestar-se logo. Aparece, rende-se aos fatos e é só.
Depois disso recua de volta aos bastidores - palanques, programas eleitorais? Nem pensar! - e assiste de lá ao desenrolar do processo que levará o eleitor a escolher qual dos dois enfrentará a candidata do PT, Marta Suplicy, no segundo turno. Só então poderá desembarcar da dubiedade para apoiar o vencedor. Seja ele Kassab, o predileto, ou Alckmin, seu desafeto interno.
Serra nem remotamente conta com a possibilidade de Marta ser eliminada da primeira etapa. A menos que "dê uma de Marta" e se deixe levar pelo temperamento. Se a carruagem andar normalmente, na opinião do governador, ela é finalista.
A complicação, no que lhe concerne internamente, vai ser a primeira fase da campanha. Em português claro: o problema é como Alckmin e Kassab vão se enfrentar. Sim, trata-se de um enfrentamento, pois, pelo critério de Serra, há uma só vaga sobrando no segundo turno.
O prefeito, vice de Serra em 2004, agora candidato a um mandato por esforço (quase) próprio, não tem dificuldade com o discurso: quer polarizar com a preferida nas pesquisas - coisa que já começou a fazer - e disputar com ela o campeonato de realizações administrativas.
É a chance dele de crescer e tentar desalojar Alckmin de um hoje confortável segundo lugar.
Nesse quadro, permanece a dúvida sobre qual o eixo da campanha de Alckmin. Ele tem dito que seu assunto é o futuro, mas isso não o eximirá de comentar o presente e o passado.
Se criticar a gestão de Kassab, estará atacando seu partido, pois a maioria dos secretários é do PSDB e o programa de governo segue integralmente o cronograma herdado de Serra. Além disso, abrirá espaço para Marta explorar a briga dos adversários.
Se começar a se desviar das questões objetivas, corre o risco de perder terreno por carência de nitidez.
Só que, apesar de todos os pesares - entre os quais se inclui a dificuldade de contar na campanha com o tucanato, quase todo de alguma forma ligado às máquinas estadual ou municipal -, Alckmin ainda é o segundo colocado e, a preço de hoje, a vaga do segundo turno é dele.
Se ganhar, terá tribuna e poder para ajudar Aécio Neves e companhia a construir obstáculos à candidatura presidencial de José Serra em 2010.
O governador acha que não. A vitória prenderá Alckmin ao compromisso de apoio assumido. E se perder?
"Também não tem problema. Nessa questão, São Paulo não se dividirá."
Moral e cívica
Tem certas horas em que não há como negar ao presidente Lula a condição de pioneiro na história do Brasil.
Realmente, nunca antes neste país se viu presidente algum discursar contra o rigor das leis. E de forma sistemática. Quando a legislação se põe no caminho da sua vontade, pior para a legislação, que leva logo um tranco.
Sexta-feira meio sem assunto para um governo indiferente à central de infrações instalada logo ali na Casa Civil, no andar térreo do Palácio do Planalto, o presidente Lula resolveu de novo investir contra a Lei Eleitoral porque a partir de julho está por ela impedido de assinar convênios e liberar dinheiro novo com palanque e platéia, durante três meses.
"A eleição neste país, ao invés de consagrar a democracia, faz quem governa ficar sem governar porque o falso moralismo parte do pressuposto de que assinar contrato com o prefeito é beneficiar o prefeito. É o lado podre da hipocrisia brasileira", disse o presidente.
Tradução: eleição atrapalha, balizamento legal é farisaísmo, moral é coisa de gente hipócrita, ao presidente da República compete apenas assinar convênios e, sem eles, o governo pára.
Em matéria de educação cívica, é de pedir às crianças que saiam da sala.