Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 19, 2008

Dora Kramer - Desvio de zelo




O Estado de S. Paulo
19/6/2008

Com todo o respeito devido ao universo das boas intenções: o promotor e o juiz que se insurgiram contra a publicação de entrevistas de candidatos alegando infração à Lei Eleitoral ouviram o galo cantar, mas não sabem direito onde.

Escutaram o barulho do debate sobre o ativismo cívico que sacode os tribunais depois de anos de passividade diante de todo tipo de práticas deformadas, principalmente na política, e encontraram a pior maneira de embarcar na onda do rigor.

Não compreenderam que a Justiça resolveu se mover na direção da demanda da sociedade e entraram na história pelo lado contrário. Não seria um caso de excesso de zelo, mas de desvio, ou de zelo à deriva.

O promotor eleitoral Eduardo Rheingantz representou contra a Folha de S. Paulo e a Editora Abril por terem publicado entrevistas com a candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, alegando propaganda indevida.

O juiz eleitoral Francisco Carlos Shintate aceitou a denúncia, multou as empresas, também puniu financeiramente a candidata e pontificou: “A publicação em mídia escrita poderia violar a igualdade entre os pré-candidatos ao permitir que um deles expusesse, antes dos demais e fora do período permitido, sua pretensão de concorrer ao cargo, sua plataforma de governo, enaltecendo suas qualidades e realizações passadas, criticando as ações do atual governo e imputando qualidades desfavoráveis aos adversários.”

É de se perguntar: e daí? O que o Ministério Público e a Justiça têm a ver com o que dizem ou deixam de dizer políticos, candidatos ou não?

A própria argumentação do juiz começa capenga no tempo do verbo utilizado. Quando a sentença se refere à ação no futuro do pretérito faz juízo a respeito de uma hipótese, não de um fato.

A entrevista, diz ele, “poderia” violar “a igualdade entre pré-candidatos”. Ou seja, não violou e, ainda assim, o juiz baixa a condenação, violando, ele sim, todo o artigo 5º da Constituição, que detalha os direitos e garantias dos cidadãos, entre os quais se destaca o acesso à informação.

Não se trata de atender aos ditames da Lei Eleitoral nem de proteger a igualdade de condições entre candidatos, mas de obedecer à Constituição e não obstruir o acesso das pessoas a todas as informações sobre os postulantes aos cargos de prefeitos e vereadores.

Se o juiz Shintate e o promotor Rheingantz pretendem realmente fazer valer com firmeza a lei, convém que reorganizem as idéias. Reexaminem os métodos e não confundam ativismo judicial com retrocesso institucional.

Por ora, o que os dois defendem é a volta da censura.

Rasteiras

O desapego de Lula pela formalidade institucional cria situações como essa do uso de militares no Morro da Providência para garantir segurança a obras de benfeitorias feitas na medida exata do projeto político do senador Marcelo Crivella.

Qualquer empecilho no caminho das vitórias almejadas é motivo de amuo, crítica, ou de chacota por parte do presidente. Assim acontece com a legislação eleitoral, com as normas para licitações, com todo tipo de contraditório - seja do Legislativo, do Judiciário, da imprensa ou de uma platéia com vontade de vaiar -, com a desmoralização dos partidos e, agora, com a inoculação no Exército do vírus do aparelhamento do Estado.

Só o comandante-chefe das Forças Armadas teria autoridade para levar os militares a recuar da decisão tomada em 2006, de o Exército só voltar às favelas para “ações de maior envergadura”, conforme disse na época o chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Leste, general Hélio Chagas de Macedo Júnior.

Há dois anos, o Exército levou um baile vexatório do crime organizado. Durante 10 dias os militares ocuparam 11 morros do Rio atrás de armas roubadas de um quartel, sem conseguir achar nada. Uma pistola e alguns fuzis só foram recuperados quando o tráfico houve por bem devolver.

Os militares negaram a existência de qualquer acordo, mas saíram dos morros prometendo nunca mais voltar. Pelo visto, o projeto Crivella de maquiagem de fachadas na favela foi elevado ao patamar superior na escala de “ações de envergadura” do governo federal.

Salomão

Cada cacique tucano destacou um representante para dar palpite no programa de TV de 20 anos de fundação do PSDB, que vai hoje à noite ao ar no horário anual reservado aos partidos.

Por pouco não se instala um impasse quando, finalizada a produção coletiva, verificou-se que o palpiteiro de Aécio Neves havia dado um jeito de pôr o governador no fecho do programa.

Antes que o braço avançado do Palácio dos Bandeirantes reivindicasse para José Serra o lugar de honra no desfecho, o presidente do partido, senador Sérgio Guerra, avocou para si a fala de encerramento.

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