A duras penas — e a custo de muita política pública — o Brasil vem conseguindo reduzir um dos seus maiores problemas: a desigualdade. Nos últimos anos, a distância entre ricos e pobres tem ficado, ao menos, um pouco menor. Do outro lado do mundo, a China, com os seus números exorbitantes, vive o problema oposto. A desigualdade se tornou uma das grandes ameaças ao país.
O tema tem sido amplamente debatido lá. Não se pode nem dizer que eles estão pouco atentos à questão, mas foi num interessante artigo do “Financial Times” que Geoff Dyer, correspondente do FT na China, uniu o problema que vem desafiando o Brasil há anos com a situação atual do país. O título foi “Lições do Brasil para a China: não ignorem a desigualdade”.
O artigo começa com a descrição de um luxuoso shopping em Xangai, o Plaza 66. Nos fins de semana, é preciso enfrentar fila para entrar na Louis Vuitton. Da China, o texto salta para São Paulo, onde o autor esteve na Daslu, a qual ele descreve como a “mais esnobe loja do país”, cujas prateleiras abrigam os mesmos produtos. Considerando o que se sabe sobre Brasil e China, a imagem já vale mil tratados acadêmicos, sobre globalização, padrões de consumo, mas também sobre desigualdade.
Porém, para Geoff Dyer, “existe uma grande diferença”.
No Brasil, a Daslu é vista, muitas vezes, como um símbolo dos nossos defeitos, enquanto o Plaza 66 é tido, para os chineses, como um retrato do êxito.
O crescimento na China tem registrado taxas acima dos dois dígitos. Este ano, deverá ser de 9,3%. A renda também aumenta muito, mas concentrada. Com uma população de 1,3 bilhão de habitantes, uma desigualdade subindo no país tem impacto nos padrões mundiais. A extrema pobreza diminuiu muito nos últimos 25 anos. Mas, como mostra o gráfico abaixo — que inclui os demais BRICs —, a desigualdade medida pelo índice de Gini teve uma alta considerável de 1998 a 2004, e ela continua crescendo. A parcela da renda que fica com os 10% mais ricos, comparada com a renda média, é hoje bem maior que há duas décadas.
A explicação dos diversos pesquisadores que estudam o assunto é que a desigualdade é resultado do modelo de crescimento: rápido e concentrado em alguns setores e regiões. As áreas da costa são beneficiadas, pois recebem mais investimentos diretos do exterior, com as exportações. E há também a forte cisão entre o campo e a cidade. Com isso, o bolo está crescendo, mas sendo pouco dividido. (Ops! Conheço essa história de algum lugar.) Um estudo de Duangkamon Chotikapanich, Prasada Rao e Kam Ki Tang para as Nações Unidas conta que a “China viveu várias mudanças estruturais a partir do final dos anos 70. Nos anos 90, as reformas no mercado de trabalho urbano, o aumento nas estatais e a aceleração do processo de globalização na China se deram especialmente na costa”.
Porém, segundo o professor Guanghua Wan, também em um trabalho para as Nações Unidas, a dicotomia ruralurbano é que explica 70% da desigualdade no país. Um dado simples que indica isso: a China rural, onde estão 60% da população, fica com apenas cerca de 10% do PIB.
O professor, no texto, concorda que boa parte da explicação está no comércio e no investimento direto. E desmonta parte do frisson com os resultados chineses: “O crescimento não é suficiente para combater a pobreza, para alcançar altos graus de desenvolvimento, mesmo que esse crescimento seja de uma magnitude sem precedentes.” O desafio que a China tem pela frente, como bem o sabemos, é enorme — a despeito de todos os seus excelentes números de crescimento e comércio. Deixar que a desigualdade cresça é um erro que pode comprometer o país no futuro. O artigo do “Financial Times” afirma que a pergunta que fica é: “Que tipo de elite a China está criando?” No Brasil, parte da nossa elite ainda é insensível, na prática, à desigualdade. As conseqüências disso nós já conhecemos
Para terminar: R$ 38.948.000.000,00
É isso que o país perderia em “comissão” caso os prefeitos dos 5.564 municípios brasileiros decidissem ter uma atitude semelhante à do prefeito de Juiz de Fora (MG), Carlos Alberto Bejani (PTB), que comemorou os R$ 7 milhões em propina. Obviamente, a conta é apenas pitoresca, uma multiplicação do valor da “comissão” pelo número de municípios e, felizmente, nem todos (tomara, menos que a metade) os prefeitos têm atitudes semelhantes à que foi flagrada. De qualquer forma, é um exemplo de como a corrupção faz com que muito dinheiro acabe indo parar no ralo.
Entrevista:O Estado inteligente
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